DUAS CARAS
Aguinaldo Silva e o blog da novela – ou a novela do blog, 29/11
‘Sou defensor ferrenho da liberdade de expressão. Como sou da categoria
vidraça, e não pedra – tente escrever uma coluna semanal e entenderá o que estou
dizendo -, me solidarizo com qualquer um que se disponha a ser alvo e receba
tomate na cara de vez em quando.
É o caso de Aguinaldo Silva. O novelista, autor da novela ‘Duas Caras’, atual
atração das nove da Globo, entrou em crise – mas de hipertensão, segundo ele
disse esta semana à Patrícia Kogut, colunista de tevê d’O Globo. Seu médico
teria avisado: ‘ou a novela ou a vida’. Silva decidiu tirar férias, pensou em ir
para Portugal, a idéia não deu certo, refugiou-se em sua casa de Itaipava, e deu
meia-volta, reassumindo (definitivamente, segundo ele), o folhetim.
E você com isso? É para achar interessante essa crise de ‘menino mimado’ –
palavras do autor à Folha de S. Paulo. Sim, é para prestar atenção ao affair
Aguinaldo Silva. O que hoje está acontecendo com ele pode acontecer amanhã com
qualquer um, seja uma pessoa muito ou pouco pública. E não estou falando (só) de
crise de hipertensão.
O ponto que faz toda a diferença é que todo esse vai e vem do novelista foi
relatado tim tim por tim tim, dia a dia, em um blog que Aguinaldo Silva escreve
desde o início de ‘Duas Caras’ para o BlogLog.
No blog, o novelista, além de ‘abrir a caixa’ de seu processo de criação e
interagir com os fãs e internautas – o que já valeria a visita -, dispara sua
metralhadora giratória e atinge Deus e o mundo. Já falou mal de jornalistas, deu
respostas à altura a quem postou comentários desaforados, e criticou a cidadania
italiana do ministro da Cultura Gilberto Gil, o que teria gerado a decisão pelas
férias – que ele jura de pé junto que não faz o mínimo sentido, assim como a
baixa audiência (até agora) da novela ou decisões da cúpula da Globo não teriam
influenciado em nada. Teria sido pressão, sim – mas sanguínea, apenas.
Fato é que Aguinaldo Silva foi vítima das próprias opiniões, e não teve
dimensão do alcance de um blog. Ventilou-se, inclusive, que a Globo teria
sugerido que o novelista largasse o diário virtual. Assim que percebeu o que
estava acontecendo, em vez de recuar, Silva foi corajoso o bastante para dizer
‘eu fico’.
Por que ele não recuou? Simples: velha raposa, Silva soube absorver, num
piscar de olhos, o que o blog estava fazendo por si mesmo e pela novela. Que ele
era vidraça, sempre soube; que o blog seria um veículo fundamental para divulgar
a novela, tinha apenas uma vaga noção. Nem pestanejou: virou o jogo e agora o
blog, sempre entre os mais atualizados e comentados do BlogLog, é vedete da
mídia. Eu, por exemplo, não passo um dia sem dar uma olhadinha: o BlogLog virou
o Big Brother – online – das celebridades.
Vale ouvir o que tem a dizer o novelista, ainda em entrevista à Patrícia
Kogut:
‘O espaço é meu, não tenho que prestar contas a ninguém, e, apesar dos que
postam críticas, a maioria aprova. É um veículo que eu diria complicado,
principalmente para quem, como eu, vem de mídias mais tradicionais. O blog, por
causa de ‘Duas Caras’, virou referência, e talvez isso me tenha subido à cabeça.
Agora já o vejo de um modo, digamos assim, mais ‘adulto’. Exatamente pela
liberdade que ele concede, acho que devo pesar cada palavra que escrevo, do
mesmo modo como faço na novela. Confesso: o blog mexeu muito comigo, assim como
os blogs, de um modo geral, mexem com a cabeça daqueles que os acessam’.
E você, leitor, acha que Aguinaldo Silva exagerou, ou para encarar as novas
regras do mundo virtual é preciso ter coragem para continuar se expondo?
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Extra, extra! Na semana de 10 de dezembro irei ministrar um curso intensivo
sobre Webwriting e Arquitetura da Informação no Rio de Janeiro. Quem quiser
ficar por dentro dos segredos da redação online e da distribuição da informação
na mídia digital, é só entrar em contato pelo e-mail extensao@facha.edu.br ou
ligar para 0xx 21 2102-3200 (ramal 4) para obter mais informações. É uma boa
chance para quem não pôde participar do curso ao longo do ano, e para leitores
de outros estados que estiverem no Rio em dezembro.
Até lá!
É autor do primeiro livro em português e terceiro no mundo sobre conteúdo
online, ‘Webwriting – Pensando o texto para mídia digital’, e de sua
continuação, ‘Webwriting – Redação e Informação para a web’. Ministra
treinamentos em Webwriting e Arquitetura da Informação no Brasil e no exterior.
Em sete anos, seus cursos formaram 1.300 alunos. É Consultor de Informação para
a Mídia Digital do website Petrobras, um dos maiores da internet brasileira, e é
citado no verbete ‘Webwriting’ do ‘Dicionário de Comunicação’, há três décadas
uma das principais referências na área de Comunicação Social no Brasil.’
MERCADO
Você tem chance de virar patrão, 30/11
‘Os jornais pagos perdem circulação em escala mundial e os gratuitos têm
circulação crescente.
A receita publicitária das edições online dos jornais – pagos ou gratuitos –
cresce (e em proporção maior do que a dos jornais impressos). Nos Estados Unidos
foi lançado um boletim do ABC – Audit Bureau of Circulations, equivalente ao
nosso IVC, para mostrar a circulação combinada das versões impressa e online de
206 jornais. Logo de saída ele mostrou que, no terceiro trimestre deste ano, a
leitura online aumentou quase 30% em relação ao ano passado e a receita
publicitária da versão na web desses jornais também cresceu de 5% para 7% da
receita total
O grupo sulista Sirotsky – provavelmente o mais inovador do país – está
comprando mais um parque gráfico supermoderno.
