O que parecia pouco provável aconteceu. O relatório da subcomissão destinada a analisar os procedimentos de outorga e renovação dos serviços de radiodifusão da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados foi aprovado na quarta-feira (3/12) pelo plenário na Comissão. O documento contém propostas avançadas de democratização e garantia de maior transparência nos processos de concessões de rádio e TV, que vinham sendo alvo de intensas resistências por parte dos empresários de radiodifusão e dos parlamentares ligados a esse setor.
O texto, elaborado pela deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), traz alterações concretas nos procedimentos de análise das outorgas, sugere mecanismos e iniciativas com vistas à melhoria das ações de fiscalização e recomenda mudanças legislativas em vários instrumentos que regulam a radiodifusão, sugerindo inclusive que sejam revistos dispositivos constitucionais.
O conjunto de iniciativas, alterações e medidas citadas no relatório reflete demandas de diversos setores da sociedade civil organizada, cuja penetração nas esferas de poder na área das comunicações tem sido, até hoje, muito pequena. Várias delas são bandeiras da Campanha Nacional por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV, iniciativa que reúne diversos movimentos e entidades da área [ver ‘Entidades cobram posição do Executivo‘].
Agora, passada a difícil tarefa de aprovação do relatório, coloca-se o ainda mais hercúleo trabalho de levar a cabo suas recomendações. ‘Foi muito importante a aprovação do relatório, mas ele só vai produzir efeitos a partir do encaminhamento concreto das suas recomendações’, reforça a presidente da subcomissão, deputada Luíza Erundina (PSB-SP). Passo importante nesta direção foi dado pela própria CCTCI, que aprovou também a manutenção da subcomissão exatamente para que esta monitore a aplicação das medidas contidas no relatório aprovado.
Resistências e polêmicas
Quando isso ocorrer, no entanto, as resistências devem ficar mais explícitas. Espera-se, por exemplo, que as sugestões de revisão de alguns artigos constitucionais suscitem disputas acirradas entre os defensores de mudanças nos marcos regulatórios e os interesses particulares estabelecidos no setor.
No topo da lista das potenciais polêmicas está a sugestão de que os parlamentares aprovem uma Proposta de Emenda Constitucional que ‘expressamente proíba que parlamentares sejam proprietários, controladores, diretores ou gerentes de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens’, vedação também estendida a qualquer ocupante de cargo público. A relatora justifica a medida afirmando ser a propriedade e direção de emissoras por parlamentares incompatíveis ‘com a natureza do cargo político e o controle sobre concessões públicas, haja vista o notório conflito de interesses’.
Privilégios contestados
Outras PECs sugeridas pelo relatório e que também mexem em pontos considerados fulcrais pelos radiodifusores são a revogação dos parágrafos 2º e 4º do Artigo 223 da Carta Magna. O primeiro estabelece que a não renovação de uma outorga de rádio ou TV ocorra somente com 2/5 dos congressistas negando a nova autorização em votação nominal. Esta previsão cria uma exigência que, na prática, assegura uma blindagem à possibilidade dos parlamentares vetarem a renovação de uma outorga. ‘Considerando que nem mesmo as leis ordinárias demandam quorum qualificado e votação nominal para aprovação, não há como justificar a preservação desse privilégio, que, ressalte-se, é garantido somente às concessionárias e permissionárias de rádio e televisão’, argumenta a relatora.
Já o artigo 4º estipula que apenas o Poder Judiciário tem a prerrogativa de cancelar uma outorga de rádio e TV. Ao restringir a possibilidade de cassação das licenças, tal exigência dá estabilidade aos concessionários e cria certo clima de impunidade. A relatora recomenda a retirada desse dispositivo do capítulo ‘Da Comunicação Social’ da Constituição Federal, por identificar nele um privilégio injustificável, não existente no caso de nenhum outro serviço público.
O documento também discute a regulamentação do artigo constitucional que proíbe a prática de monopólio e oligopólio. Segundo o relatório, a legislação atual é insuficiente porque estabelece limites apenas em relação ao número de emissoras que uma mesma pessoa física ou jurídica pode controlar. Maria do Carmo Lara defende a aprovação do Projeto de Lei 4.026/2004, do deputado Cláudio Magrão, que institui o critério do limite máximo de 50% de audiência para a caracterização de monopólio ou oligopólio.
