‘A Editora Globo foi condenada a indenizar em R$ 15 mil por materiais a atleta Aída dos Santos Menezes pela utilização indevida de imagem na revista Marie Claire. A decisão é da juíza da 4ª Vara Cível do Rio, Renata de Lima Machado Amaral.
Aída dos Santos é atleta e foi a única mulher a fazer parte da delegação brasileira nas Olimpíadas de 1964 no Japão e, até hoje, a única brasileira a participar de uma final olímpica de atletismo.
Na reportagem constavam dados da biografia de Aída. O texto fazia uma homenagem às mulheres que se destacaram no esporte. Logo abaixo da homenagem, constava o número de telefone para o interessado assinar a revista. Para a juíza, ‘a editora teve o objetivo de conquistar um público leitor que se associe à idéia de vitória e determinação transmitida em razão dos feitos realizados pela autora e constantes de sua história pessoal’.
Nas alegações, a Editora Globo disse que o trabalho era de cunho jornalístico e a foto utilizada era de conhecimento público.
Processo 2004.001.021853-8
Leia a íntegra da sentença
AÍDA DOS SANTOS MENEZES ajuizou ação pelo procedimento ordinário em face de EDITORA GLOBO LTDA sob alegação de que a ré vinculou anúncio publicitário em revista por ela editada, qual seja, ´Marie Claire´, e, para tanto, fez uso de sua imagem e nome, sem que lhe fosse dado consentimento para tal.
A autora destacou que é atleta há mais de 40 anos e foi a única mulher a fazer parte da delegação brasileira nas Olimpíadas de 1964, no Japão, e que, até os dias atuais, é a única mulher a participar de uma final olímpica no atletismo e que os dados de sua biografia também foram utilizados indevidamente pela ré, no texto da campanha publicitária. Pretende o ressarcimento dos danos patrimoniais e morais decorrentes do uso não consentido de sua imagem, nome e biografia, em valores arbitrados pelo magistrado.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 09/26. Citada, a ré apresentou a contestação de fls. 32/45, acompanhada dos documentos de fls. 46/56. A demandada alegou que, com o fim de informar e conscientizar seu público leitor, promoveu homenagens a algumas poucas mulheres, que se destacaram no esporte, trabalho, etc, consideradas, portanto, exemplos para outras mulheres. Dentre estas pessoas homenageadas, encontrava-se a ora autora.
Que a fotografia divulgada já era de conhecimento público e o artigo possuía cunho jornalístico, enaltecedor da figura da autora. Que os fatos publicados são verídicos e não houve ofensa à honra da autora.
Que é livre a manifestação do pensamento e a ré possui dever de informação. Refuta, outrossim, a existência de danos patrimoniais e morais. Réplica às fls. 59/61. Instadas a especificarem provas, as partes requereram a produção de prova documental superveniente e prova oral. Audiência de conciliação na forma do art. 331 do CPC à fl. 72, que resultou infrutífera.
Decisão saneadora à fl. 79, que deferiu a produção de prova documental superveniente e produção de prova oral, com designação de AIJ à fl. 82. Aberta a audiência de instrução e julgamento (fl. 87), as partes desistiram da produção de prova oral e reportaram-se às peças e provas dos autos.
É o relatório, passo a decidir.
A Constituição da República prescreve a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, como atributos do direito da personalidade dos indivíduos, e assegura o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.
Às fls. 13 e 14 verifica-se o anúncio, consistente em campanha publicitária da revista ´Marie Claire´ que deu causa ao ajuizamento da presente ação, no qual consta uma fotografia da autora e os seguintes dizeres: ´Aída dos Santos (1937-). A única mulher na delegação brasileira nas Olimpíadas de 64. Ela deu o primeiro salto para a vitória. Na sua profissão superou obstáculo, atingindo os níveis mais altos.
Mostrou que para ser feliz qualquer esforço vale a pena. Inclusive o físico. Sua força de vontade inspirou mulheres a, como ela, só descansar depois de vencer. Inspirou também Marie Claire, a revista que fala hoje com essa mulher determinada, que também enfrenta os desafios de sua época.´ Logo abaixo, consta o número de telefone para assinaturas da revista.