Vários jornais exclusivamente online no Brasil mostram números ascendentes de
leitura e receita publicitária. Nosso Comunique-se, nascido há pouco mais de
seis anos, atinge até 700 mil leitores (unique viewers) diferentes e 17 milhões
de acessos por mês. Os diretores nunca me revelaram a receita de publicidade,
mas todos os profissionais sócios ou não –sócios recebem em dia e os diretores
exibem sorrisos e confiança no futuro. ‘Montblaat’, um jornal semanal de análise
e opinião criado por Fritz Utzeri, vive exclusivamente de assinaturas. A receita
ainda é pequena mas animadora e Fritz acredita firmemente que um dia poderá
profissionalizar os amigos-colaboradores. O provedor Terra (ligado à Telefônica)
lançou um jornal e já tem um bom número de anunciantes.
Esses são apenas poucos exemplos de jornais online, para públicos em geral ou
específicos, que estão dando certo no Brasil. No mundo todo, já são muitos
milhares. Sem rotativas, sem papel – ou seja, sem os ingredientes básicos que
motivaram o ingresso do jornalismo na era do desenvolvimento capitalista. A
internet se tornando ferramenta mais importante da comunicação e, com ela,
multiplicam-se as oportunidades de sair em busca de leitores. E também torna
possível que qualquer cidadão se torne jornalista, disseminador de
informação.
Os Sirotsky não são bobos e apostam que ainda haverá, pelo menos nos próximos
30 ou 40 anos, um grande mercado para o papel impresso como meio de comunicação.
Mas paralelamente crescem as possibilidades de novos focos independentes de
informação – tanto para o público em geral como para segmentos especializados. E
é possível imaginar um futuro relativamente próximo, em que grandes corporações
terão de conviver e competir com empreendedores solitários ou cooperativados, na
busca por leitores ávidos por saber o que está acontecendo.
O título desta coluna não é publicidade enganosa. Hoje (mal) assalariado ou
desempregado, pessimista (com razão) pela desproporção entre empregos
disponíveis e catadupas de jornalistas formados a cada ano, você, companheiro,
mantenha a calma: a chance é grande de você virar patrão.
Milton Coelho da Graça, 76, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O
Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e
Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste
Comunique-se.’
FUTEBOL
Listas e opiniões, 27/11
‘Olá, amigos. Ao contrário do que a maioria dos jornalistas declara, eu sou
amplamente favorável a listas de melhores de todos os tempos, seja de que
esporte for. Gosto quando são escolhidos os dez melhores jogadores de todos os
tempos, vibro quando algum garoto é posto à frente de lendas eternas, e torço
para que surja um novo ‘melhor de todos os tempos’ a cada ano. Isso faz parte do
esporte, e negar esse tipo de comparação é negar a paixão que os craques e os
gênios exercem sobre os seus fãs.
Na última semana foi divulgada uma lista em que Pelé era, novamente,
escolhido como o jogador de futebol mais eficiente de todos os tempos. Nesta
lista, Cafu estava entre os primeiros, à frente de Garrincha, Zico e tantos
outros. É claro que, na primeira olhada, a lista causa uma imensa desconfiança,
já que alguns monstros foram postos em segundo plano, e jogadores hoje
questionados foram alçados à condição de lendas.
Isso me fez lembrar conversas com o meu avô, que morreu em 2000, e que, entre
outras coisas, esteve na final da Copa de 1950 e acompanhava futebol desde o fim
dos anos 30. Meu pai me conta que ele sempre desconfiou de Pelé. Dizia: ‘Esse
Pelé tem que comer muito angu para engraxar as chuteiras do Zizinho e do
Leônidas da Silva. Esses sim eram craques.’
Mais tarde, ele mudou de opinião, e passou a dizer: ‘Pelé foi o maior. Quem
diz que Zico joga bola não pode entender de futebol. Pelé, Didi, Garrincha…
isso sim era futebol…’
No fim da sua vida, meu avô se rendera a Zico, Falcão, Reinaldo e outros. Sua
desconfiança passara a pairar sobre Romário e Edmundo. ‘São jogadores de um
brilhareco aqui, outro acolá. O Zico é que era bom. Encarava qualquer time, dava
espetáculo e vencia…’
Essa mudança de forma de ver o futebol é um espelho do que acontece nestas
listas, que muitos de nós desdenham ou criticam. Elas mostram o quanto o
torcedor muda de opinião, o quanto ele se molda ao que vê em campo e pela TV.
Não me surpreenderá se Alexandre Pato for alçado à condição de gênio em 2011,
após a Copa do Mundo. E encabeçar uma lista de melhores de todos os tempos,
atrás apenas de Pelé.
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Sem qualquer demérito ao São Paulo, merecido campeão brasileiro de 2007, o
time do campeonato é mesmo o Flamengo. O time conseguiu, este ano, uma
recuperação histórica dentro do Brasileirão, saindo da zona do rebaixamento para
a classificação à Libertadores de 2008 com uma rodada de antecedência. Não é
brincadeira. Esse feito rubro-negro acabou sendo um prato cheio para a imprensa,
carioca ou não.
Os que mais se fartaram com a recuperação rubro-negra foram os chargistas.
Alguns fatos contribuíram muito para que as ilustrações alusivas ao Flamengo
fossem cada vez melhores e abrangentes: a maciça presença da torcida no
Maracanã, o folclórico, caricato e competente Joel Santana, os resultados
combinados de forma inacreditável em favor da equipe, e, claro, a adoração a
Obina.
Isso tudo combinado fez do Flamengo, e da sua torcida, o grande personagem do
futebol brasileiro deste ano, ao lado do São Paulo, evidentemente.
Jornalista esportivo, trabalha com internet desde 1995, quando participou da
fundação de alguns dos primeiros sites esportivos do Brasil, criando a cobertura
ao vivo online de jogos de futebol. Foi fundador e chegou a editor-chefe do
Lancenet e editor-assistente de esportes da Globo.com.’
