A partir desta edição, o Observatório da Imprensa inicia uma parceria com a Casa Pública, do Rio de Janeiro, para disponibilizar o conteúdo do projeto “Conversa Pública”. É um encontro periódico com os mais destacados jornalistas em diversas áreas da profissão, onde o objetivo é buscar o debate sobre temas de atualidade na imprensa.
A Conversa Pública que transcrevemos a seguir aconteceu no dia 9 de julho, na Casa Pública, no Rio, teve como tema o jornalismo esportivo e envolveu o premiado repórter Lúcio de Castro, com passagens por grandes veículos impressos e televisivos, e Vinicius Konchinski, que se dedica à cobertura de megaeventos esportivos pelo portal UOL.
Na pauta da conversa, a corrupção na Fifa, violência no futebol e análises sobre as barreiras ao trabalho jornalístico na grande imprensa. Perguntado se o jornalismo não facilitou a vida de personagens comprovadamente corruptos do mundo do esporte, Lúcio de Castro é contundente: “Não tenho dúvidas de que a omissão do jornalismo em vários assuntos responde por muitos cadáveres no Brasil”. A entrevista, ao vivo e com a participação do público, durou duas horas. Leia abaixo os melhores trechos.
Ciro Barros: Vocês dois são pessoas que se dedicam muito à cobertura esportiva do extracampo. Que balanço vocês fazem da cobertura dos megaeventos como a Copa e a Olimpíada? Vocês acham que a gente aprendeu algo com os Jogos Pan-Americanos?
Lúcio de Castro: A gente não pode começar sem fazer a reflexão do jornalismo esportivo e do jornalismo, já que as coisas não estão separadas. Tem alguns pontos que no jornalismo esportivo ficam mais dramáticos. Eu estava na semana passada num encontro da Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo] quando falei que era uma vergonha imensa estar em uma palestra da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo em um país onde não existe jornalismo investigativo, tirando algumas iniciativas. Mas, sistematicamente, não existe. Eu dei como exemplo a vergonha maior que era falar sobre jornalismo investigativo em um país onde o principal jornal do país botou na sua manchete uma denúncia gravíssima contra uma presidente da República que avisava que as provas estavam nas nuvens. A gente tem a dimensão da gravidade disso? É nesse ambiente que nós estamos falando sobre jornalismo investigativo. Bom, a Lava Jato de certa forma é a maior prova disso. Pergunto aqui, com algum medo de errar, qual é a matéria de investigação que a gente teve nesses dois anos num país sacudido pela maior operação de sua história que não seja vazamento da polícia ou do MP? Vamos falar isso a sério. O que é fazer jornalismo investigativo no Brasil? Vamos falar do jornalismo esportivo.
A gente tem um problema muito sério no jornalismo esportivo no mundo inteiro por conta da imensa concentração dos meios e do monopólio, sobretudo a não divisão entre jornalismo e direitos de transmissão. Quando você tem os dois misturados, isso se choca. Em alguns países, empresas que detêm os direitos de transmissão de um grande evento não se abstêm de fazer jornalismo. Você tem um Andrew Jennings na BBC, por exemplo. A BBC paga milhões para ter os destaques do campeonato inglês e ele vai lá e faz as matérias dele. O jornalismo americano, com todos os seus problemas, na transmissão de um evento, coloca o Galvão Bueno deles que esbraveja que o jogo é maravilhoso. E eu acho correto! Você não vai assistir um jogo de futebol em seus 90 minutos com o cara achando o jogo merda. Mas, acabados os 90 minutos, é papel do jornalismo ver aquilo tudo em volta. Ver ali quanto de dinheiro público tem, quanto de má gestão de verbas existe. E no Brasil, infelizmente, mais dramático do que em qualquer outro país, a gente tem uma não divisão entre direitos de transmissão e jornalismo. Isso é um problema seríssimo que acarreta na nossa cobertura de grandes eventos. Deixo uma pergunta: como é que pode nenhum meio de comunicação deste país ter uma equipe de jornalismo investigativo para cobrir esporte? Isso é tão surreal. Isso dá a dimensão da vergonha que é o nosso jornalismo esportivo. Eu quero lembrar que o Brasil inventou a corrupção no esporte com o João Havelange e depois se aperfeiçoa com Ricardo Teixeira. Eu estava falando em um debate sobre isso e um colega falou que era por falta de braço. Isso é vontade política. Há preguiça de fazer. Quando há vontade, depois de três matérias, pedem a sua cabeça. O cara fala: “Lá vem esse mala me oferecer matéria de novo. Não quero isso”. E é isso que acontece aqui.
