Navalha, Furacão, Xeque-Mate: as operações da Polícia Federal para investigar denúncias de corrupção estão cada vez mais freqüentes e têm sido as maiores vedetes da mídia. O escândalo envolvendo o senador Renan Calheiros e as acusações de lobby contra o irmão do presidente Lula – Genival Inácio da Silva, o Vavá – renderam capas e muitas páginas nos periódicos semanais e diários no último fim de semana, afora longos minutos na mídia eletrônica. Na terça-feira (12/6) à noite, o presidente da República se pronunciou por 12 minutos sobre as acusações contra seu irmão e criticou a mídia. O programa Observatório da Imprensa na TV, exibido na mesma noite, avaliou o papel da imprensa nesse cenário.
No editorial que abre o programa, Alberto Dines comentou o pronunciamento do presidente e disse que ele respondeu ‘republicanamente’ às perguntas dos jornalistas – com clareza e tranqüilidade. Entretanto, Dines avaliou que o presidente não teve razão quando afirmou que a mídia se precipitou nas acusações. Deixou claro que, de todas as denúncias feitas a partir de vazamentos de grampos feitos pela Polícia Federal, nenhuma delas incriminou um inocente [ver abaixo a íntegra do editorial].
Participaram do debate, em Brasília, o secretário nacional de Justiça, Antonio Carlos Biscaia; em São Paulo, Wálter Maierovitch – fundador da Fundação Giovanni Falcone, instituição especializada em ciências criminais; e, no Rio, o ombudsman da Folha de S. Paulo Mário Magalhães e o jornalista Dimmi Amora, do Globo.
Em seu pronunciamento, o presidente Lula também avaliou as atitudes da mídia em relação a casos como o de Vavá. ‘Todo dia você tem uma informação que você não sabe se ela é verdadeira, se ela é truncada, se ela não é truncada’, disse. Afirmou que era preciso tomar cuidado com acusações precipitadas e que o correto é esperar a apuração, o indiciamento e o julgamento. ‘A imprensa parece que recebe a informação primeiro que o juiz, ou quem sabe até que o Ministério Público’, disse o presidente.
Defesa do irmão
Dines deu início ao debate perguntando a Antonio Carlos Biscaia – ex-deputado federal que também foi procurador-geral da Justiça do estado do Rio de Janeiro e comandou a luta contra o crime organizado e o jogo do bicho – como analisava o vazamento de informações por parte da Polícia Federal. Para o apresentador do OI na TV, a divulgação dessas informações para a mídia é intencional e tem o propósito de ajudar nas investigações. Dines disse que ‘precisamos evitar a satanização da imprensa’ quando se referiu às críticas dirigidas a mídia pelo presidente.
Biscaia disse que o importante é que a Polícia Federal esteja exercendo suas atribuições constitucionais, realizando diligências e cumprindo os mandados. Em relação aos vazamentos, disse que estes, de fato, expõem algumas pessoas, mas que não dá para afirmar que partem só da Polícia Federal. ‘Pode-se entender que sejam do Ministério Público ou até dos advogados que patrocinam algum dos envolvidos’, disse. Mas concordou que a mídia está fazendo seu papel em divulgar os fatos, e que ‘se alguma coisa deve ser coibida, é por parte das autoridades responsáveis pelo vazamento’.
O apresentador se dirigiu a Wálter Maierovitch e indagou sobre as acusações de ‘precipitação’ feitas à imprensa. Para Maierovitch, fala-se muito em vazamento mas se esquece a relevância do fato criminoso: ‘A medição está errada’. E afirmou que o vazamento é uma bisbilhotice sem importância.
Mário Magalhães é ombudsman da Folha desde abril, e Dines aproveitou o fato de ele estar estreando na função para perguntar ao jornalista se era certo a mídia receber informações e não divulgá-las antes de um julgamento pela Justiça. Magalhães afirmou que havia relevância jornalística nas operações da Polícia Federal e que, portanto, é legítima a divulgação dos resultados das operações. ‘É curioso que quanto mais essas operações se aproximam de pessoas e instituições do centro do poder, mais elas são questionadas’, observou. Ele disse que havia dois tipos de vazamento, e que um deles nunca é levado em consideração: aquele em que as informações são passadas para os que estão sendo investigados pela Polícia Federal. ‘Isso configura crime, e me chama a atenção que o presidente da República, ao falar da Operação Xeque-Mate, não toque nesse aspecto.’
Quanto à declaração do presidente sobre seu irmão, o ombudsman disse que havia duas maneiras de avaliá-la. Uma, positiva: um irmão manifestando convicção na inocência de outro irmão. A outra pode ser preocupante: o chefe de um poder afirmando a convicção na inocência do irmão, o que pode levar ao constrangimento da Polícia Federal, que integra um poder cujo líder é o presidente da República.
