Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cinto de opinião

Os exemplares das edições de O Liberal e do Diário do Pará circularam no dia 27 com um cinto de segurança. A pretexto de contribuir para a segurança do tráfego de veículos em ruas e estradas, a antiga Companhia Vale do Rio Doce presenteou os dois principais grupos de comunicação com esse mimo publicitário, complementado por um anúncio de meia página dentro dos jornais. Como golpe de marketing, a peça foi muito inventiva: renovou o compromisso assumido pela imprensa com a maior corporação privada do país e a empresa mais importante do Estado, sob a justificativa de prestar um serviço de utilidade pública.

Foi um autêntico cinto de segurança para a Vale, garantindo-lhe a manutenção da inviolabilidade na grande imprensa. É a execução daquela política confessada involuntariamente, alguns anos atrás, pelo então ministro Rubens Ricúpero: o que é bom a gente mostra; o que é ruim, a gente esconde.

A Vale costuma ter iniciativas com essa criatividade. Como o plantio de árvores em Carajás em nome não só de pessoas gratas à casa e dela pregoeiras no mercado e junto à opinião pública, mas também de seus críticos. Quem não fica sensibilizado por esse gesto, que traduziria o espírito democrático da mineradora e seu reconhecimento pelo valor do homenageado?

Plantio heráldico

Talvez embalada pelos efeitos dessa idéia, a empresa desandou a fazer homenagens, de certa forma vulgarizando (e também desvalorizando) o ato, tirando-lhe a condição meritória. Mas tudo bem: fazia bem (e não comprometia) saber que uma árvore crescia à margem da exaustão do minério de ferro de Carajás, como sua contrapartida, associada a um padrinho.

No mês passado, porém, não sem surpresa, descobri que minha árvore já não estava mais cadastrada no espaço do portal da Vale. Insisti na busca, mas foi inútil. Consultei a assessoria de imprensa no Rio de Janeiro e em Belém sobre o destino da ‘minha’ árvore. Não tive uma resposta, mas me prometeram investigar. Passadas três semanas e nada.

A falta de retorno, em contraste com a habitual eficiência da Vale nessa matéria, me impõe este registro. Divido com meu leitor minha cobrança quanto ao destino que teve minha árvore no já vasto plantio heráldico que a empresa criou em Carajás, talvez, com essa multiplicação, pulverizando tanto as homenagens que o desaparecimento de uma não afeta mais o conjunto. Se minha árvore morreu, que esta nota lhe sirva de fita amarela.

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Jornal

O marcador de numeração de O Liberal do dia 27 registrava aquela como a 32.913ª edição do jornal. A folha dos Maiorana tem 63 anos de vida, 44 dos quais sob o controle da família (e 19 como órgão oficial do PSD de Magalhães Barata). Logo, é impossível que tenha circulado o número de vezes consignado todos os dias no alto da sua primeira página. Para que a numeração fosse correta, seria preciso que o jornal circulasse ininterruptamente, sem falha alguma, os sete dias da semana (o que não aconteceu em parte da sua história) e que o ano tivesse 522 dias. Se fosse às ruas sete vezes por semana, a numeração correta tinha que ser, no último dia 27, de 22.995 edições, 10 mil a menos, na melhor – e irreal – das hipóteses do que o que é apregoado pelo jornal.

Já apontei diversas vezes esse erro clamoroso. Por que os Maioranas não o corrigem? Porque são divinos e não erram? Porque admitir o erro lhes é inadmissível? Ou porque desprezam a opinião pública, da qual tiram seu sustento e seus excessos?

Não se trata de prevenção ou provocação. Se um jornal não respeita sua própria história, como pode reivindicar credibilidade ao seu leitor? Como pode considerar com seriedade a vida social e as suas responsabilidades? Se mente diariamente no mais simples e elementar, não será capaz de mentir em tudo mais?

Já que os donos de O Liberal, devidamente alertados sobre o erro crasso, se recusam a saná-lo, cabe aos leitores, em contingente cada vez menor, cobrar o que lhes é devido: que o jornal seja um conjunto de fatos relevantes e de interesse coletivo, não um conto da carochinha. Muito sem graça, aliás.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)