Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Cobertura resvala nos grandes temas

O caso Erenice Guerra é uma grande história, mas pode ser também a porta de entrada para uma história maior. Afinal, por que um empresário precisa de intermediário para pedir empréstimo ao BNDES, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social? Ou para pleitear um contrato com uma empresa controlada pela União? Os parentes da recém-demitida ministra-chefe da Casa Civil não recorreram a anúncios classificados para vender seus serviços. Mas foram procurados para facilitar os negócios. Quantos escritórios prestarão serviços semelhantes, aberta ou veladamente?

Nenhuma fonte oficial vai confirmar a necessidade de intermediários. Empresários favorecidos pelo tráfico de influência, com ou sem propina, também não vão contar suas histórias publicamente. Mas uma pauta mais ampla sobre como funciona esse jogo no Brasil pode ser compensadora, embora trabalhosa. Assuntos como esse não são estritamente econômicos ou políticos, mas os jornais muito raramente mobilizam pessoal das duas áreas para trabalhar em conjunto. Quando ocorre essa cooperação, o resultado é geralmente bom.

Dois discursos

Outro grande tema na área comum da economia e da política foi o discurso do ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, num encontro com petroleiros, em Salvador, na terça-feira (14/9). A cobertura mais ampla e mais pronta foi a do Globo. Segundo Dirceu, ‘a eleição da Dilma é mais importante do que a do Lula porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa’. Questão óbvia, mas pouco explorada: esse projeto é aquele apresentado pela candidata Dilma Rousseff à Justiça Eleitoral, quando se registrou, e logo em seguida substituído por outro documento? Se a fala de Dirceu teve a importância atribuída pela imprensa, então valeria a pena recordar as propostas do PT apresentadas e logo afastadas pela candidata.

O noticiário sobre Dirceu saiu nos jornais a partir de quarta-feira (15/9). Na segunda, o Valor havia publicado uma história bem diferente sobre os planos econômicos da candidata – mas sem identificação de fonte. Segundo a matéria, Dilma anunciaria, logo depois de eleita, um plano de ajuste para reduzir a dívida pública líquida, uma proposta de reforma tributária, medidas para desoneração de exportações etc.

A matéria reafirmou, de modo geral, as indicações fornecidas há algum tempo pelo ex-ministro Antônio Palocci e desmentidas por outros petistas. Valeria a pena ter investido não só em mais investigações sobre as divergências no partido, mas também na comparação entre o programa do PT e as ideias defendidas publicamente pela candidata, mais compatíveis com aquelas apresentadas no Valor. No mínimo, o leitor teria uma informação mais ampla e mais organizada sobre o contraste entre dois discursos petistas sustentados por diferentes grupos menos de um mês antes da eleição. O material mais próximo disso foi a detalhada reportagem, publicada no caderno de ‘Eleições’ da Folha de S.Paulo, sobre como Dilma Rousseff se distanciou, no Ministério de Minas e Energia, de políticas defendidas pelo petismo tradicional.

Pauta permanente

Na mesma semana, os cadernos de Economia deram bons espaços a dois outros temas de interesse imediato. O real já está muito valorizado e tende a valorizar-se ainda mais com o ingresso de grandes volumes de dólares – para a capitalização da Petrobras, com certeza, e também para outras formas de aplicação. O problema é agravado pelas condições internacionais: em todo o mundo há uma grande instabilidade cambial e as autoridades do Japão voltaram, depois de muito tempo, a intervir no mercado de moedas para deter a valorização do iene. Tudo isso pode resultar numa deterioração mais veloz do saldo comercial.

Ao mesmo tempo – este é o segundo tema –, o governo americano envia ao Congresso um plano para duplicar as exportações dos Estados Unidos até 2015. O mercado brasileiro é um dos alvos indicados explicitamente.

A soma dos dois assuntos compõe um enorme desafio para os empresários brasileiros e para o governo. As autoridades de Brasília prometeram novas intervenções para impedir uma valorização maior do real. O Estado de S. Paulo explorou a questão do câmbio mais amplamente que os outros jornais. Mas nenhum apresentou um tratamento suficientemente articulado do assunto. O problema, de toda forma, permanece em pauta.

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Jornalista