Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cobertura internacional, novos desafios

Como as novas tecnologias como a internet, o celular, a câmera de vídeo ou as redes sociais estão afetando a cobertura internacional e as rotinas de trabalho dos correspondentes? E as agências internacionais de notícias? Elas ainda controlam ou ‘manipulam’ as notícias que recebemos sobre o mundo? E por que os latino-americanos preferem notícias de fora da região, cobrem pouco a América Latina e ignoram o Brasil?

Estas foram algumas das questões levantadas no seminário ‘A cobertura internacional e seus novos desafios’ que ocorreu na terça-feira (10/5) na Universidade Metodista do Estado de São Pulo. O evento teve a presença do professor Oliver Boyd-Barret, do editor internacional do Jornal da Globo Pedro Aguiar, do correspondente da Globo Roberto Bournier e contou com a mediação do professor Sebastião Squirra, professor da Metodista e referência brasileira nos estudos sobre telejornalismo.

Afinal, quais são os tais novos desafios para o noticiário internacional? As novas tecnologias digitais estariam conseguindo mudar um cenário de hegemonia e controle das agências internacionais a serviço do velho imperialismo?

Para buscar respostas, viajei de ônibus durante duas noites, de Florianópolis para São Paulo. Foram 12 horas para ir e mais 12 horas para voltar sem pausa ou descanso. Não é só o jornalismo internacional que enfrenta períodos de ‘vacas magras’. Isso me fez lembrar de outros tempos, trabalhando para a Globo na Europa. Alguns jovens e inexperientes jornalistas, com orçamento de alguns poucos dólares, se propunham a cobrir o mundo para os nossos telejornais. O que não fazemos e enfrentamos para entender um mundo que muda? Mas valeu a pena.

Perguntas e respostas

Para quem não conhece alguns dos principais participantes do seminário, o professor Boyd-Barret, por exemplo, é a maior autoridade mundial sobre o tema ‘agências de notícias’. Ele escreveu um livro em 1980 que até hoje ainda é considerado o ‘estado da arte’, a referência acadêmica sobre o poder das Big Four, as quatro grandes agências internacionais: The International News Agencies (ed. Sage, Londres, 1980). Leitura indispensável para quem deseja entender por que o fluxo de notícias internacionais se concentra no primeiro mundo. Ou para analisar como o controle do noticiário internacional pelas grandes agências de notícia ainda é fundamental para a manutenção do ‘poder’ nos EUA e na Europa. Afinal, quem controla as notícias sobre o mundo controla o mundo.

Além de discutir os novos desafios para a cobertura internacional, o professor Boyd-Barett também apresentou suas pesquisas mais recentes sobre canais de notícias 24 horas e os contrafluxos hegemônicos. Ou seja, como alguns veículos noticiosos estariam tentando quebrar o monopólio das grandes agências internacionais. O professor britânico discutiu o papel da rede al-Jazira no contexto da globalização midiática e apresentou os últimos resultados de estudos comparativos sobre o conteúdo dos canais de notícias CNN em espanhol, Telesur (Venezuela) e NTN24 (Colômbia).

E este foi o momento mais significativo do seminário. Segundo a pesquisa do professor Boyd-Barret, a América Latina ainda prefere notícias sobre o que acontece fora da América Latina. Os canais pesquisados transmitem algumas notícias sobre a região, mas praticamente ‘ignoram’ o Brasil. Todos os presentes ficaram incomodados, mas ninguém parecia realmente surpreso. Há muitos anos, apesar dos milhões gastos pelo governo para construir e divulgar a imagem do Brasil como potência internacional emergente, os latino-americanos insistem em nos ignorar.

O professor Squirra fez levantou algumas hipóteses durante as discussões: seria por causa da nossa língua, do nosso histórico isolamento, ou seria devido ao controle do fluxo de notícias pelas agências internacionais? Seria por preconceito ou por alguma outra razão ainda desconhecida? As respostas são importantes, necessárias e demandam novas pesquisas, novos seminários.

Um cenário centralizado e desigual

A origem das agências de notícias remonta ao período de expansão do capitalismo, o auge dos Estados-nação na Europa, o consumo crescente da imprensa e a inclusão das novas tecnologias de comunicação da época. Não por acaso, as primeiras agências apareceram em países com interesses coloniais. Mas, assim como a utilização de novas tecnologias pelas grandes empresas jornalísticas de hoje, as agências nasceram para ‘reduzir’ custos.

As agências surgiram em meados do século 19, com a fundação da primeira agência, a Havas, em 1835. Sediada em Paris, a Havas enviava as principais informações e notícias do exterior por telegramas para os jornais, que pagavam por esse serviço. Em 1851, um sócio de Havas, o alemão naturalizado britânico Julius Reuter, deixou a empresa para fundar uma nova agência em Londres, a Reuters. A Reuters existe até hoje, enquanto a Havas acabaria se tornando a atual Agence France-Presse (AFP).

