Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Como melhorar a cobertura

O governo federal decidiu bloquear R$ 21,8 bilhões do orçamento. Boa parte da imprensa – o Estado de S. Paulo foi uma exceção – apresentou o bloqueio como ‘corte’. Mais que isso: um importante corte de gastos num ano de eleição. Um show de austeridade fiscal? Não só jornalistas adiantaram esse julgamento. Gente do mercado financeiro também se mostrou entusiasmada. Mas bloqueio não é corte, nem é novidade. Todo ano, nesta época, há uma primeira avaliação de como evoluem as contas públicas e um contingenciamento de verbas. A Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada no ano 2000, impõe essa rotina. Este detalhe foi lembrado em nota do Ministério do Planejamento, mas pouco valorizado, quando não desprezado, pelo reportariado e pela turma da edição.

Foi mais uma demonstração de falta de memória. O ritual do contingenciamento – este é o jargão normalmente usado – é em primeiro lugar um ato de prudência. O governo contém parte dos gastos, no começo do ano, para calibrar os empenhos e liberações de verbas de acordo com a evolução da receita. É também um lance de consequências políticas. Quando o dinheiro começa a fluir, já há uma fila de parlamentares à espera de recursos para as despesas criadas por meio de emendas ao orçamento da União. A liberação pode ter um preço político.

Assuntos importantes e mal cobertos

Se a arrecadação for suficiente, o governo poderá gastar todo o dinheiro agora bloqueado ou boa parte do total. Não há como dizer, neste momento, se haverá ou não algum esforço de austeridade fiscal neste ano. O gasto com o pessoal, de acordo a revisão divulgada na quinta-feira (18/3), será ligeiramente menor que o previsto no orçamento aprovado pelo Congresso. Mas será, descontada a inflação, maior que o do ano anterior. Também essa evolução tem sido rotineira, embora decorra de uma decisão política e não de uma exigência legal.

A revisão do orçamento, nesta época do ano, é necessária até porque a projeção de receita é normalmente revista e aumentada pelos congressistas durante a tramitação do projeto. Essa revisão abre espaço para a inclusão de milhares de emendas individuais e de bancadas, quase sempre de alcance paroquial e clientelístico. Como o orçamento brasileiro é autorizativo – e não impositivo, como em muitos outros países –, o Executivo acaba neutralizando, em parte, os efeitos dessas estripulias. Basta desprezar as emendas, quando isso não ofende gravemente algum aliado importante.

O processo orçamentário poderia ser muito mais ordenado e racionalizado, com grande vantagem para o planejamento financeiro e econômico do governo. Isso poderá ocorrer se for aprovado sem grandes mudanças o projeto de Lei de Responsabilidade Orçamentária proposto pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e atualmente em exame na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Uma excelente e detalhada matéria sobre o assunto foi apresentada na sexta-feira (19/3), no Valor, pela colunista Claudia Safatle. Até esse momento, quase nada se havia publicado sobre o assunto.

Também essa omissão não é novidade. Com muita frequência, a cobertura do Congresso ignora ou negligencia projetos importantes, tanto para o bem quanto para o mal. Às vezes, alguma notícia aparece no momento da votação, quando não há mais tempo para uma discussão pública. Nenhum grande jornal tem-se mostrado isento dessa falha. Descobrir assuntos importantes e mal cobertos no dia-a-dia é um bom motivo – e não o único – para se ler a coluna semanal de Claudia Safatle.

Os royalties e o pré-sal

A perda de R$ 7 bilhões anuais, consequência prevista da chamada Emenda Ibsen, tem sido o grande tema econômico da imprensa do Rio de Janeiro. Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei sobre divisão dos royalties do petróleo deve ainda passar pelo Senado. Cabe agora aos senadores buscar uma solução para o conflito de interesses entre estados, segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a pré-candidata Dilma Rousseff.

A imprensa de São Paulo tratou o assunto mais discretamente até a passeata de quarta-feira (17/3), no centro do Rio, comandada pelo governador Sérgio Cabral. Com a crescente importância política da briga, foi preciso dar maior atenção a problema. O governador de São Paulo, José Serra, defendeu publicamente o interesse dos fluminenses. A ministra Dilma Rousseff também, apesar de atribuir a solução ao Senado, como fez o presidente.

Não só o Rio será prejudicado, caso se mantenha a emenda de autoria do deputado Ibsen Pinheiro. O caso do Espírito Santo é evidente. São Paulo também perderá, mas pelo menos até domingo (21/3) nenhuma reportagem detalhou com números claros as perdas de cada estado e dos municípios mais vinculados à exploração do petróleo. O Globo e o Estado de S.Paulo publicaram na edição dominical matérias interessantes sobre a importância daquele dinheiro para o estado do Rio e para os municípios fluminenses – uma pesada dependência –, mas continuou faltando o quadro mais amplo.

Mas a cobertura tem falhado também noutro aspecto. Os projetos do pré-sal aprovados até agora na Câmara foram pouco discutidos pelos parlamentares e pouco esmiuçados pelos jornais. Esses projetos contêm, no entanto, inovações de enorme importância econômica e política, incluídas a criação de uma estatal para comandar todo o processo, a formação de um fundo de aplicação de recursos provenientes do petróleo e a conversão da Petrobrás em instrumento de política industrial. Essas mudanças envolvem uma renovação dos instrumentos de poder e não apenas uma reordenação de entidades econômicas. A imprensa fez muito menos do que poderia, até agora, na cobertura dessas questões.

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Jornalista