Fontes principais
Dines elogiou o artigo que Dimmi Amora, repórter da editoria Rio do Globo, escreveu sobre grampos e imprensa. E perguntou como ele explicava a questão à luz das declarações do presidente Lula. Amora disse que o correto é que a mídia acompanhe todo o procedimento até o julgamento final: ‘Esse é o tempo da mídia’. E comentou que a crítica do presidente foi relevante quando afirmou que o tratamento dado ao inocentado é diferente daquele dirigido ao acusado.
O apresentador perguntou como Biscaia avaliava as observações do ombudsman da Folha, de que há um tipo de vazamento mais perigoso, aquele que beneficia os que estão sendo investigados. O secretário nacional de Justiça contou que não se tem conhecimento que isso tenha efetivamente ocorrido. ‘O que a Polícia Federal esclareceu, e o próprio ministro da Justiça acentuou, é que, depois da operação já iniciada, o ministro da Justiça comunicou ao presidente da República a existência da operação. Não vejo nisso um procedimento ilícito, de forma alguma. Creio que é um procedimento normal’, disse Biscaia.
O envolvimento do senador Renan Calheiros com um lobista da empreiteira Mendes Júnior e seu caso extraconjugal ganharam manchetes nos últimos dias. O lobista Cláudio Gontijo teria intermediado o dinheiro da pensão que Renan dava para a filha que teve com a jornalista Mônica Veloso. O caso tirou a Operação Navalha do foco da mídia. Dines chamou atenção para relação entre o público e o privado no noticiário. O editor-executivo do Globo, Luiz Antônio Novaes, disse em entrevista gravada que as confusões entre as duas esferas foram provocadas pelo próprio senador, ao defender o assunto privado sentado na cadeira de presidente do Senado. O antropólogo Gilberto Velho, também em entrevista gravada, disse que a questão é política, já que Renan está sendo acusado de uma irregularidade que envolve muito dinheiro.
As operações da Polícia Federal são muitas e, por vezes, acabam confundindo o leitor – tamanha a velocidade de suas ações e quantidade de denúncias divulgadas pela imprensa. A Operação Xeque-Mate investiga a máfia dos caça-níqueis. Foi nesta operação que surgiu o nome de Genival Inácio da Silva, irmão do presidente. As denúncias são de que ele estaria usando seu parentesco com Lula para negociar vantagens com empreiteiras e donos de bingos.
A Operação Navalha derrubou o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, e preocupou parlamentares ao investigar licitações fraudulentas com verbas públicas, inclusive do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). E nem o carnaval escapou da corrupção. A Polícia Federal também investiga denúncias de que os jurados dos desfiles deste ano teriam recebido propina para manipular os resultados.
Em todas as operações policiais, os grampos telefônicos foram as principais fontes da acusação. E as fitas logo ganharam espaço na mídia. É certo que, na guerra contra a corrupção, a imprensa tem um papel fundamental. Mas é preciso vigilância para que a mídia não exerça o papel de juiz ou de promotor de Justiça.
Notícias próprias
Alberto Dines pediu para que Antonio Carlos Biscaia fizesse uma comparação entre o caso corrupção dos bicheiros – que ele ajudou a colocar na cadeia – e o de agora: a situação piorou ou o poder público está mais atuante?
O secretário avaliou que a corrupção sempre existiu, mas que cada vez mais ela tem sido divulgada pelos meios de comunicação. Biscaia disse ser a favor disso. Quanto aos jogos ilegais, o secretário disse que eles sempre estiveram ligados a autoridades, tendo chegado, inclusive, ao Judiciário. Disse ainda que se os responsáveis pelo carnaval do Rio estão envolvidos em contrabando, corrupção e homicídios, é evidente que não é apenas nessas atividades que eles ajam criminalmente.
Dines disse que corrupção no Brasil não é centralizada, como no caso da Itália, mas é sistêmica e generalizada. E questionou Wálter Maierovitch sobre o que a imprensa pode fazer para ajudar na luta contra corrupção no Brasil. Maierovitch observou que ainda faltam algumas coisas nesse processo. Uma delas é a análise de situação. O exemplo dado foi o do caso do senador Renan Calheiros, no qual uma avaliação profunda não foi ainda feita, apenas apurações. Maierovitch também chamou atenção para o ‘silêncio preocupante’ do procurador-geral da República em relação ao caso: ‘Ele tem a titularidade para propor uma ação penal’, disse. Para ele, a imprensa ‘passa por cima’ desses aspectos judiciários.
