O governo anunciou a liberação de R$ 12,1 bilhões para gastos adicionais até o fim do ano – R$ 11,9 bilhões para o Executivo e a diferença para os outros dois poderes. Essa verba foi liberada porque a arrecadação tem sido maior que a prevista, segundo relatório do Ministério do Planejamento sobre execução orçamentária. Analistas poderiam perguntar se não valeria reter esse dinheiro para reforçar o resultado fiscal. Mas a turma da reportagem foi um pouco mais fundo atrás de uma informação menos técnica e mais interessante politicamente: como será usado esse dinheiro extra?
A resposta apareceu no Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo: a maior parte será usada para atender a interesses de senadores e deputados e garantir votos para projetos muito importantes para o Executivo. Um desses é o projeto de prorrogação da DRU, a Desvinculação de Receitas da União, um mecanismo usado para dar ao governo maior liberdade financeira.
A proposta de emenda constitucional sobre a DRU foi aprovada na Câmara em primeiro turno, mas os deputados ainda deverão votá-la mais uma vez. Se a aprovação se confirmar, o projeto será remetido ao Senado e ainda será necessário um truque regimental para se encerrar a tramitação até o fim do ano. O Executivo precisa disso para poder controlar no próximo ano uma verba adicional estimada entre R$ 60 bilhões e R$ 64 bilhões.
Títulos semelhantes
Os dois jornais mencionaram as pressões dos parlamentares pela liberação de dinheiro para suas emendas. Recursos para essa finalidade são geralmente retidos quando há um bloqueio orçamentário, como houve neste ano. Essas emendas – em geral projetos de interesse paroquial e clientelístico – são especialmente importantes, neste e no próximo ano, por causa das eleições municipais de 2012. Estadão e Folha deram uma bela demonstração, nesse caso, de como ir além de uma cobertura burocrática.
Os jornais brilharam um pouco menos ao noticiar a nova elevação da nota do crédito soberano do Brasil pela agência Standard & Poor’s. Fizeram a costumeira repercussão, entrevistaram economistas do setor financeiro e até da própria agência, mas nenhum dos grandes apresentou um bom e organizado resumo da nota explicativa distribuída pela própria S&P.
Às vezes, cuidar do mais óbvio pode ser muito produtivo. A nota habitualmente publicada por essas agências é com frequência mais informativa que os comentários. Além de elogios, esses textos em geral apresentam ressalvas e recomendações. Alguns desses pontos foram citados pelos jornais, mas sem suficientes clareza e detalhe.
Estadãoe Folha apresentaram títulos parecidos na primeira página. “Em meio à crise, agência de risco eleva nota do Brasil”, informou o primeiro. “Em plena crise, agência de risco aumenta nota do Brasil”, noticiou a Folha. O Globo valorizou um detalhe mais curioso: “Agência que rebaixou EUA eleva o Brasil”. O Brasil Econômico também apelou para o contraste direto: “Europa derrete e nota do Brasil sobe”.
Medidas de crédito
As novas informações do Censo Demográfico de 2010, recém liberadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, também renderam material extenso. Todos os grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro valorizaram mais ou menos os mesmos pontos – alguns dados positivos, como a redução da taxa de fecundidade e o maior acesso a bens de consumo duráveis, e alguns ainda muito ruins, como indicadores educacionais insatisfatórios e as deficiências dos serviços de saneamento.
De modo geral as matérias foram interessantes e transmitiram o essencial, mas alguns pontos poderiam ter sido mais explorados do ponto de vista econômico. Caberia, por exemplo, uma comparação dos padrões educacionais brasileiros com os de outros emergentes empenhados na competição internacional. Uma boa matéria deveria incluir, naturalmente, informações sobre políticas e prioridades na área da educação.
Na cobertura da estratégia anticrise do governo brasileiro, o Valor Econômico foi além dos concorrentes ao mostrar a participação da presidente Dilma Rousseff na mudança da política de crédito: “Dilma determinou o afrouxamento”, segundo a matéria principal do caderno de “Finanças” de quinta-feira (17/11). De acordo com a reportagem, ela se havia reunido na semana anterior, separadamente, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e com o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini. Nesses encontros, havia ordenado o “reequilíbrio” (a palavra foi citada entre aspas) das medidas de crédito adotadas neste ano.
A matéria menciona a insistência da presidente em afirmar a autonomia operacional do BC. Mas essa autonomia, se ainda existir mesmo, parece restrita às decisões sobre os juros. E as demais medidas de crédito? Essa pergunta não aparece explicitamente no texto, Mas é muito difícil chegar ao fim da leitura sem reavivar todas as dúvidas sobre o atual status da política monetária.
***
[Rolf Kuntz é jornalista]