A imprensa americana poderia ter impedido a invasão do Iraque, ou de alguma forma tê-la retardado?
Para o observador distante, é óbvio que não. Para a opinião pública local, especialmente a fatia não-conservadora (que os nativos chamam de ‘liberal’, expressão que muda de significado à medida que atravessa fronteiras), os jornais nacionais ou desejaram a guerra ou nada fizeram para denunciar o projeto bélico da Casa Branca.
Howard Kurtz, que escreve sobre mídia no Washington Post, colheu essa reação, curiosamente, como resposta a uma reportagem em que ele mesmo mostrara como o jornal durante meses produzira uma imagem distorcida da crise no Oriente Médio, exagerando no peso dado às notícias belicistas emanadas da Casa Branca, e depreciando tanto a voz da oposição como as dúvidas sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque.
Respondendo a essa reação, o jornalista enumerou argumentos mostrando como muitas vezes a verdade ‘oficial’ tem um ímpeto irresistível.
Por exemplo: editores preferem dar destaque a declarações claras e enfáticas (como sempre eram os pronunciamentos da Casa Branca) a notícias recheadas de ‘talvez’ e ‘pode ser’, como eram, necessariamente, as informações colocando em dúvida a existência do suposto arsenal secreto de Saddam.
Em outras palavras, é muito difícil provar uma informação negativa (a inexistência das armas) fornecida por fontes quase sempre não identificadas. Esse costuma ser o grande desafio do chamado jornalismo investigativo – um desafio que a grande imprensa americana só conseguiu enfrentar com sucesso quando isso já era praticamente irrelevante.
Teste revelador
Em seu segundo artigo sobre o assunto (22/8), Kurtz produziu um diagnóstico que merece reflexão onde quer que existam editores preocupados em contar a verdade e leitores decididos a exigi-la em quaisquer circunstâncias.
Diz o artigo:
‘A verdade é que as redações contêm uma coleção de indivíduos que nem sempre acertam. Perdemos algumas notícias, exageramos outras. Às vezes, deixamos à mostra nossos preconceitos pessoais. Outras, refugiamo-nos no jornalismo seguro do ‘ele declarou, ela afirmou’. Alguns editores usam antolhos, ou gostam mais de alguns de seus personagens do que de outros, ou seguem a manada’.
Mas, conclui ele, os muitos erros da mídia americana no episódio iraquiano não foram causados por motivação política, medo da Casa Branca ou excitação belicosa. O que interessa, agora, para editores e repórteres é se aprenderam algumas lições práticas para as próximas vezes em que as coisas ficarem difíceis. E o que interessa para muitos leitores é saber se conseguem aceitar as limitações do jornalismo – ou se insistirão em usar lentes ideológicas para chegar a conclusões sobre o que é publicado e o que não é publicado.
A imprensa brasileira não passa há muito tempo por um teste tão traumático e revelador como o enfrentado pelos jornalistas americanos. Mas, se (melhor dizendo, quando) o momento chegar, tanto jornalistas como leitores/espectadores/ouvintes terão bom proveito se tiverem uma visão realista sobre o que se pode esperar deste nosso imperfeito e insubstituível ofício.
******
Jornalista