Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Comunicação entre a rede e a grade

Do enigmático (ou esclarecedor) 11 de Setembro muitas apreensões decorreram, somando-se às existentes aflições que, antes do fato, já habitavam o cenário mundial, sempre expondo novos palcos de guerra. Passados anos do que transformou as torres do World Trade Center em toneladas de entulho, não é difícil perceber-se que o acontecimento impactante vai além das ruínas flagradas pelas lentes das emissoras de TV.

A relativa distância do trágico episódio tem a propriedade de, nos atuais tempos, revelar dimensões capazes de, em muito, multiplicar o efeito daquelas cenas fantasmagóricas e, paradoxalmente, tão reais e familiares. Quase não nos damos conta de que, diariamente, em diversificado (tele)jornal, um tema tem pauta assegurada: imagens e textos oriundos de ponto qualquer de uma cidade do Iraque expõem prédios destruídos e vida arruinadas. Igual observação se estende para algum reduto palestino ou uma rua de Israel. Uma coisa é certa: todos os dias, noticiários exibem destroços e mortes.

A habitual inclusão dessas matérias parece, pouco a pouco, retirar do indivíduo sua potencialidade reativa. Fica a impressão de que a exposição da crueldade se tornou ‘cláusula pétrea’ na ‘constituição’ dos noticiários, tanto impressos quanto eletrônicos.

Força-tarefa número 1

A presença cativa deixa no ar sensação um tanto estranha – ou melhor, ambígua. Nesse caso, dois sentidos podem ser identificados: 1) a eficácia de sistemas de comunicação em rede assegura o livre trânsito das informações; 2) a pauta ‘fechada’ em torno da temática do extermínio lança a suspeita contra sistemas de comunicação em grade. Em outros termos, analisar hoje o campo da informação tanto oferece argumento para a liberdade quanto possibilita a percepção de a informação ser objeto de certo aprisionamento.

A rigor, a formulação de perfil ambivalente não é nova. Ela está sinalizada num parágrafo escrito pelo então presidente do Clube de Roma, Alexander King, quando, em janeiro de 1985, assinou o prefácio ao livro A sociedade informática (Editora Brasiliense, 1995), de autoria do pensador polonês Adam Schaff. Reproduzimos a passagem aludida:

‘Os avanços da microeletrônica tornarão possível o surgimento de uma democracia verdadeira com uma ampla descentralização do poder e das decisões políticas, com a descentralização da produção e um incremento da responsabilidade e da liberdade individuais no interior do contexto social. Mas ao mesmo tempo podem representar os instrumentos do poder e da sua conservação, conduzindo a ditaduras fortemente centralizadas e totalitárias do tipo ´Big Brother´ de Orwell. Logo nos veremos diante de uma encruzilhada em que ambas as alternativas possíveis se apresentarão diante dos nossos olhos como plausíveis e aparentemente razoáveis’. (pág.11)

Eis aí um bom exemplo a ilustrar a eficiência do pensamento teórico. É provável que, lido em 1985, o discurso soasse absolutamente delirante. Contudo, transposto ao centro da contemporaneidade, o mesmo discurso envolve algo de conhecido. Talvez melhor que a duplicidade assinalada pelo prefaciador seja o reconhecimento de uma concomitância sob aparente ‘encruzilhada’.

Não se trata de perfilar as tecnologias da informação como parceiras de um regime de força ou de franquia democrática (ou democratizante). Elas estão a serviço de ambas, produzindo o efeito de uma luta desigual. As duas instâncias têm acesso a informações. Todavia, a estrutura de poder, além da informação, agrega a força, deixando, na outra ponta e com ampla dispersão, redes de informação.

Ora, quem determina exposições diárias de episódios cruentos não é a franquia democrática, inseparável da liberdade de expressão. É justo o oposto, ou seja, estrutura de poder, em aliança com as redes do capital, usa o sistema midiático, através do qual o terror e o horror têm lugar garantido como ‘mercadoria palatável’. Nessa perspectiva crítica, a mídia não é o propalado ‘quarto poder’. É apenas a ‘força-tarefa’ número 1.

Talvez a presente reflexão possa ser útil à compreensão de um fato progressivamente mais freqüente: a incorporação de redes de comunicação por fortes empórios do capital.

******

Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)