Alberto Dines perguntou a Mário Magalhães o que ele via de errado na cobertura da imprensa dos últimos casos de corrupção. O ombudsman disse que há duas atitudes necessárias nessas coberturas: a de divulgar as descobertas feitas pelos inquéritos e pelos investigadores – ‘nisso há bons e maus momentos dos jornalistas’; e a de produzir informações em cima do que está sendo investigado, ponto no qual ele identifica uma ‘deficiência maior’ no trabalho da imprensa. Magalhães lembrou a Operação Navalha, em que a maioria das informações teve como fonte a Polícia Federal. ‘O jornalismo teria uma contribuição maior a dar aos leitores, telespectadores, ouvintes e à sociedade se conseguisse, além de repassar informações obtidas pela Polícia Federal, produzir suas próprias notícias de forma autônoma e independente’, analisou.
Memória curta
‘Sinto falta, como leitor, de uma contextualização, de uma amarração. Os escândalos se sucedem em tal velocidade e tamanha dimensão que o leitor médio se perde. Isso também é um trabalho de reportagem: de juntar, de remeter, fazer referência’, avaliou Dines. E perguntou a Dimmi Amora como o jornalista pode ajudar o leitor nessa tarefa, para que o público entenda melhor o que está acontecendo.
Amora disse que esse trabalho está dividido em duas partes. Em primeiro lugar é preciso fazer investigações próprias, que levem a fatos novos, como mencionou Mário Magalhães. O que atrapalha, segundo o repórter do Globo, é velocidade com que os novos escândalos aparecem, não deixando tempo suficiente para a investigação que deve ser feita. Outro aspecto é que esse trabalho normalmente fica sob a responsabilidade dos editores, profissionais que normalmente já são sobrecarregadas pelas suas responsabilidades cotidianas.
Dines comentou a intenção do governo de avaliar a legislação sobre os grampos, recurso que estaria sendo usado em demasia. E perguntou a Wálter Maierovitch se a polícia, de fato, tem exagerado nas escutas. Este respondeu que não, e explicou que a polícia tem trabalhado com vários instrumentos, mas que os mais usados eram, realmente, as escutas. Maierovitch contou que no mundo inteiro os grampos são as principais e mais poderosas fontes de informação das investigações – um exemplo são os investimentos que as polícias da Itália e da Espanha destinam para a compra desse tipo de equipamento.
No bloco destinado aos comentários finais, Antonio Carlos Biscaia defendeu que o combate à corrupção seja feito de forma suprapartidária, ‘da mesma maneira considero que a divulgação desses fatos pelos meios de comunicação deva ser feita de maneira isenta’. Wálter Maierovitch insistiu na crítica ao procurador-geral da República, que não se pronunciou sobre a denúncia de crime feita contra o senador Renan Calheiros. Dimmi Amora avaliou que a imprensa tem um papel importante em qualquer sociedade e que, no Brasil, às vezes ela cumpre outros papéis além do seu: ‘Não é possível que a imprensa seja um julgador, mas é dever dela informar sempre que haja casos de corrupção’, disse. Mário Magalhães comentou que um dos maiores erros do jornalismo é esquecer rapidamente os últimos escândalos, sem dar continuidade a cobertura e as investigações.
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Quem se enreda nos grampos da PF
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 420, exibido em 12/6/2007
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
O presidente da República falou agora à noite [terça, 12/6] durante doze minutos e dez segundos sobre as acusações que pairam sobre o seu irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá, que apareceu implicado na operação Xeque-Mate da Polícia Federal. E falou muito sobre o papel da imprensa na divulgação das investigações sigilosas da Polícia Federal.
Desta vez, o presidente não estava irritado nem impaciente como aconteceu há dias em Berlim, quando o caso estourou. O presidente Lula procurou responder com tranqüilidade às perguntas dos repórteres que o esperavam na CUT de Guarulhos, São Paulo. Neste ponto agiu republicanamente: cumpriu o seu compromisso de transparência, deu satisfações, não se colocou numa posição inexpugnável e inatingível.
Apesar das satisfações que ofereceu à sociedade através da mídia, o presidente Lula não deixou de fazer críticas à mídia. E atribuiu à ela a responsabilidade pela divulgação prematura dos grampos sigilosos realizados pela Polícia Federal.
Não há inocentes
O presidente não tem razão. Quando este Observatório da Imprensa critica o ‘jornalismo fiteiro’ está condenando a prática de divulgar fitas de origem desconhecida, quase sempre suspeitas e gravadas sem o devido amparo legal.
Os diálogos transcritos recentemente pela mídia têm origem conhecida, foram realizados pela polícia com autorização de um magistrado, em geral com o suporte do Ministério Público. Se a Polícia Federal escolheu o caminho dos vazamentos – e permite que o teor de alguns destes diálogos sejam entregues à sociedade através da imprensa – é porque a PF sabe que a sua divulgação pode produzir novas ações e novas investigações.
Um dado que não deve ser esquecido por todos aqueles que criticam a imprensa é que, até hoje, as denúncias decorrentes dos vazamentos dos grampos da Polícia Federal jamais incriminaram inocentes.