A ré não refutou a alegação autoral, no sentido de que não houve prévio consentimento para a utilização da imagem, nome e biografia da autora, e limitou-se a mencionar que a fotografia já era de conhecimento público e que o texto possuía cunho jornalístico.
No entanto, o certo é que os atributos do direito de personalidade da autora foram utilizados sem seu conhecimento e consentimento, em anúncio com nítido conteúdo publicitário, isto é, com o fim de divulgar a revista ´Marie Claire´ e com vistas a conquistar um público leitor que se associe à idéia de vitória e determinação transmitida em razão dos feitos realizados pela autora e constantes de sua história pessoal.
Assim, não se reconhece que a publicação tenha cunho jornalístico, consubstanciado no dever (e direito) de informação da ré, mas visava, ao contrário, fins econômicos, para fomentar a atividade de edição e comercialização da revista ´Marie Claire´.
Neste tocante, o uso indevido dos atributos da personalidade alheia, sem autorização ou participação de seu titular, é capaz de ensejar danos patrimoniais, diante da exploração comercial perpetrada. No entanto, e na esteira de julgados dos tribunais superiores, o uso sem consentimento de imagem, nome e biografia alheios somente provocará danos morais se forem utilizados de forma vexatória e desrespeitosa, capaz de provocar constrangimento e dor ao titular:
´Direito a imagem. Fotografia. Publicidade comercial. Indenização. A divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito a custa de outrem, que impõe a reparação do dano. Recurso extraordinário não conhecido´. RE 95872 / RJ – Rio de Janeiro. Recurso Extraordinário Relator(a): Min. Rafael Mayer Rel. Acórdão Min. Revisor Min. Julgamento: 10/09/1982 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Publicação: DJ 01-10-1982 PG-09830 EMENT VOL-01269-02 PG-00561 RTJ VOL-00104-02 PG-00801 ´Dano moral. Direito à imagem. Fotografias usadas em publicação comercial não autorizada. I – O uso de imagem para fins publicitários, sem autorização, pode caracterizar dano moral se a exposição é feita de forma vexatória, ridícula ou ofensiva ao decoro da pessoa retratada.
A publicação das fotografias depois do prazo contratado e a vinculação em encartes publicitários e em revistas estrangeiras sem autorização não enseja danos morais, mas danos materiais. II – Recurso especial conhecido, mas desprovido.´ REsp 230268 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1999/0082490-3 Min. Antônio de Pádua Ribeiro, T3 – TERCEIRA TURMA, julg. 13/03/2001, DJ 18.06.2001 p. 148 JBCC vol. 192 p. 387 A publicidade vinculada pela ré verdadeiramente enalteceu a figura da autora, com utilização de expressões elogiosas, identificando-a como uma mulher determinada, pioneira e vencedora, razão pela qual não se entende pela existência dos danos morais alegados na inicial.
A indenização pelos danos patrimoniais deve ser fixada segundo critério de arbitramento pelo magistrado, e entendo que o valor correspondente a 50 salários mínimos é adequado à presente hipótese. Isto posto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para condenar a ré a pagar à autora o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos matérias, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária a contar da sentença. Considerando a mínima sucumbência da autora, condeno a ré ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor da condenação. P. R. I.’