Critérios de análise
Além das revisões e regulamentações constitucionais, o relatório da subcomissão propõe também um Projeto de Lei para modificar os critérios utilizados na análise de outorgas e renovações.
Nas licitações para concessões de finalidade comercial, seria dado mais peso às propostas sobre ‘programas jornalísticos, educativos e informativos’ e sobre ‘serviço noticioso’. Seriam exigidos, também, ‘percentuais mínimos de regionalização da produção cultural, artística e jornalística e de produção independente a serem cumpridos pela emissora vencedora’. A valorização dos aspectos de programação na definição das concorrências por um canal implicaria em uma redução da importância dos critérios técnicos e de preço, quesitos que reforçam a predominância do elemento econômico na escolha dos concessionários nas licitações [ver ‘Quem ganha as licitações de canais de rádio e TV‘].
Em relação às permissões para rádios e TVs educativas, o PL prevê que este serviço seja explorado por órgãos da União Federal, Estados, Distrito Federal, Municípios e universidades brasileiras. Apenas onde não houver o interesse destes entes, seria permitida a outorga de uma autorização a fundações privadas, ‘desde que seja demonstrada vinculação da entidade com instituição de ensino’ [ver ‘Decisão da Justiça questiona falta de licitação para outorgas‘].
O projeto também visa ampliar a participação da sociedade no momento inicial na escolha dos operadores de canais de rádio e TV. Para isso, prevê a realização de consulta pública antes da abertura do processo de licitação para colher as expectativas da população.
Mudanças imediatas
O relatório também apresenta medidas de caráter imediato para o aperfeiçoamento dos procedimentos adotados pelo Ministério das Comunicações na análise das outorgas de radiodifusão. Ele reforça as sugestões já constantes em sua versão parcial, aprovada em julho de 2007, como a publicização dos dados sobre os processos e a fixação de prazos uniformes e razoáveis para cumprimento das exigências pelas emissoras.
O texto aprovado agora também ressalta a obrigação das concessionárias manterem a regularidade fiscal durante todo o período da outorga e a necessidade de agilizar a tramitação dos processos, com a redução da burocracia e a reabertura das delegacias regionais do Ministério das Comunicações. Por fim, como na sua versão anterior, o relatório prevê a criação de mecanismos de controle social para avaliar periodicamente o cumprimento dos preceitos constitucionais e exigências legais referentes à exploração destes serviços.
Em sua versão final, o relatório aprofunda duas indicações ao Minicom. A primeira delas visa melhorar o controle e a fiscalização da sociedade sobre os procedimentos. Para isso, deveria ser criada uma ‘estrutura administrativa descentralizada responsável pelo acompanhamento permanente da prestação dos serviços de radiodifusão, com a participação não somente de servidores do Ministério das Comunicações, mas também de entidades representativas da sociedade civil e das comunidades locais’.
Além desse mecanismo, o texto recomenda ‘o estabelecimento de um canal multimídia no Poder Executivo para que o cidadão possa encaminhar denúncias de irregularidades na prestação dos serviços de rádio e televisão e apresentar sugestões para aperfeiçoamento da regulamentação, procedimentos e atividades pertinentes à radiodifusão comercial e comunitária’.
As medidas elencadas no documento não se limitam apenas a mudanças no sistema, mas em uma avaliação densa sobre como este funciona hoje. Para isso, a relatora sugere uma auditoria operacional no Ministério das Comunicações, na Presidência da República e na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre os procedimentos de análise de outorgas e renovações de concessões, permissões e autorizações.
A iniciativa tem como objetivo verificar o cumprimento dos dispositivos legais e constitucionais, bem como as sanções decorrentes do seu desrespeito; avaliar a transparência, impessoalidade e eficiência do trâmite dos processos e analisar os procedimentos de verificação de denúncias. Esta auditoria seria feita de forma conjunta com o Tribunal de Contas da União.
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Do Observatório do Direito à Comunicação