JORNAL DA IMPRENÇA
Evacuação de grávida, 29/11
‘Na copa, os utensílios da cozinha
Falavam duas vidas diferentes,
Separando da vossa a vida minha.
(Paulo Mendes Campos in Infância)
Evacuação de grávida
Assessora de imprensa em São Paulo, a considerada Mônica Farias conseguiu
escrever, depois de inevitáveis e gostosas gargalhadas:
O Jornal de Notícias, de Portugal, sempre me provoca sorrisos involuntários.
Textos absolutamente normais para os leitores lusitanos, para nós podem
tornar-se divertidos. É só usar uma ou outra palavrinha com sentido dúbio, que
eu já me esbaldo, como na notícia Evacuação de grávida provocou cinco feridos.
Para a maioria dos colegas, nada de extraordinário, talvez. Mas como trabalho
com profissionais de saúde e me habituei ao dialeto dos nativos da área,
‘evacuação’ tem, como primeiro significado automático, o ato de defecar.
Compreendi, obviamente, que a nota tratava do transporte de uma gestante.
Mas a imagem mental imediata foi a de alguma coisa não muito bonita e, menos
ainda, cheirosa; uma revolução intestinal de proporções monstruosas, causando
ferimentos em cinco incautos infelizes que passavam por perto, no momento da
evacuação.
Comentário de Janistraquis, que leu a notícia confortavelmente instalado no
vaso sanitário:
‘Caramba, considerado! Tomei um susto tão grande que, mesmo sentado, quase
veio-me o cu ao pé das calças!!!’.
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Biografia do Caco
Chega às livrarias esta semana o livro Caco Barcellos: o repórter e o método,
de Sandra Moura, professora do Departamento de Comunicação e Turismo da UFPB e
integrante da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR).
Quem anunciou o lançamento, em texto enviado à coluna, foi o considerado
Linaldo Guedes, jornalista e poeta paraibano. Leia no Blogstraquis a íntegra da
boa nova.
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Viva o plural!
Impressionante manchete da primeira página da Folha de S. Paulo:
PRESA SOFRE ABUSO SEXUAL EM CINCO ESTADOS.
Antes mesmo de ler a matéria, Janistraquis estabacou-se em profunda
depressão:
‘Considerado, que formidável transgressão contra o Altíssimo terá cometido
essa pobre criatura, para merecer semelhante martírio?!?!?! Nem Joana D’Arc nem
Maria Goretti sofreram tanto…’.
Porém o colunista, que não confia nem na Ideli Salvatti, foi verificar e,
finalmente, o alívio voltou a este abandonado sítio. Estava escrito sob a
extraordinária manchete:
Um relatório produzido por entidades de defesa das mulheres, entregue à OEA
(Organização dos Estados Americanos) em março deste ano, diz que presas sofrem
abuso sexual em pelo menos cinco Estados. Nesses Estados, mulher e homem nem
sempre convivem na mesma cela, como ocorreu com a garota L., 15. Os Estados são:
Rio, Bahia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Pernambuco.
Meu assistente ficou indignado:
‘Ora bolas, não custava nada meter dois plurais no título: presas sofrem, né
mesmo?’
É.
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De literatura
Chamada de capa do jornal Rascunho, o único do Brasil especializado em
literatura: A Idade da Razão – Carlos Eduardo de Magalhães garante que somente
pessoas acima de 40 anos são bons críticos literários.
Diz o escritor, autor de Os Jacarés, Mera Fotografia e O Sujeito ao Lado:
Por que alguém novo é despreparado para a função {de crítico}? Primeiro, pela
falta de repertório; segundo, pela falta de maturidade; terceiro, pelo excesso
de impetuosidade; quarto, pela vontade oportunista de se fazer conhecido e
gritar verdades.
Janistraquis concorda com Magalhães, a quem muito elogia, e depois sussurrou
para si mesmo e os botões do Datena:
‘Iiiiihhhh, considerado, o jovem crítico Daniel Piza não vai gostar…’
(Conheça e assine Rascunho: rascunho@onda.com.br e www.rascunho.com.br.)
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Repreensão
O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de
cujo varandão debruçado sobre a injustiça vê-se Lula et caterva a chorar a perda
da CPMF, pois Roldão não quis conversa sobre tal assunto e preferiu puxar a
orelha do redator de seu jornal preferido:
A matéria ‘O submundo da feira’ (página 16, Correio Braziliense, dia 15/11)
conta a evolução da Feira dos Importados e relata que ‘Datam dessa época (1995)
as primeiras operações policiais para repreender o contrabando na feira.’
O verbo que deveria ter sido empregado é reprimir, cujo significado é bem
diferente de repreender.
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Querem pegar o Jô
O considerado leitor se lembra daquela ‘acusação’ ridícula contra Jô Soares,
por suposto racismo, assunto tratado aqui na coluna a partir de material enviado
por Vito Diniz? Pois o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro levou o
troço a sério. Leiam a notícia da Folha de S. Paulo:
Segundo a procuradoria, houve denúncias sobre uma entrevista que abordava a
questão de mulheres e a cirurgia no clitóris em um país da África e que
comentários do apresentador podem ter manifestado preconceito em relação a
hábitos e costumes culturais daquele continente.
As entidades que levaram a denúncia ao MPF acusam o programa de desrespeito a
comunidades negras. A representação está sob os cuidados da procuradora dos
direitos do cidadão Márcia Morgado.
Janistraquis está convencido de que os procuradores andam mesmo a procurar o
que fazer, ‘mas não vão achar, considerado’, disse, com cara de quem entrou em
banheiro de posto de gasolina.
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Milagre! Milagre!
O sempre indispensável boletim Jornalistas&Cia., produzido pelo
considerado Edu Ribeiro&equipe, circulou na quinta-feira, 22/11, com um
milagre estampado sob a manchete Grandes Reportagens estão de volta ao Estadão,
em formato de revista.
