Há menos de um ano, em dezembro de 2007, a revista Exame colocou nas mãos dos leitores uma edição ambiciosa, parte de um conjunto comemorativo de seus 40 anos de vida. O título resumia a pretensão da revista: ‘Como o mundo realmente funciona’. No editorial de apresentação, a revista afirmava que o ‘novo mundo’ funciona ‘na base da criatividade, talentos individuais, esforços coletivos e cooperação’.
Como os investidores que usava como exemplo do dinamismo da economia global, a maior e mais prestigiosa revista de negócios do país estava apostando alto. Embora em alguns trechos tenha alertado o leitor para o fato de que a economia dos novos tempos tinha tanto de pujança como de riscos, o teor geral da publicação era de entusiasmo com as oportunidades abertas pela plenitude global. Lida hoje, no meio da maior crise financeira dos tempos modernos, a edição especial de Exame traz algumas lições interessantes sobre como funciona o jornalismo.
Em primeiro lugar, observa-se que a imprensa – mesmo quando representada pelo que tem de ‘maior e mais respeitado’ no setor – se deixou embalar no entusiasmo que contaminava o mercado até poucas semanas atrás. No intervalo entre as edições comemorativas dos 40 anos de Exame e o dia 15 de setembro de 2008, quando o ‘maravilhoso mundo novo’ da economia global entrou em ponto de derretimento, a imprensa fez alguns alertas pontuais sobre o nível de ficção em que os negócios se desenvolviam, mas viu mais a pujança do que o risco.
Uma certa autocrítica
Não que se deva esperar da imprensa que cumpra o papel de farol da humanidade, ou que se acredite que alguma instituição humana possa funcionar com precisão absoluta. A reflexão está posta apenas no sentido de que, assim como a crise nos ensina que nem todo brilho é ouro na fantástica máquina financeira que move o mundo, também os erros de avaliação indicam que as belas palavras da mídia devem ser lidas e ouvidas com muito mais reservas a partir de agora. Se a economia global nunca mais será a mesma depois da presente crise, também se pode afirmar que a imprensa tradicional precisará de uma reinvenção radical se pretender algo mais do que o papel de coadjuvante na sociedade do futuro.
Um dos primeiros pontos que exigem uma revisão é a questão do alinhamento automático aos consensos globais. Do Brasil à China, da Islândia ao Uruguai, a mídia condicionou o noticiário econômico e político a certos dogmas que se consolidaram nas escolas de negócios e nas crenças dos formadores de opinião eleitos pela imprensa como novos oráculos do mercado. Parte do espanto que se pode perceber na leitura de jornais e revistas nas últimas semanas se deve à constatação de que aquilo que parecia uma base sólida para a formatação das opiniões de desvaneceu no ar.
Faria bem à imprensa uma certa autocrítica. Esse exercício poderia começar com a explicitação e uma reflexão mais demorada sobre um fato curioso: entre os bancos, fundos de investimento e empresas que mais perderam com a atual crise no Brasil, há grande número de instituições que são dirigidas ou controladas por economistas que foram dirigentes do Banco Central ou que ocuparam outros cargos importantes na condução da nossa política econômica nos últimos quinze anos. Se fizeram na vida pública o que claramente praticaram na privada, pode estar aí alguma explicação para muitos dos maus momentos que passamos nesse período.
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Jornalista