MERCADO DE TRABALHO
‘Mudanças importantes marcam início de outubro’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/10/05
‘O início de outubro está sendo marcado por importantes mudanças no mercado, uma delas, sem dúvida, a saída de Noblat do iG com destino ao portal do Estadão, o que vai acontecer apenas nas próximas semanas. Mas já está certa. Noblat fez uma negociação estupenda com o Grupo Estado, ampliando de forma exponencial o espaço que terá para o Blog, em termos de mídia. Na Web, propriamente, não haverá mudanças nem de layout nem de conteúdo, mas apenas de endereço (ele vai para o www.estadao.com.br). Mas Noblat e seu Blog vão ganhar uma coluna no primeiro caderno das edições de domingo do Estadão, três repórteres para ajudar na apuração (hoje Noblat é sozinho), uma edição diária voltada para a mídia impressa, a ser negociada pela Agência Estado com outros jornais brasileiros (todos aqueles que se interessarem), e dois ou três boletins diários (Blog do Noblat no ar) para a rádio, também sob encomenda da Agência Estado que o oferecerá para emissoras de todo o País. De quebra, Noblat deixará o escritório que mantém na sua casa e vai ganhar um espaço na sucursal do Estadão em Brasília.
O Blog do Noblat é realmente um fenômeno. Criado despretenciosamente para preencher o tempo e ver no que dava, ganhou credibilidade e audiência, chegando, em setembro passado, a registrar quase 1 milhão e 700 leitores. Demorou um pouco, mas acabou atraindo primeiro a simpatia do iG, quando pela primeira vez Noblat se viu remunerado, e agora a do Estadão que, como se vê, parece disposto a investir firme no seu novo contratado.
Outra mudança fresquinha está ocorrendo na Gazeta Mercantil, com a troca de comando editorial do jornal. Saem do dia-a-dia o editor-chefe Klaus Kleber e seu adjunto Glauco de Carvalho, e no lugar deles assumem Ismael Pfeifer e Cláudia Mancini. Klaus e Glauco estão sendo convidados pela direção do jornal para fazer parte do Conselho Editorial e dar vida a ele (coisa que até hoje não aconteceu, desde que foi criado quando Tanure arrendou o título de Luiz Fernando Levy, aliás, ele próprio o presidente do tal Conselho inexistente), e também para operarem como ombudsmans internos do jornal e editorialistas. Ambos vão ouvir o que a empresa tem a oferecer e decidem nas próximas horas se aceitam ou não. O detalhe é que Klaus tem 32 anos de casa e Glauco, 31.
Com Ismael e Cláudia a Gazeta passa a ter um comando com perfil mais jovem, mas nem por isso menos experiente. Ismael, por exemplo, já passou por Estadão, Globo, SBT e está na Gazeta há sete anos, metade deles como correspondente em Buenos Aires e outra parte do tempo como editor de Comunicação. Por último, ele editava a seção Plano Pessoal. Cláudia, por sua vez, também já tem bons anos de Gazeta e editava Internacional. Além disso, ambos se reportam a José Eduardo Gonçalves, esse sim, forjado na velha escola que teve, como expoentes, Roberto Müller Filho, Mathias Molina, Sidnei Basile, Paulo Totti, Dirceu Brizola, entre outros.
É certo que várias outras mudanças estão em curso e serão anunciadas oportunamente, incluindo algumas parcerias estratégicas no campo editorial e envolvendo produção de conteúdo.
Outra mudança que está causando uma certa surpresa é a anunciada rescisão de contrato entre Lillian Witte Fibe e a Rede 21, com menos de três meses de vida. Ambos têm dito que estão negociando um acordo para uma rescisão amigável, o que parece efetivamente que vai ocorrer, por ser do interesse das duas partes. Mas as razões reais do divórcio são mantidas em segredo. Um ou outro comentário, aqui e ali, fala de um forte encolhimento de verbas publicitárias do Governo, que pegou de forma mais forte o Grupo Bandeirantes, que, por conta disso, sobretudo na Rede 21, estaria redimensionando todos os investimentos e gastos. Se tem ou não procedência a informação, isso não se sabe, mas Lillian efetivamente não mais voltará a apresentar o Jornal 21.
Também o Interior paulista chega com sua cota de contribuição nessa intensa movimentação. Com a compra da antiga Folha de Rio Preto pelo empresário J. Hawilla, a cidade de São José do Rio Preto ganhou um novo jornal, o Bom Dia, lançado no último dia 18/09. Concebido para ser um diário moderno, visualmente agradável, de leitura leve e rápida, ele transpõe para a mídia impressa alguns dos elementos da Web, numa clara influência de um de seus idealizadores, Matinas Suzuki. A mudança deu-se também na tiragem: saltou de tímidos 2 mil para 11 mil exemplares.