Lá está, devidamente arquivado por Janistraquis, que não quer passar por
mentiroso quando se referir à espantosa notícia:
(…) Não faltou poesia (de Milton Hatoum, inspirado em Carlos Drummond de
Andrade), nem a palavra oficial (o presidente Lula escreveu um artigo, cujo mote
é ‘conservar e desenvolver’).
Meu assistente, que confunde baunilha com banana, arquivou tudo na pasta
intitulada ‘Milagres de um País de M…’, com esta observação:
‘Artigo escrito por Lula é, guardadas as devidas proporções, algo assim como
Stevie Wonder dirigir um filme de longa-metragem.’
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Poeta maior
Paulo Mendes Campos, poeta, cronista de jornal. No final dos anos 60 eu o
encontrei em Rio das Ostras, falamos mal deste mundo e tomamos muitas e ótimas.
A íntegra de Infância, cujo excerto encima a coluna, está no site Uma Coisa e
Outra.
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Sal grosso
Depois da derrota de ontem para o Vasco (1×0), um dos piores times do mundo,
está provado que o Corinthians precisa dar um banho de descarrego nos jogadores.
O Cabôco Mamadô, cuja tendinha atende em Jaçanã e adjacências, já fez o serviço
no Flamengo e foi o que se viu…
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Do outro mundo
O considerado Urariano Mota envia à coluna este, digamos, arremedo de
vacilada mundrunga:
Erramos: Gasparetto é levado à delegacia de polícia acusado de agredir idosa
Publicidade
da Folha Online
Diferentemente do informado na reportagem Gasparetto é levado à delegacia de
polícia acusado de agredir idosa (Cotidiano – 10/11/2007 – 19h39) o apresentador
de TV Luiz Gasparetto não é medium e não atende em centro espírita. O trecho foi
reescrito e as informações, corrigidas.
Janistraquis foi conferir, ó Urariano, e chegou à conclusão de que o texto
pode ter-se emaranhado na qualificação profissional do apresentador, mas, com ou
sem ajuda dos espíritos, Gasparetto baixou mesmo o sarrafo na pobre e desgarrada
alma.
Meu secretário só não entendeu por que o ‘erramos’ foi assinado pela
publicidade do jornal; isto sim, é coisa do outro mundo…
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Nota dez
O considerado Carlinhos Brickmann, a quem Janistraquis se refere sempre como
‘um jornalista de peso’, escreveu no Observatório da Imprensa, sob o título Da
discussão nasce a escuridão:
Tudo começou com uma briga em que ninguém tem razão. Ao fazer uma capa para
Veja sobre Ernesto ‘Che’ Guevara, o repórter pediu uma entrevista a um
jornalista americano que escreveu festejada biografia do guerrilheiro. Por algum
motivo, a entrevista não se realizou.
O americano não gostou da reportagem; e, em vez de enviar uma carta ao autor,
ou à revista, ou a ambos, enviou-a também a uma lista de correspondência, que a
divulgou pela internet. Nela, insulta o repórter. Este reagiu protestando não
contra as críticas ou os insultos, mas contra a divulgação da troca de mensagens
entre ambos, que qualificou de antiética.
Até aí, normal: bate-bocas, com ou sem bons motivos, são freqüentes na
profissão – ainda mais quando envolvem, como no caso, diferentes visões da mesma
personagem. O grave é uma frase do repórter brasileiro enviada ao americano:
‘Você pode ficar certo de que não aparecerá mais nas páginas desta revista’.
Leia no Blogstraquis a íntegra do excelente texto, escrito por quem sabe o
que está escrevendo.
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Errei, sim!
‘QUEM PODE, PODE – O considerado leitor Gilberto Ungaretti, repórter da
revista Manchete, envia cópia de, com perdão da palavra, release perpetrado por
certa assessoria de imprensa paulistana. Ungaretti recebeu o, digamos,
despacho-ziriguidum no final do ano e até agora não se recuperou. Transcrevo a
obra, rigorosamente na íntegra, para não melindrar o estilo:
‘ELKE MARAVILHA, originalíssima, no Natal fez uma festa a caráter onde ela e
os amigos prestigiaram o povo vicking e no último dia 27 partiu para a
Inglaterra.
Chiquitíssima, passou o revellion em Londres e na tournee européia –
programada em 2 meses – não faltará nenhum dos pontos turísticos dos países
italianos, gregos e egípcios. Na volta Elke pretende passear também nos Estados
Unidos, tornando esta viagem uma meia volta ao mundo. Quem pode, pode…’.
(fevereiro de 1995)
Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067
– CEP 12530-970, Cunha (SP), ou japi.coluna@gmail.com.
Paraibano, 65 anos de idade e 45 de profissão, é jornalista, escritor e
torcedor do Vasco. Trabalhou, entre outros, no Correio de Minas, Última Hora,
Jornal do Brasil, Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E
foi editor-chefe do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Claudio Abramo.
Também escreveu nove livros (dos quais três romances) e o mais recente é a
seleção de crônicas intitulada ‘Carta a Uma Paixão Definitiva’.’
PRÊMIO
Eduardo Ribeiro
Embratel e Esso mostram o melhor do jornalismo brasileiro, 28/11
‘O Rio de Janeiro prepara-se para duas noites de gala, uma nesta quarta-feira
(28/11), no Canecão, e outra na próxima terça-feira (4/12), no Copacabana
Palace, quando serão conhecidos, respectivamente, os vencedores dos prêmios
Embratel e Esso, os dois maiores do Brasil ao lado do Ayrton Senna e do Vladimir
Herzog. Com diferença, portanto, de menos de uma semana, o Brasil vai conhecer o
melhor de sua produção jornalística em 2007, curiosamente com pouquíssimas
duplicidades. Na verdade duas.
Apenas o repórter fotográfico Carlos Mesquita, do Meia Hora (jornal popular
do Grupo O Dia), com o trabalho ‘Desespero dentro da Kombi’, e o repórter
especial de texto Lucas Figueiredo, do Estado de Minas, com ‘O livro secreto do
Exército’, conseguiram ser finalistas das duas premiações. Os demais são
diferentes.