Vinicius Konchinski: Para falar sobre essa questão da cobertura dos megaeventos, a gente tem que falar da crise do jornalismo mesmo. Desde que trabalho com jornalismo, só ouço falar de cortes, de “passaralho”, de não dá para fazer. É um problema. Concordo com o Lúcio quando ele diz que mais do que dinheiro e braço a gente precisa ter vontade. Acho que a Pública é um exemplo. Se você comparar a redação da Pública com a redação do UOL, é covardia, em números. Mas tem matérias da Pública que nenhum outro jornal abordou. Você tem uma vontade de fazer um determinado jornalismo e, quando você quer fazer, é possível. Se a gente for comparar a cobertura de 2007 até 2016, houve uma melhora. O Pan era visto como um evento esportivo muito menor que a Olimpíada, e não dá para comparar, mas não teve essa cobertura de remoções, de mudanças na cidade tão grande quanto se tem hoje com a Olimpíada. A Copa colocou essa pauta na rua.
Ciro Barros: A imprensa adotou um discurso que focou muito dinheiro público e prazo de obras. Que são discussões importantes, é claro. Mas você não acha que se esqueceram das questões sociais, como a própria Vila Autódromo, na beira do Parque Olímpico? Enfim, outras situações causadas pela Olimpíada.
Vinicius Konchinski: Acho que sim. O meu trabalho é muito focado na cobertura de dinheiro público e prazo de obras. E dos trabalhos de jornalistas investigativos é o mais fácil de se fazer. Você lida com Diário Oficial, vê se tem um aditivo, se o prefeito falou que ia fazer uma coisa e fez outra. É uma cobertura relativamente simples. Então você acaba, às vezes, se pautando pelo mais fácil, seja por comodidade ou pela dificuldade de trabalhar um mês numa mesma matéria. É difícil, é complicado. Não é qualquer um que banca essa matéria.
O estigma do repórter investigativo
Concordo também que existem outros temas. Um megaevento é um mundo. Você tem violação de direitos humanos, tem prostituição infantil, tem remoções, confederações pegando dinheiro público para treinar atleta que não treina e tem obra atrasada. Será que vai ou não vai se pegar uma obra da Olimpíada na Lava Jato? Não adianta nada você fazer uma baita cobertura de grandes eventos e chamar 15 jornalistas que sabem tudo de esporte. O cara não está interessado em tratar de violação de direitos humanos. Tem que formar uma equipe plural. Hoje a cobertura dos megaeventos está relacionada ao direito de imagem. A maior cobertura é das Organizações Globo, mas é uma cobertura esportiva porque eles têm o direito de transmissão. É complicado.
Ciro Barros: Lúcio, você é um cara premiado, que ganhou tudo e mais um pouco. Suas matérias fecharam portas para você?
Lúcio de Castro: Eu tenho um pouco de cuidado para não parecer um ressentido, vítima, que não é o caso. Por outro lado, não posso não falar a situação real das coisas. Tem duas passagens que definem bem isso. Uma é o livro do Glenn Greenwald que tem uma passagem exemplar que conta que, a partir de certo momento, o jornalista que tenta fazer muita coisa será estigmatizado. Vão falar que é maluco e ele será posto à margem. E o livro Máquina de lama, do Roberto Saviano, em que ele conta exatamente como se dá esse processo. São dois caras referências e que contam isso. Os repórteres que começam a insistir muito no mesmo tipo de matéria passam a ser loucos.
