Capa da última edição de Veja (nº 2019, de 1/8/2007): ‘Revelações das caixas pretas – comandante cometeu uma falha ao pousar; não houve aquaplanagem; por que o avião não parou a tempo; mas se a pista de Congonhas fosse mais longa…’.
O assessor especial da Presidência, o professor Marco Aurélio Garcia e o seu assessor de imprensa, Bruno Garcia, devem ter vibrado com a informação da revista que tanto irrita a militância palaciana – só não repetiram a alegre pantomima encenada dez dias antes porque já estavam escaldados.
No título das páginas internas (58-64), os editores de Veja proclamam que tiveram acesso ao conteúdo das caixas-pretas: ‘A tragédia, segundo as caixas-pretas’. Mais à frente, adiantam que as informações sobre a falha do piloto estão mantidas em sigilo.
Acontece que as revelações de Veja nada têm de novo e o sigilo é meramente formal: na sua edição de quinta-feira (26/7), portanto um dia antes do fechamento da edição da revista, o Estado de S.Paulo publicou em sua primeira página a notícia de que os primeiros dados extraídos da caixa-preta levaram a fábrica Airbus a emitir um comunicado aos pilotos para o uso correto do controle de potência.
E na página interna (C-10), o jornalão publica minuciosa reportagem sobre o sistema de aceleração do jato acompanhada por uma ilustração na qual explica o que é o manete, como funciona, qual a sua relação com o reversor das turbinas, e aventa hipóteses sobre o que pode ter acontecido.
Efeito-manada
Na pressa de produzir mais um sensacional furo e levar alguém ao banco dos réus (no caso os pilotos mortos), os editores de Veja não prestaram atenção nas revelações do Estadão. Porém, lá no meio da sua matéria (pág. 61), admitem que naquela mesma quinta-feira o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe de investigações do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), havia admitido publicamente que a aterrissagem com o reversor travado pode ter ‘influenciado psicologicamente’ os pilotos.
Disse mais o brigadeiro: ‘Afirmar que o manete estava na posição errada e isso levou o avião a reagir daquela maneira é uma hipótese, é suspeita’.
Conclui-se que Veja não revelou coisa alguma, apenas esquentou informações difundidas por outros veículos. Além de ignorar a primazia do Estadão na divulgação da informação e usar uma ilustração semelhante à do jornal, a revista passou ao largo da prudência do investigador-mor da FAB jogando toda a responsabilidade pela tragédia sobre o comandante do jato. Na segunda-feira (30), com base na matéria de Veja, o brigadeiro Kersul declarou: ‘Não se pode criticar ninguém, isso é até pecado’. Como relação à culpa dos pilotos, explicou: ‘Eu jamais disse isso. O que sempre digo é que uma hipótese é os manetes não estarem em posição correta ou o comando eletrônico [do avião] não ter sido correspondente’. (Folha de S.Paulo, pág C-3, 31/7)
O mais exótico é que nas edições de sábado e domingo, os jornais foram na onda de Veja e esqueceram de atribuir ao Estadão os méritos pela notícia em primeira mão. Na realidade cumpriam a velha praxe em vigor há uma década: ‘Veja apela, jornais repercutem’.
[Em tempo (incluído às 17h10 de 30/7): Este observador deixou de registrar que em sua edição de quarta-feira (25/7), a Folha de S.Paulo (Cotidiano, pág. C-10), em matéria de Leila Suwwan, da sucursal de Brasília, noticiou o comunicado da Airbus a todos os pilotos do mundo a respeito da posição dos manetes em caso de reversores travados. O fabricante europeu teve acesso aos primeiros dados da caixa-preta para advertir com urgência às empresas e comandantes de jatos Airbus A320. Veja não leu a Folha de quarta nem o Estadão, de quinta.]
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‘O presidente é o responsável’
Com este título irresponsável, delirante – e, como sempre, pessimamente escrito –, o papa da Opus Dei para assuntos jornalísticos, Carlos Alberto Di Franco, ofereceu na página 2 do Estado de S.Paulo (segunda-feira, 30/7) a sua contribuição mensal. O presidente no caso é o da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Este tipo de cruzada não fica bem para o diretor do Master em Jornalismo, doutor em Comunicação da Universidade de Navarra e seu representante no Brasil. Os editores brasileiros que passam por seu programa de treinamento merecem um paradigma melhor. E os leitores do Estado de S.Paulo merecem algo mais edificante do que esta histeria em letra de forma.
O Globo, que costuma reproduzir os textos assinados por Di Franco, desta vez escapou do vexame. Tinha um bom artigo na gaveta.