Mesquita, do Meia Hora, contou como foi esse trabalho, para a editora
regional deste Jornalistas&Cia, no Rio: ‘Fui lá para Niterói, tiroteio, bala
perdida. Quando cheguei, estava a mulher morta dentro da van, sozinha, esperando
a perícia. O que me chamou a atenção foi a expressão dela. A Kombi estava cheia
de sangue no banco, sangue no chão. Uma foto muito aberta seria o mais comum e
chocante demais. Para não ficar tão pesada, optei por uma foto um pouquinho mais
fechada, e usei uma tele 300. Tinha vários fotógrafos lá, foi um caso de
repercussão, mas o pessoal não percebeu o efeito do tiro e a expressão de susto
no rosto dela. Todos os jornais correram para o local, mas esse ângulo só eu
fiz’.
Lucas Figueiredo, do Estado de Minas, o outro duplo-finalista, falou à
correspondente Ana Cecília Rezende, de Belo Horizonte:
Jornalistas&Cia – Este foi um ano de ouro para você, com essas duas
indicações. Está confiante na vitória?
Lucas – A vitória já veio, com as duas indicações para a categoria nacional,
tradicionalmente dominada pelo eixo Rio-São Paulo. Quanto ao resultado final,
esse pertence a Deus e aos jurados.
J&Cia – A que você atribui essa vitória preliminar?
Lucas – Primeiro, à disposição do Estado de Minas em investir nas grandes
reportagens, o que demanda tempo, estrutura (leia-se dinheiro) e paciência.
Segundo, à busca obsessiva pelas histórias relevantes e de difícil apuração.
Terceiro, à proposta de contar histórias com textos trabalhados, em vez de
simplesmente empilhar informações.
J&Cia – Qual a importância dessas indicações para a sua carreira?
Lucas – As indicações são um termômetro de que, neste ano, o meu trabalho
conseguiu ultrapassar as montanhas de Minas e ganhar repercussão nacional. Mas,
a cada ano, o jogo zera. Não dá para ficar sentado em cima de um resultado bom.
É preciso repeti-lo.
Todos os trabalhos selecionados para a categoria Jornalismo Investigativo do
Prêmio Embratel são de televisão. Essa mídia sobressai num segmento até então
tradicionalmente dominado pelos veículos impressos. E muitos consideram que o
telejornalismo ganha em impacto, com as imagens, mas perde em aprofundamento,
pelo imediatismo, se comparado com os jornais e revistas. No Embratel, ao que
parece, prevaleceram os trunfos da televisão.
Dos cinco finalistas da categoria Reportagem Esportiva, três são do Esporte
Espetacular, da Globo. Sidney Garambone é o editor-chefe do programa desde o
início deste ano. Seu antecessor Ricardo Pereira deu o pontapé inicial nessas
produções. Garambone tem explicação para o bom resultado: ‘Os telejornais
diários cobrem tudo. O que o Esporte Espetacular tem que fazer? Contar
histórias. Histórias que tenham drama, no sentido grego, de serem elas tragédia
ou comédia. Incentivamos o desdobramento dos assuntos e a descoberta de
histórias. As equipes do Rio, São Paulo e do Brasil todo abraçaram essa idéia.
Os três finalistas do Embratel são histórias diferentes e, ao mesmo tempo,
surpreendentes e emocionantes. Uma coisa fundamental para nós, jornalistas e
produtores de matérias aqui: não temos pressa. Se a história é boa, vamos
investir. Os editores têm calma e prudência para caprichar ao máximo’. Ele
termina torcendo por seus repórteres, e se compara a um treinador de futebol: os
jogadores é que têm de aparecer.
Na categoria Correspondente Estrangeiro, um dos finalistas é Tom Phillips, do
britânico The Guardian, com a matéria ‘Invisíveis, mas nem por isso menos reais:
as estradas ilegais aceleram a destruição da Floresta Tropical’. Ele mora no
Brasil há cinco anos e há três trabalha para o jornal. Faz viagens constantes
para a Região Norte, está habituado com a floresta. ‘O Guardian é um jornal que
gosta de Amazônia, Pará, região de conflito, de criação de gado, de trabalho
escravo’, ressalta. Há tempos ouvia falar em estradas-fantasma: ‘Todo mundo diz
que existe, todo mundo usa, mas não está no mapa’. Conversando aqui e ali,
encontrou um documento com o nome Transiriri, que começa no Xingu e atravessa a
mata na direção oeste. Uma pauta que levou dois anos sendo elaborada – ‘há muito
tempo falavam nisso, mas ninguém tinha verba nem força de vontade’ – foi
realizada em duas semanas. Um dia, Phillips estava em Altamira, com um
fotógrafo, para outra matéria, e resolveu sair perguntando onde ficava a tal
estrada. Chegaram até uma área remota, encontraram o que procuravam, mas pagaram
o preço. ‘Quase perdemos a picape, porque ficamos atolados. Tinha um pessoal
morando lá, que ajudou a nos tirar da lama, mas saí todo quebrado. É muito
complicado’, conclui.
Outro forte candidato na fotografia do Embratel é Marcos Tristão, de O Globo,
com Mãe de todas as dores, publicada em vários jornais, da mulher que chora a
perda da filha e do irmão no mesmo lugar, e que usa amarradas no pulso fitinhas
verde e amarela.
Esso
O Povo, de Fortaleza, Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco, do Recife,
podem ser apontados como as grandes surpresas do Esso 2007. No total, os três
obtiveram nove indicações, sendo seis para as chamadas categorias nacionais,
desbancando os tradicionais veículos do Sul, Sudeste e Centro-Oeste (um feito),
e três regionais. Povo, JC e Diário obtiveram duas indicações cada um nas
categorias nacionais. Numa delas – Informação Científica, Tecnológica e
Ecológica –, aliás, os três são finalistas, travando uma guerra particular para
ver quem fica com o troféu e o cheque de R$ 5 mil. O certo é que este prêmio
nacional ninguém mais tira do Nordeste. Eles são ainda finalistas em Fotografia
(O Povo), Informação Econômica (Jornal do Commercio) e Criação Gráfica – Jornal
(Diário de Pernambuco). Povo e JC também dominaram a categoria Esso Regional 1,
voltada para trabalhos do Norte e Nordeste, neste caso com vantagem para o
diário de Fortaleza, que obteve duas indicações contra uma do JC, do Recife.