Para resumir: quando você [Ciro] citou os lugares em que trabalhei, quase interrompi e disse “fui demitido de todos”. Fui demitido uma vez do SporTV, e acho que [a demissão] ilustra bem [a situação da qual estamos falando]. Eu fazia um programa de debate e reportagens, e aí um dia, em plena Copa das Confederações de 2009, me avisaram que um amigo ouviu em uma conversa, lá na África do Sul, que iam me tirar do ar. Eu tinha acabado de fazer críticas à CBF, à seleção brasileira etc. Quando o recado chegou, avisei: “Está rolando um papo de que vão me tirar do ar, eu não acredito nisso” – aquela coisa do “avisa que vai morrer”. E dali a três dias se confirmou. Logo depois, o diretor chegou para mim e disse: “Olha, estou te demitindo porque você tem um péssimo relacionamento na redação”. Falei: “Não posso ter problema de relacionamento na redação porque não vou à redação”. Eu ia duas vezes por semana fazer um programa de debate – entrava no estúdio, fazia o programa e ia embora. E para fazer as minhas matérias eu tinha montado uma estrutura em casa. Aí ele ficou meio desmontado: “Não falei que você tinha problema de relacionamento, você nem vai à redação”. Falei: “Ô, meu camarada, me demite direito, fala que estou demitido e pronto”. Depois, fui para a ESPN, teve umas mudanças e, um belo dia, me avisam, sem nenhuma explicação, que eu sairia do ar. É a única hora em que você se permite um pouco alguma falta de modéstia, você fala: “Pô, ganhei os principais prêmios da história dessa casa, fiz as principais matérias, estão me tirando do ar e não me dão uma satisfação?”. E a gente sabe o que acontece, a gente sabia o porquê daquilo – tinha mudado a direção, estavam fechando contrato de direitos de transmissão… E é por isso que, quando faço essa crítica ao jornalismo versus direitos de transmissão, não é dirigida a ninguém especificamente; é geral, vale para todas, umas em maior escala, porque têm mais dinheiro, outras em menor.
Ciro Barros: Lembro de uma matéria de capa que me marcou bastante, cuja única justificativa era que havia, no time titular, três jogadores que tinham a letra “w” em seus nomes. A matéria era um trocadilho: “o www do Timão” ou algo assim. O fato é: há uma ideia de que esse jornalismo investigativo não chega às pessoas e é caro. Será que não poderíamos alimentar no público esse interesse?
Lúcio de Castro: Continuo com a certeza, até pela minha vivência na profissão, de que essa é uma ideia torta e que é uma opção política, porque, em relação à minha história e à de outras pessoas, o retorno [de reportagens investigativas] é monstruoso. Sempre que se fizeram matérias de fôlego, grandes coberturas, matérias com investimento investigativo, o retorno foi muito bom. É claro que você não vai ter isso todo dia, tem um preço, mas o retorno sempre foi muito grande. Mostrar a bunda da fulana vai dar mais cliques. É possível que isso aconteça, mas em algum momento essa empresa vai ter que publicar algo de qualidade até como referência.
Tive um chefe que, antes de cada matéria que iríamos escrever, fazia um mapinha. “A matéria é sobre o quê?”. Aí a gente falava para ele e começava o mapinha. “Vou ter problema aqui, com esse cara aqui, esse vai me ligar, esse vai me pedir sua cabeça, mas vou segurar, esse vai me pedir direito de resposta etc.” Aí ele olhava e equilibrava tudo, identificava os problemas que teria e falava: “Pode tocar” ou “Não pode tocar”. Quando falava que envolvia o prefeito, por exemplo, ele não queria, muitas vezes. Aí falava: “Vamos ver, aprofunda isso mais um pouco”. No mapinha, ele achava que as dores de cabeça que teria não valiam a pena. E, quando ele olhava o Marinho, falava: “Esse aqui não me importo em bater de frente” ou “Esse aqui me custa caro bater de frente”. A essência disso que a gente está conversando é um pouco o mapinha desse cara. Por isso falo: é uma opção política.