Para comandar o novo jornal, no cargo de editor-chefe, Havilla foi buscar Mário Evangelista (ex-Correio Popular) no Jornal de Piracicaba. Chegaram também, reforçando a estrutura existente, Josué Suzuki (ex-TV Tem, afiliada Globo), como editor executivo; Marival Correa, editor do caderno Aqui, Júlio Garcia, repórter especial, e Marcelo Ferri, editor de Esportes (todos do Diário da Região); Maria Elena Covre (ex-assessora da deputada Beth Sahão, PT), na Chefia de Reportagem; Rogério de Castro (vindo da assessoria da Prefeitura local), também repórter especial; mais a repórter Helena Bichara (de saída do Dhoje). O jornal contratou ainda Edmilson Zanetti (ex-Folha de S.Paulo e que estava na Folha Caipira), como editor de Qualidade. Na mão inversa, deixou o Bom Dia Edson Alves, que editava esportes, sem novo destino profissional definido. O telefone da redação, para os que quiserem se aventurar, é (17) 3016-6036 / 6010.
Do Rio de Janeiro, a correspondente Cristina Vaz de Carvalho informa que Marcelo Gigliotti (ex-TV Globo, O Globo e Época) assumiu como coordenador das edições regionais do Jornal do Commercio. E que a partir desta semana, o JCom mudou a marca – antes, vinha Rio de Janeiro logo abaixo do título, agora, vem Brasil – e está ganhando quatro edições regionais: Rio, São Paulo, Brasília e (a partir de 7/11) Belo Horizonte, com uma página exclusiva para cada edição regional. Ubiratan Solino, que cuidava de Internacional, passa a editar a página de São Paulo; e Martha Imenes (ex-Tribuna da Imprensa) a de Brasília. Dois editores de produção atuam nos escritórios regionais: Rachel Cardoso em São Paulo e Guilherme Queiroz em Brasília.
A mesma Cris informa que Amaury Mello começou nesta 2ª.feira (3/10) como diretor de Conteúdo e Tecnologia do JB. Ele já exerceu cargo semelhante em O Globo e prestou consultoria para O Dia. Estava na TV Alerj, como diretor de Programação, na equipe de Arnaldo César e de lá saiu, sendo substituído por Marcelo Auler, que deixou a Dataprev. Com Amaury seguiu também André Jockyman, para cuidar de alterações na sucursal da Barra.
De Belo Horizonte, a correspondente Ana Cecília Rezende informa que foi lançado na última 5ª.feira (29/9) O Tempo Uberlândia, semanário com 25 mil exemplares de tiragem, distribuição gratuita e que circulará às 6ªs.feiras. No comando editorial está o editor Ademir Reis, que iniciou a carreira jornalística na Rádio Bela Vista e atuou durante 17 anos na TV Triângulo (hoje TV Integração). A nova publicação se somará aos outros três semanários de distribuição gratuita da Sempre Editora: Pampulha (que circula com 116 mil exemplares), O Tempo Betim (34.100 exemplares) e O Tempo Contagem (20.600 exemplares). A Sempre Editora também edita os diários O Tempo e Super Notícia.
Como se vê, foi realmente um início de outubro e primavera movimentadíssimos.’
DIRETÓRIO ACADÊMICO
‘A difícil tarefa de fazer jornalistas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/10/05
‘O XIS DA QUESTÃO – No ensino do jornalismo, que Deus e os homens nos livrem da tentação de modelos únicos ou hegemônicos. Qualquer que seja, porém, a escolha curricular adotada, ela deve conter estratégias que integrem a formação teórica e a capacitação técnica, em crescentes níveis de aprofundamento e interação, tendo como eixo pedagógico espaços laboratoriais multidisciplinares.
