Durou pouco, mas foi escandaloso. Na sexta-feira, o assassinato, em um bairro de classe média alta de São Paulo, de um casal de aposentados – Sebastião e Hilda Tavares – logo chamou atenção da imprensa. Os sites informativos começaram a noticiar o caso, que chocava pela violência praticada – os dois foram mortos a facadas – e pela apressada conclusão do delegado titular do 23º DP de que o filho do casal assassinado, o escrevente Rogério Gonçalves Tavares, seria o principal suspeito de ter cometido o crime.
Rogério havia sido encontrado no local do crime com um ferimento no pescoço e foi levado a um hospital. Ao longo da tarde de sexta-feira, a maior parte dos sites tratou o escrevente como assassino. Nos jornais de sábado, embora a polícia tenha recuado e passado a tratá-lo também como vítima, Rogério Tavares continuou aparecendo nas reportagens como suspeito de assassinar seus próprios pais.
No domingo, porém, o caso foi finalmente solucionado. A Justiça decretou a prisão temporária do desempregado Luiz Eduardo Cirino, 29, que se apresentou à polícia e confessou ter assassinado os aposentados. Vizinho das vítimas, ele disse que entrou na casa para roubar e que matou o casal porque houve reação. Cirino entregou à polícia roupas sujas de sangue, uma máscara e uma faca que teriam sido usadas no crime.
Não há dúvida alguma que o escrevente Rogério Tavares foi horrivelmente prejudicado pela imprensa. O prejuízo só não foi maior porque o assassino foi logo descoberto. Não fosse assim, Rogério passaria a conviver com, no mínimo, a suspeição de ter cometido não um, mas dois assassinatos. Aliás, o tempo em que Rogério permaneceu sob suspeição foi mesmo curto, mas o suficiente para que a residência do casal morto fosse pichada com frases ofensivas e ameaças ao escrevente. Além disto, alguns perfis publicados sobre o escrevente insinuavam que ele poderia ter algum tipo de doença mental.
Ao fim e ao cabo, a verdade é que a mídia comprou a versão apressada de um delegado – exatamente o mesmo roteiro do início do caso da Escola Base. Bastaria um pouco de prudência dos jornalistas e o mal feito ao escrevente teria sido evitado. Afinal, o ‘suspeito’ estava ferido no pescoço, não havia sinais da arma do crime, as marcas de sangue iam até o muro da casa e a polícia havia sido chamada por uma vizinha que reportou ter visto um mascarado fugindo da residência. Rogério Tavares teria que ser realmente um grande ator para matar os pais e simular a coisa toda, ainda mais com a avó presente na cena do crime.
Em certos momentos, como se pode perceber, é melhor pensar com a própria cabeça do que confiar na autoridade. Para o delegado e para a imprensa, a versão de um assassinato duplo perpetrado pelo filho das vítimas certamente tem ‘mais leitura’, isto é, vende mais jornal e rende mais imagens da autoridade no exercício da nobre função. Um latrocínio é um crime bem mais comum e, portanto, menos ‘rentável’.
No episódio da Escola Base, a imprensa inteira foi atrás da versão de um delegado, com exceção do jornal Diário Popular. Lá houve um repórter que desconfiou do que ouviu, pensou com a própria cabeça e reportou a história ao seu editor, que convenceu a Direção de Redação a esquecer o assunto, apesar do apelo comercial que teria em um jornal popular como era o Dipo. Alguém já disse que o jornal merecia, naquele ano, o Prêmio Esso por não ter publicado um único parágrafo sobre o caso…
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Blog do autor: Entrelinhas