Redações insuportavelmente assépticas
Além disso, as redações hoje são insuportavelmente assépticas, não têm mais barulho, parece um centro cirúrgico, e o executivo dessa redação ganha muito bem. Temos que ter isto muito claro: aquele romantismo daquele “jornalismo cachaça”, que vai ao Lamas [restaurante no Rio de Janeiro] e sai cheirando fumaça, acabou, e esse cara ganha 15 salários no ano e está de olho nos dividendos do décimo sétimo que ele vai ganhar se der resultados.
Vinicius Konchinski: Eu trabalho na internet, e na internet essa questão da audiência é muito dramática, porque você está vendo online e instantaneamente qual conteúdo está dando audiência e qual conteúdo não está. Você coloca uma foto de uma gatinha ao lado de uma matéria investigativa e vê o clique daquela foto estourar enquanto a matéria investigativa, às vezes, não dá o resultado de clique que você imagina. Agora, quando a gente pensa o jornalismo e o retorno que ele dá, não podemos pensar só em termos de clique. Concordo com o Lúcio: o jornalismo investigativo dá retorno, talvez não o retorno esperado em termos de clique – e olha que isso é discutível, porque boas matérias, matérias bem-feitas, que trazem à luz um acontecimento importante, revelador, uma relação que ninguém conhecia, dão audiência, mas não saem todo dia, demandam trabalho e esforço e são complicadas de fazer. Quando falamos sobre retorno, também precisamos contar o retorno da marca. Falando da minha realidade também, entrei no UOL em 2012 para fazer esse trabalho de cobertura dos megaeventos. O UOL viu os megaeventos como uma oportunidade de solidificar seu jornalismo. O UOL tem 20 anos, uma redação, jornalistas bons, colunistas, blogueiros, mas pensou: “Olha, nos próximos cinco anos a gente vai ter aí um assunto que vai bombar. Se a gente fizer legal, teremos uma oportunidade de ganhar audiência, porque todo mundo vai querer ver a matéria da Copa do Mundo, e ganhar relevância, porque todo mundo vai querer saber quanto custou o Maracanã, ou que há um bairro ao lado do Parque Olímpico sendo demolido”. Por isso, [o UOL] investiu em uma equipe – fui contratado nessa equipe –, e acredito que está dando retorno. Se estamos aqui debatendo e vocês convidaram alguém do UOL para participar de um debate como esse, é um retorno.
Ciro Barros: Vocês dois falaram sobre as redações. Lúcio falou da redação asséptica e silenciosa e Vinicius falou um pouco da redação que está um pouco sobrecarregada, talvez, com outras demandas que fazem com que algumas pautas escapem. Primeiro para você, Vinicius: acha que essas condições de trabalho nas redações também influenciam nesse fato de não termos mais reportagens de fôlego? Eu trabalhei em uma grande redação e era bem complicado levantar as matérias com a rotina do dia a dia.
Vinicius Konchinski: É complicado. Não dá para negar que, às vezes, falta braço, falta tempo, falta vontade, falta até sabedoria de como aplicar o seu recurso. Vamos dizer que você tem dez jornalistas na sua redação e você é o editor, tem que ter sabedoria de olhar e falar: “Esse cara vai fazer isso, esse vai fazer aquilo e esse não vai fazer nada hoje porque daqui a uma semana vai ter uma matéria boa”. Às vezes, não tem essa sabedoria também. Acho que sempre vai faltar. Se tivermos uma redação com mil pessoas, vamos reclamar que falta, mas precisa ter essa sabedoria de aplicar os recursos de forma correta.
Ciro Barros: Lúcio, você falou do mapa do seu chefe. O Ricardo Teixeira [ex-presidente da CBF] talvez fosse um ponto complicado nesse mapa, e por isso talvez ele tenha ficado 20 anos fazendo o que fez na CBF? E até o próprio Marin e esses caras da Fifa, será que o jornalismo não facilitou um pouco a vida dessas pessoas?