O Correio Braziliense é outro destaque da edição, com quatro indicações, três
delas de abrangência nacional (Fotografia, Primeira Página e Criação Gráfica –
Jornal) e outra na categoria que reúne trabalhos do Sul, Centro-Oeste e Minas, a
Regional 2.
O Globo e O Dia, ambos do Rio de Janeiro, obtiveram três indicações cada um,
com vantagem para O Globo, com as três classificadas em categorias nacionais –
duas delas em Reportagem, uma das mais cobiçadas do programa –, e outra em
Revista, para desalento das tradicionais editoras de revistas do País. O Dia
obteve indicações nas categorias Fotografia e Informação Econômica (nacionais) e
Regional 3 (para veículos do eixo São Paulo e Rio).
O jornal Estado de Minas teve duas indicações, uma delas nacional (a cobiçada
Reportagem, como citado no começo deste artigo) e outra na Regional 2. Também
mereceram dupla indicação a RBS (ambas em Telejornalismo), o Extra (Primeira
Página e Regional 3) e o Zero Hora (Primeira Página e Regional 2).
O Comércio da Franca, de Franca (Interior de São Paulo), e o Meia Hora (Rio
de Janeiro) são duas surpresas, indicados entre os finalistas de Fotografia.
Ainda com uma indicação, vão para a disputa final Valor Econômico (Informação
Econômica), Folha de S. Paulo (Criação Gráfica – Jornal), Record
(Telejornalismo), Aventuras da História e Nova Escola (Criação Gráfica –
Revista), Valeparaibano, Correio de Gravataí e A Notícia de Joinville (Interior)
e O Estado de S. Paulo (Regional 3).
Os Diários Associados, de um modo geral, foram os grandes vitoriosos nessa
fase preliminar do prêmio, com oito indicações, quatro delas do Correio
Braziliense, duas do Estado de Minas e outras duas do Diário de Pernambuco. Com
seis indicações vêm a seguir as Organizações Globo (três de O Globo, duas do
Extra e uma do Valor Econômico); e com cinco, o Grupo RBS (duas da RBS TV, duas
da Zero Hora e uma de A Notícia). O Grupo O Dia ficou com quatro indicações
(três de O Dia e uma do Meia Hora), vindo a seguir, com duas, a Folha de S.
Paulo (uma do próprio jornal e outra do Valor Econômico, jornal do qual é sócia
com a Globo) e Editora Abril (Aventuras da História e Nova Escola, esta da
Fundação Victor Civita).
O Estado com maior número de indicações foi o do Rio de Janeiro, com nove,
seguido por São Paulo, com oito; Pernambuco e Rio Grande do Sul com cinco; Ceará
e Distrito Federal com quatro; Minas Gerais com duas; e Santa Catarina com
uma.
O Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2007 foi concedido à entidade
Contas Abertas, instituição particular, sem fins lucrativos, fundada em dezembro
de 2005, que acompanha e divulga a execução orçamentária, financeira e contábil
da União. O site da instituição –www.contasabertas.com – já contabiliza mais de
5 milhões de acessos.
É jornalista profissional formado pela Fundação Armando Álvares Penteado e
co-autor de inúmeros projetos editoriais focados no jornalismo e na comunicação
corporativa, entre eles o livro-guia ‘Fontes de Informação’ e o livro
‘Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia’. Integra o
Conselho Fiscal da Abracom – Associação Brasileira das Agências de Comunicação e
é também colunista do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do Estado de São Paulo, além de dirigir e editar o informativo
Jornalistas&Cia, da M&A Editora. É também diretor da Mega Brasil
Comunicação, empresa responsável pela organização do Congresso Brasileiro de
Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas.’
O XIS DA QUESTÃO
Carlos Chaparro
Cuidado com as tentações de ufanismo, 30/11!
‘O ingresso do Brasil na elite do IDH não nos dá quaisquer razões para
ufanismos. Melhor seria que nos envergonhássemos. E a vergonha maior não está no
fato de perdermos para Tonga e Macedômia no ranking do desenvolvimento humano,
mas na desgraça de não sermos capazes de reduzir os altos níveis de injustiça e
exclusão social, enquanto a ostentação cresce no território dos ricos.
1. Questão de bom senso
Esta foi uma semana de manchetes nacionais contraditórias. Os jornais de hoje
(sexta-feira), por exemplo, nos dizem em suas primeiras páginas que o Brasil
está longe, muito longe, dos melhores padrões mundiais no ensino de ciências. No
exame internacional aplicado pela Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), do qual participaram 57 países, o Brasil ficou
apenas à frente de Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Qatar e Quirguistão.
Mas, na Economia, as coisas correm melhor. Ontem, a imprensa anunciava que,
este ano, os investimentos estrangeiros em empreendimentos produtivos chegarão a
35 bilhões de dólares, batendo o recorde de 2000, o ano das privatizações. Pena
que, por parte do Governo, tenha sido mais uma vez adiado o envio do projeto de
reforma tributária ao Congresso. E que na Amazônia, como revelou uma grande
reportagem do Estadão de domingo passado, já estejam devastados 17% das
florestas.
Para compensar, os jornais de quarta-feira trouxeram-nos a grande notícia : a
‘ONU incluiu o Brasil na elite da qualidade de vida’, gritava a manchete da
Folha, embora com a discreta ressalva, em sub-título, de que o ‘País é o último
entre os 70 considerados de alto desenvolvimento’.
Apesar dos comentários prudentes de diversas pessoas do governo, a subida do
Brasil para o grupo dos países classificados como de alto desenvolvimento humano
motivou um discurso entusiasmado do Presidente da República. Em tom empolgado,
Lula agradeceu a Deus ‘a felicidade de poder governar o País num momento como
este’.