Nos EUA, durante a guerra civil americana, os maiores jornais de Nova York se juntaram para formar a Associated Press e enviar correspondentes para o campo de batalha. A AP manteve um monopólio nos EUA por mais de meio século, até que em 1907 foi fundada a agência United Press. Dois anos depois, criou-se a International News Service. Estas duas se fundiram em 1958 para criar a United Press International (UPI), também existente até hoje.

Durante muitos anos, trabalhei para algumas das principais agências de notícias para TV, como a UPITN e a WTN, como correspondente no Brasil. Conheço de perto as rotinas profissionais e, principalmente, o poder dessas empresas para controlar o fluxo de notícias internacionais. Até hoje, não é fácil incluir notícias sobre o nosso país em uma cobertura internacional dominada pelos eventos no primeiro mundo, no Oriente Médio e, cada vez mais, na Ásia (China e Japão). Como dizia um editor da WTN direto do seu assento de poder em Nova York: ‘Notícias do Brasil? É sempre a mesma coisa. Quando não é seca, é enchente!’

É difícil escapar de um controle jornalístico que privilegia o desastre e as más notícias do Terceiro Mundo. O cenário da cobertura internacional é centralizado e desigual e foi construído através dos anos para manter essa centralização e desigualdade. Enquanto isso, não recebemos notícias da África ou da América Latina e qualquer show de Lady Gaga (sic) tem repercussão mundial.

América Latina para brasileiros

Coube ao jovem jornalista Pedro Aguiar, mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e editor internacional do Jornal da Globo, explicar e comentar casos específicos de agências que ousaram desafiar a hegemonia no fluxo de informações. Ele relatou suas pesquisas sobre o projeto da Unesco com os países não-alinhados durante os anos 1970, quando tentaram quebrar o monopólio das agências internacionais e o processo de centralização de notícias em Londres e Nova York.

Não é necessário dizer que o projeto, apesar de sua importância e relevância, não deu certo. Os países hegemônicos ameaçaram se retirar da Unesco, o projeto morreu e as agências continuam poderosas. Pedro aproveitou para relembrar aos participantes do seminário que, apesar de todas as suas promessas e benefícios, as novas tecnologias não têm o potencial libertador necessário para reverter esse cenário de controle e poder. ‘Mas podemos, sim, fazer uma apropriação contra-hegemônica dessas tecnologias’, concluiu.

A excelente apresentação de Pedro Aguiar foi um dos melhores momentos do seminário. Aproveito para recomendar o seu livro Jornalismo Internacional em Redes, editado pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro em 2008 (ver aqui).

Mas nem todas as apresentações e discussões durante o seminário foram sobre o poder das agências de notícias. Roberto Bournier, jornalista experiente com longa trajetória na Globo, relatou em detalhes suas próprias experiências na América Latina. Em fevereiro de 2004, Bournier tornou-se o primeiro correspondente fixo da TV Globo em Buenos Aires. Ele enfrentou o grande desafio de mostrar a América Latina para os brasileiros. Como vimos, isto não é tarefa fácil.

Vale a pena

Ele cobriu diversos eventos ocorridos na América Latina, como o plebiscito de revogação do mandato do presidente venezuelano Hugo Chávez, em dezembro de 2004, e a eleição do presidente boliviano Evo Morales, em dezembro de 2005. Mais recentemente, participou do dramático resgate dos mineiros chilenos ao vivo, via internet, diretamente do deserto de Atacama, no Chile. Seu relato sobre as dificuldades que teve de enfrentar foi impressionante. Centenas de correspondentes de todo o mundo aglomerados no meio do nada tendo que enviar notícias o tempo todo. Seu relato foi um bom exemplo dos novos desafios da cobertura internacional em tempos de muitas notícias e poucos recursos.

Mas, além de tentar convencer os telespectadores da importância dos temas latino-americanos, o grande desafio de Burnier durante seu período como correspondente em Buenos Aires foi colocar em prática um projeto inovador da Rede Globo. Trata-se de um programa que permite o envio de reportagens pela internet sem necessidade de aluguel de satélite. Uma verdadeira revolução que auxilia os correspondentes a cobertura internacional em um novo cenário de competitividade, dificuldades e ‘vacas cada vez mais magras’.

Para cobrir o resgate de mineiros para a Globo, Bournier não teve que andar de ônibus durante 24 horas quase seguidas. Mas as dificuldades também eram enormes. Ou seja, não é por falta de recursos, de tecnologia, de pautas ou, o mais importante, falta de interesse do público que a cobertura internacional enfrenta tantos problemas e desafios. O que falta mesmo é garra, vontade de mostrar o mundo, apesar de toda as dificuldades. Ou seja, deixe de sonhar com a profissão de correspondente internacional e comece a agir.

Pare de ler este artigo, pegue um ônibus, ou de preferência um avião, e tente ser você mesmo um correspondente da era digital.

Sinceramente? Apesar dos desafios e dificuldades, vale a pena.

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Jornalista e doutor em Ciência da Informação