1. Cursos com identidade própria
Qualquer que seja o padrão de ensino proposto ou defendido para a formação de jornalistas, a questão terá de passar, inevitavelmente, por escolhas curriculares. Se quisermos encarar seriamente o assunto, não poderemos fugir à polêmica dos currículos. E para isso aqui estou, na retomada da conversa sobre a formação de jornalistas.
Claro que não serei leviano a ponto de apresentar, aqui, o modelo ideal de currículo. Currículo ideal não existe. Nem seria desejável que existisse. Entendo, até, que cada curso de jornalismo deveria assumir, preservar e desenvolver uma vocação própria (de ensino, pesquisa e extensão), assumindo preponderâncias que o tornem referência em determinadas vertentes disciplinares do jornalismo.
Quero dizer o seguinte: sem prejuízo da visão global do campo de estudo em que o jornalismo já se constitui, e sem renúncia a compromissos com a formação integral (humanística e técnica) dos futuros profissionais, cada curso deveria desenvolver padrões de excelência em alguma vertente do aprendizado de jornalismo. E fazer disso marca de identidade.
A meu ver, seria ótimo, por exemplo, que houvesse cursos de referência no ensino e na capacitação de profissionais para as linguagens da mídia eletrônica; outros, com qualidade superior na formação para o pensar e o fazer jornalismo nos meios impressos, em um mundo movido a notícias em tempo real; outros, ainda, que aprofundassem conhecimentos para o domínio das artes e técnicas da narrativa jornalística. E (por que não?) que bom seria se algum curso de jornalismo se pudesse distinguir pela excelência do seu ensino e dos seus estudos em disciplinas relacionadas com a argumentação. A propósito, estou convencido de que a competência argumentativa do jornalismo será exigência crescente da sociedade, no mundo cada vez mais complicado em que vivemos.
2. Laboratórios multidisciplinares
Claro que pode haver uma certa margem de utopia nessa idéia de cursos com vocação própria, com padrões de excelência em certos agrupamentos disciplinares. Mas já se vislumbram, por aí, alguns cursos que souberam desenvolver características particulares, e com elas trabalham marcas de excelência.
Qualquer que seja, porém, ou possa ser, a vocação particular de cada curso, repito o que escrevi no texto anterior: o jornalista que a Universidade deverá formar terá de ser um profissional com educadas aptidões de intelectual, capaz de apreender, atribuir significados e dar exposição social confiável (isto é, independente, crítica e honesta) aos conflitos discursivos da atualidade. Mas será intelectualmente inepto se, ao mesmo tempo, não dominar, plena e criativamente, os conceitos, os recursos, as técnicas, as artes e as implicações da linguagem jornalística – ferramentas do seu ofício.
Defendo, portanto, combinações disciplinares que combinem a formação teórica e a capacitação técnica, em crescentes níveis de aprofundamento, ao longo do curso. Para isso, exige-se, como estratégia pedagógica, investimentos prioritários em espaços laboratoriais que não sejam apenas templos do fazer, mas onde a experimentação jamais esteja dissociada do pensar intelectual, para que aí se produza um saber consistente, no domínio dos porquês e para quês do jornalismo – jornalismo entendido como linguagem hoje essencial dos processos sócio-culturais.
Proponho, portanto, espaços laboratoriais com orientação e docência multidisciplinares.
3. Três momentos
Uma das discussões mais interessantes nas divergências sobre a questão curricular anda em torno das proporções ideais entre teoria e prática, na evolução do curso.
Para o debate, deixo, aqui, a proposta em que mais acredito, formada sobre a minha própria experiência de profissional e professor de jornalismo.
Defendo que, com qualquer currículo, o curso de jornalismo seja ordenado em três grandes momentos articulados, de complexidade progressiva, com arranjos disciplinares que combinem conteúdos teóricos e técnicos:
Momento da INICIAÇÃO – Em nível de iniciação, e com carga horária preponderante, os alunos ingressantes deveriam ter acesso a conteúdos básicos de formação humanística, entre os quais, indispensáveis, História da Cultura e da Cidadania, História do Jornalismo, Ética e Deontologia, Economia, Ciência Política, Filosofia da Linguagem, Metodologia, Antropologia e Geografia (Política e Humana). Ao mesmo tempo, também em formato de iniciação nas técnicas jornalísticas, e com carga horária menor, mas crescente, os alunos devem dispor de espaços de aprendizado experimental, em projetos vivos, para práticas de jornalismo real, sem simulações.