Como se, por milagre estatístico, a realidade social brasileira tivesse dado,
de fato, um salto qualitativo.
Convém que nem a rotina das contradições nem as tentações ufanistas dissolvam
em nós, cidadãos do mundo real, a capacidade de olhar criticamente a realidade.
Devemos zelar, de modo especial, pela preservação do bom senso, quando, no
embalo de eventuais boas notícias, corremos o risco de perder a noção de valor
da porção de realidade habitada pela dor, pela injustiça, pela violência, pela
corrupção, pela fraude política e pelas precariedades aparentemente insolúveis
de áreas essenciais do desenvolvimento humano – saúde, educação, proteção de
direitos, distribuição de renda, nutrição, habitação etc..
Os sábios da vida, tanto os da academia quanto os da rua, estão de acordo
quanto ao entendimento do que seja bom senso, o termo a meu ver de maior
relevância do parágrafo aí de cima. Com base nos ensinamentos dos sábios da
vida, e para os fins que interessam à nossa conversa, podemos dizer que bom
senso é a virtude indispensável às obrigações de bem governar e de, governando,
às ações de dizer. Entende-se por bom senso a capacidade de distinguir o
verdadeiro do falso. E de apreciar, julgar, avaliar e valorar, com segurança, o
justo valor das coisas.
O justo valor do IDH das Nações Unidas, por exemplo.
2. Até Tonga está à nossa frente!
O que o relatório das Nações Unidas rigorosamente diz, sobre o ingresso do
Brasil no grupo de ‘Alto Desenvolvimento Humano’, é o seguinte:
1) Estamos na rabeira do grupo de elite, em 70° lugar, com índice de 0,800.
2) Esse índice nos coloca, por dois insignificantes milésimos, acima de
Dominica, que em 71° lugar lidera o grupo dos países de ‘Médio Desenvolvimento’.
3) O 70° lugar significa estar atrás de países como Grécia, Brunei, Barbados,
Catar, Hungria, Uruguai, Croácia, Cuba, Malásia…
Até um pequeno estado da Polinésia chamado Tonga está à nossa frente!
3. Miséria emergente
Como observador do mundo e como jornalista, sempre considerei um perigo
acreditar em estatísticas oficiais como se fossem a expressão da verdade. As
revelações estatísticas, mesmo as que vêm de organismos respeitáveis como as
Nações Unidas e o IBGE, têm apenas força de presunção – e uso o termo na
significação que as teorias da argumentação lhe dão, a de informação ou
ajuizamento que, por sua origem, podem merecer crédito.
Por isso, quando surge uma revelação como essa das Nações Unidas, sempre dou
um jeito de olhar a realidade humana nos espaços onde vivo e por onde circulo.
Foi o que fiz, mais uma vez.
Assim, fui rever as seis favelas da região de São Paulo onde moro. Duas delas
podem ser chamadas de comunidades pobres estratificadas, mas dinâmicas, em
processo de lenta ascensão. Talvez com a ajuda do Bolsa-Família.
Vemos, nessas duas favelas de alvenaria, a pobreza que evolui sobre pequenas
vitórias, em heróicas batalhas pela sobrevivência digna. Lutas e pequenas
vitórias que talvez expliquem os agradecimentos de tempero ufanistas que o
presidente Lula fez a Deus, por governar o País no momento em que alcançamos a
tal avaliação de 0,800 no IHD.
É um tolo ufanismo. E tolo não apenas porque qualquer ufanismo o é, mas
porque, neste caso, não existe qualquer razão para euforias.
Afinal, perto das duas já citadas, existem mais quatro favelas, estas bem
diferentes, porque nelas explode uma humilhante ‘miséria emergente’, que não
pára de crescer. A miséria explode para os lados, enquanto pode. E para cima, em
puxadinhos miseráveis, quando o espaço horizontal se esgota.
São cenários de arrepiar: barraco sobre barraco, indigência sobre indigência,
humilhação sobre humilhação. Sempre com muito lixo acumulado, como meio de
vida.
4. A grande derrota
São paisagens vergonhosas de miséria exposta. Que tornam intoleráveis
ufanismos tolos, especialmente se a festa verborrágica tem a intenção de nos
estimular (como acontece nas ações de lavagem cerebral) a fechar os olhos para
as partes ‘inconvenientes’ da realidade – e penso no sofrimento dos pobres nos
postos de saúde, nas escolas que não alfabetizam, nas crianças que nem escola
conseguem, nos escândalos da corrupção, na exuberância das mordomias oficiais,
na ofensa social dos lucros bancários etc..
Como já escrevi em outro local, não há quaisquer razões para ufanismos.
Melhor seria que nos envergonhássemos. E a vergonha maior não está no fato de
perdermos para Tonga e Macedômia, no IDH da ONU, mas na desgraça de não sermos
capazes de reduzir a injustiça e a exclusão social, enquanto a ostentação cresce
no território dos ricos.
Essa é a nossa grande derrota. Por enquanto, pelo menos.
Manuel Carlos Chaparro é doutor em Ciências da Comunicação e professor
livre-docente (aposentado) do Departamento de Jornalismo e Editoração, na Escola
de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, onde continua a orientar
teses. É também jornalista, desde 1957. Com trabalhos individuais de reportagem,
foi quatro vezes distinguido no Prêmio Esso de Jornalismo. No percurso
acadêmico, dedicou-se ao estudo do discurso jornalístico, em projetos de
pesquisa sobre gêneros jornalísticos, teoria do acontecimento e ação das fontes.
Tem quatro livros publicados, sobre jornalismo. E um livro-reportagem, lançado
em 2006 pela Hucitec. Foi presidente da Intercom, entre 1989-1991. É conselheiro
da ABI em São Paulo e membro do Conselho de Ética da Abracom.’
TV PÚBLICA
Antonio Brasil
A TV Brasil já subiu no telhado?, 26/11
‘Faltam só seis dias para a estréia da TV digital no Brasil. Na mesma data
também deve ser inaugurada a rede de TV pública do Brasil. Pelo jeito, o governo
tem muita pressa para aproveitar a onda de novidades digitais. E isso certamente
não é mera coincidência. Há um clima de muitas expectativas onde predominam as
promessas e incertezas. Muitas promessas e ainda mais incertezas.
