Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Ciúmes do Washington Post

Colunistas de jornais e revistas seguem garimpando semelhanças na composição que a presidente eleita Dilma Rousseff parece estar dando ao seu futuro gabinete em relação a atual governo. A tese que repousa como fundo dos comentários é a da continuidade sem retoques, ou seja, afirma-se explicitamente ou nas entrelinhas que a futura presidente vai reproduzir o governo Lula até mesmo na distribuição de cargos entre os partidos aliados.


Ao mesmo tempo, o noticiário desses mesmos jornais e revistas vai acumulando indícios de que, em variados assuntos, a presidente eleita manifesta não apenas opiniões, mas também atitudes diferentes daquelas que marcaram os dois mandatos de Lula da Silva.


Argumentar contra os fatos é tarefa que exige conhecimento acima do saber comum, e a repetição do bordão de que Dilma é uma criatura do seu antecessor – e, portanto, só pode produzir um governo que seja uma cópia daquele – revela apenas que esses colunistas não dispõem de fontes que os descolem das suposições e dos preconceitos que ainda sobrevivem desde a campanha eleitoral.


Primeira exclusiva


Os jornais do fim de semana reproduzem notícias que, aos poucos, vão mostrando a personalidade política da futura presidente. E ela não poderia ser mais distinta da do atual chefe de governo.


A imprensa nem precisaria esperar pelas manifestações de Dilma Rousseff para mudar de opinião e concluir que ela tem um perfil muito distinto do estilo de seu antecessor: suas biografias são extremamente diferentes e, além disso, ela deve assumir numa circunstância completamente diversa daquela em que Lula chegou ao poder.


Uma entrevista de Dilma Rousseff ao jornal americano The Washington Post, publicada no domingo (5/12), consolida algumas dessas diferenças e marca um novo estilo: a presidente eleita afirma, por exemplo, que não concordou com a decisão do governo Lula, que se absteve de apoiar uma resolução da ONU contra o apedrejamento de mulheres no Irã e que, se já estivesse no governo, teria adotado outra posição.


A declaração, feita na primeira grande entrevista exclusiva para um jornal, parece ter deixado a imprensa brasileira desconfortável, por duas razões: primeiro, porque revela que discordâncias são naturais no regime democrático, mesmo com relação ao patrono de uma carreira política. Segundo, a imprensa brasileira parece ter ficado enciumada porque a primeira entrevista exclusiva foi feita a um jornal estrangeiro.


Depois da lambança que aprontaram durante a campanha eleitoral, os jornalões ainda querem privilégios.