Momento do APROFUNDAMENTO – Seria a fase mais alongada do curso, em que, no plano das idéias e da formação teórica, o caráter mais extensivo da iniciação daria lugar à possibilidade de escolhas para o estudo aprofundado (por meio de disciplinas optativas, por exemplo) em jornalismo e em no máximo duas áreas complementares de conhecimento, da preferência do aluno. Simultaneamente, a experimentação técnica cresceria em complexidade e carga horária, pedagogicamente inserida em espaços laboratoriais multidisciplinares, propícios às interações entre teoria e prática, espaços que, nesta fase, funcionariam como eixos do curso.
Momento da MATURAÇÃO – Seria o momento do atendimento pedagógico individualizado, preenchido com atividades orientadas de leituras, pesquisa e experimentação, para a produção do trabalho final de avaliação. Em um percurso de seis meses a um ano de estudo direcionado, em torno de um projeto ou de uma monografia, o aluno se defronta com seus limites e suas potencialidades, para demonstrar, de forma consolidada, os conhecimentos adquiridos e as aptidões desenvolvidas ao longo do curso.
É o que penso.’
Iracema Torquato
‘Damos jeito pra tudo’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/10/05
‘Muito se discute a postura de um jornalista sobre a obrigatoriedade do diploma, a especificidade do conhecimento em relação à sua área de atuação, o currículo para a formação de um profissional polivalente e técnico, a diminuição de quatro para três anos o curso de comunicação com habilitação para jornalismo, a disputa do mercado em relação a áreas afins, a abertura de novos cursos com qualidade de ensino, o corporativismo, a falta de autonomia dos profissionais, entre outros temas.
Mas pouco se debate sobre a efetivação da função de um profissional. Essa passa pelo desenvolvimento primeiro da sensibilidade e não somente da técnica. Passa ainda pela volição, isto é, um querer-saber; um dever-saber, pela ética; um admirar-saber, pela estética para depois chegar a um saber-fazer, pela lógica, o pragmatismo. Mas o mais significativo é que o enfoque hoje, em educação, está na aprendizagem e não no ensino. ‘Não há docência sem discência’, diz Paulo Freire.
O homem aprendeu primeiro para depois ensinar. Isso não exclui a discussão necessária sobre uma formação adequada de jornalistas, balizada nas habilidades de observar, selecionar, relacionar, compreender e gerar sempre novos signos interpretantes da realidade observada. Como não podia ser diferente, passa ainda pelo desenvolvimento de habilidades de produção de texto, criação e imaginação.
Ninguém gera interpretantes genuínos, ou seja, atribui sentido às coisas com discernimento e lógica sem ter autonomia: poder-saber e poder-fazer. Sem ela, no máximo, há a reprodução de idéias, a cópia, o excesso de citações, e o pior de tudo: o plágio. Todos esses itens são signos degenerados. Daí a importância de uma pedagogia no jornalismo voltada ao desenvolvimento de posturas autônomas.
Isso não é fácil. O ensino e a aprendizagem de hoje atendem a imperativos neoliberais em que o máximo de eficiência e eficácia tem que ser conseguido com o mínimo de recursos materiais [financeiros] e ‘humanos’. O paradoxo é evidente, o profissional polivalente exigido pelo mercado é aquele capaz de saber mais de uma língua (pelo menos instrumentalmente), resolver situações problemáticas, gerenciar como líder e ter disponibilidade total para servir ao empregador.
Meu caro leitor, não desanime! Para poder ser tudo isso e se apresentar como um profissional – sempre em devir, há que se ter freqüentado um curso cujo projeto político-pedagógico tenha sido inter e trans disciplinar. Se você não passou por um curso assim, não fique constrangido, há quem afirme que tais conceitos não passam de ‘pensamento da hora’.