Pela Medida Provisória assinada pelo presidente Lula, a Empresa Brasil de
Comunicação, responsável pela gestão da TV Brasil, será uma empresa pública
vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, com a
finalidade de prestar serviços de radiodifusão pública para ‘complementar os
sistemas privado, público e estatal’.
O documento também estabelece que a EBC terá ‘autonomia em relação ao governo
federal’ e que seus recursos sairão de dotações orçamentárias, da exploração dos
serviços de radiodifusão, de doações de pessoas físicas ou jurídicas, de
publicidade institucional e de outras fontes. Promessas de autonomia financeira
e independência na produção de conteúdo. Grandes promessas.
Só depois da CPMF
O problema é que essas ‘promessas’ contidas na Media Provisória do governo
precisam ser aprovadas no congresso para deixarem de serem ‘provisórias’. Mas
considerando a recente derrota da proposta de um Ministério do Futuro e as
atuais dificuldades para a renovação da CPMF, pode-se dizer que a TV Brasil
corre o sério risco de ‘cair do telhado’. No alto telhado, já está há muito
tempo.
A oposição garante que vai bloquear mais esse mega projeto do governo. Pelo
jeito, eles não acreditaram nas ‘promessas’ da TV Brasil.
Segundo O Globo deste sábado, ‘PSDB encerra convenção e anuncia que vai
contestar na Câmara a criação da TV pública. Um dos novos alvos do partido será
a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). A Medida Provisória que criou a TV
pública terá que ser votada na Câmara semana que vem. O PSDB acusa Lula de criar
um instrumento de manipulação’.
Por outro lado, Tereza Cruvinel, diretora- presidente da EBC, é mais
otimista. Ela acredita que a Medida Provisória que cria a TV Brasil será
aprovada pelo Congresso Nacional, logo após a votação da Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira. ‘Tenho conversado com os parlamentares e já senti
muitas mudanças, pois muitas pessoas não compreendiam o projeto de televisão
pública. A diferença é que ela não está sob o controle do governo em sua gestão
de comunicação. Ela deve prestar contas ao governo dos recursos públicos que
recebe, mas do ponto de vista de sua programação, linha editorial e política de
conteúdo estará subordinada ao Conselho Curador, composto majoritariamente por
representantes da sociedade civil’, afirmou Cruvinel.
Parece claro e fácil. Mas será mesmo? Como serão indicados os membros desse
conselho curador? Como foram selecionados os atuais diretores da EBC e da TV
Brasil? Teriam sido indicados pelo ‘governo’ ou pela sociedade’? Pouco tempo e
muitas dúvidas no ar.
A gestão de uma televisão pública é algo muito delicado. Há uma grande
diferença entre as promessas de uma TV estatal, uma TV partidária ou do governo,
e a realidade de uma TV pública de verdade. Um projeto público demanda a
participação intensa da sociedade e excelência da programação. Como diz o
crítico Gabriel Priolli, ‘O modelo tem de ser muito bom, para que, grosso modo,
resulte numa BBC, e não numa RAI tupiniquim’.
Além disso, acrescento: Será que o tal ‘público’ realmente quer ou precisa de
uma TV pública? Entre tantas outras, essa seria uma prioridade tão urgente da
sociedade brasileira?
Telejornais piores?
Para conferir, esta semana fui ouvir as ‘promessas’ do Orlando Senna,
diretor-geral da TV Brasil, durante os Encontros do Festival Internacional de
TV. Foram muitas promessas. A TV Brasil será uma rede completamente diferente.
Haverá de tudo. Até experimentação de linguagens audiovisuais com muitas
inovações.
Mas perguntado sobre os riscos de um jornalismo chapa-branca, Orlando Senna
fez questão de garantir a qualidade e independência da TV Brasil. Ele foi
taxativo: ‘o nosso jornalismo não será chapa-branca’. Mais uma promessa.
O problema é que os programas jornalísticos e os telejornais da TV Brasil
serão produzidos pela… Radiobrás. Aquela empresa estatal que produz a famigerada
Voz do Brasil. Mera coincidência? Claro que não. Jornalismo, principalmente em
tempos de eleições, é sensível ou perigoso demais para ser deixado nas mãos das
experiências de independentes ou da tal ‘sociedade’. Aos independentes, estão
reservados espaços menos ‘problemáticos’ como programas de entretenimento,
documentários ou ficção.
Está decidido. O telejornal da TV Brasil será produzido pela Radiobrás e
estamos conversados. A inovação e experimentação ficam para outras áreas. Pelo
menos, uma certeza. Afinal, jornalismo de TV no Brasil ganha ou perde eleições.
Assim como as promessas da televisão digital, será que essa tal TV Brasil é
realmente ‘pra valer’ ou mais um mero projeto de marketing político? Muitas
promessas e ainda mais dúvidas.
E como já dizia o velho Boni, ‘no Brasil fazem as coisas na ordem inversa. Em
vez de se discutir primeiro o negócio, começou-se a discutir a tecnologia.
Pode-se melhorar o som e a imagem, mas a programação vai ser a mesma’.
Será mesmo? E os telejornais? Pelo jeito, eles não serão os mesmos. Podem ser
piores. No ar, a Voz do Brasil Digital.
É jornalista, professor de jornalismo da UERJ e professor visitante da
Rutgers, The State University of New Jersey. Fez mestrado em Antropologia pela
London School of Economics, doutorado em Ciência da Informação pela UFRJ e
pós-doutorado em Novas Tecnologias na Rutgers University. Trabalhou no
escritório da TV Globo em Londres e foi correspondente na América Latina para as
agências internacionais de notícias para TV, UPITN e WTN. Autor de diversos
livros, a destacar ‘Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica’ e ‘O Poder
das Imagens’. É torcedor do Flamengo e não tem vergonha de dizer que adora
televisão.’
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