A interdisciplinaridade é um modismo? E seus parentes próximos a transdisciplinaridade e a multidisciplinaridade? Mas do que estamos afinal falando?
O termo interdisciplinaridade significa uma atitude mental diferente a ser assumida pelo homem frente ao problema do conhecimento, pressupõe a substituição de uma concepção fragmentária para uma unitária baseada no tripé: homem-indivíduo, homem-espécie e homem-sociedade, segundo o sociólogo Edgar Morin.
Em outras palavras, estamos a falar do homem, profissional ideal, que, sem saber os conceitos específicos que essas palavras engendram, buscam a inserção da dimensão humana nas ciências e, conseqüentemente, no jornalismo. Daquele que tem consciência que o tecnicismo e cientificismo são bandeiras do passado, do positivismo e sabe que o conhecimento é sempre ‘complexo’, não pode ser doado, precisa ser reconstruído constantemente.
Morin considera que há ‘sete saberes fundamentais para a educação do futuro’, e relata sobre esses no livro que tem o mesmo nome. Esses são imprescindíveis para evitar a fragmentação do conhecimento. Segundo as especificidades de cada área, deveriam ser trabalhados por toda sociedade, pois evitariam os ‘buracos negros’ do ensino superficial. Esses saberes são sobre: as Cegueiras Paradigmáticas, o Conhecimento Pertinente, a Condição Humana, as Incertezas, a Identidade Terrena, a Compreensão Humana e a Ética do Gênero Humano.
Incrível que estejamos a falar sobre a necessidade da aprendizagem das incertezas. Estar pronto para surpresas desagradáveis sempre é uma hipótese que se quer descartar. E como falar em compreensão humana frente a uma realidade neoliberal imposta pelo mercado? Qual é a razão de se querer reduzir o tempo de formação acadêmica de um profissional; de se privilegiar essa ou aquela matéria?
Um profissional que tem como compromisso transmitir informações não pode ser cego em relação ao conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar. Diz o autor que o buraco negro do conhecimento são o erro e a ilusão.
Independentemente dos currículos e suas grades, essas não podem ser vistas como barreiras. Isso é uma ilusão. Algumas vezes, ouvimos coisas como: – ‘Isso não é da minha área, não vou perder tempo’. Isso é um erro. Não mesmo, caro leitor. O mínimo que pode acontecer é você se perder no tempo virtual, num mar de informações desconexas, sem saber articulá-las.
Desse modo, ao invés de promover o conhecimento para a compreensão da totalidade, o vemos fragmentado; freqüentemente em nosso dia-a-dia cada vez mais disperso, em notícias sem seqüências, em fatos desprovidos de causalidade. É como se os fatos se gerassem a si próprios, sem antecedentes e conseqüências. O que impede que o todo e as partes se comuniquem numa visão sistêmica. O pior é que as escolas, não raro, formam pessoas que pensam que sabem, acreditam que estão aptas a enfrentar qualquer obstáculo com autonomia e qualidade total.
O que é a famosa ‘qualidade total’? Existe realmente? Para nós, não. É sempre circunscrita a determinados eventos e em constante devir. Existe, por outro lado, autonomia sem negociação coletiva? Cremos que em regimes ditatoriais até é possível. Já experimentamos do veneno. Não morremos, mas as seqüelas estão ai, na crise política e de valores que enfrentamos nas mais diversas áreas. Pôr a culpa final na imprensa é sempre mais fácil. Principalmente de modo generalizado e abstrato. Assim, lavamos as mãos e nos escondemos num silêncio prudente.
******
Tantas outras besteiras atestamos. E nem desconfiamos das lacunas de nossa formação inadequada em relação aos tempos atuais. Mas somos o país da espera e damos jeito para tudo. Ou não?
(*) Professora de Prática de Ensino e de Expressão Oral e Escrita, Unesp/Faculdade de Ciência/Bauru.’