Lúcio de Castro: Eu não tenho a menor dúvida. Da mesma forma que a gente vê – e agora isso tem sido muito dito no Brasil pelo Ministério Público etc. – que a corrupção resulta em morte etc., não tenho dúvidas de que a omissão do jornalismo em vários assuntos responde por muitos cadáveres no Brasil. O futebol brasileiro ter virado o que virou com o material humano espetacular que produz, não tenho dúvida de que é muito também pela omissão do jornalismo.
Dunga o intermediário na venda de jogadores
Um exemplo prático: como é que você tem um Dunga técnico da seleção durante seis anos? Fiz uma matéria, quando ele não era técnico, mostrando que havia feito intermediação de jogadores como empresário – essa matéria foi feita com documentos públicos, mostrando a comissão dele etc. –, e aí ele vai em um programa de TV e fala na cara de 20 jornalistas que os documentos da minha matéria eram falsos. Claro que dou um pulo da cadeira na hora, ligo [para a emissora] e digo: “Ninguém vai falar? Me bota no ar, o cara está falando de mim”. E é claro que não me botaram.
Natalia Viana: Lúcio, você falou lá atrás que o Brasil inventou a corrupção no futebol e mencionou o João Havelange. Acho que um dos benefícios de ter você aqui é a gente conseguir entender essa história. Por que o Brasil inventou a corrupção no futebol? Qual é essa história?
Lúcio de Castro: Se não inventou, está muito próximo disso. O João Havelange é um cara muito articulado. Para resumir brevemente: para ser eleito presidente da Fifa, ele colocou no mapa países para votar nele que não tinham futebol. E fez isso por meio de grana, distribuindo favores. E depois ampliou isso durante a sua presidência da Fifa. Se existia antes, e certamente existia, ele sistematizou com grandes empresas, grandes marcas, direitos de transmissão. E depois quem continuou manteve esse legado. Quer dizer, o mundo deve ao Brasil essa medalha do cara que sistematizou a corrupção.
Natalia Viana: Como que funciona essa corrupção? Venda de ingressos?
Lúcio de Castro: Por vários caminhos. O principal deles é direitos de transmissão que vimos com esse escândalo da Fifa nos Estados Unidos. E aí eu acho até que a gente pode chegar ao Maracanã. Porque o Maracanã, e essa é a ferida que não fecha… Destruíram um patrimônio histórico por corrupção na nossa frente. Além da corrupção dos 5% para um político e etc., existe a corrupção num grande evento dos pacotes de hospitalidade. Que a gente até mostrou em uma matéria da Pública e depois da Olimpíada. Você não tinha como vender pacotes de hospitalidade para uma final no antigo Maracanã. Então eles destroem um patrimônio histórico para construir camarote. E passa isso ao arrepio da lei porque precisa vender camarote porque os caras da Fifa estão na parada.
Vinicius Konchinski: Só para fazer um complemento do que o Lúcio contou. É legal quando ele fala que o Havelange inventa a corrupção, porque é realmente um padrão que se perpetua. O último presidente da Fifa foi eleito com uma promessa de se expandir o número de vagas na Copa do Mundo. Ou seja, ele ganha um apoio político. “Putz, minha seleção nunca conseguiu se classificar, aí é uma chance de eu colocar, vou votar nesse cara.’. O presidente da CBF… A gente fez uma matéria sobre o Marco Polo Del Nero não faz muito tempo. Como a seleção está tão mal, tem tanta notícia de corrupção sobre a CBF, tanta coisa acontecendo e o cara não cai. Ele não cai também porque todos os dirigentes estaduais estão ganhando uma participaçãozinha no que está acontecendo.
Paula Rezende: Como vocês viram o impacto das redes sociais na cobertura de grandes eventos. Vocês acham que essa nova forma de interação estimula algo como o jornalismo investigativo ou vocês enxergam nesse espaço algo mais imediatista, mais sensacionalista?
Lúcio de Castro: A gente nunca pode perder de vista alguns pontos. As redes sociais são uma realidade social ótima, fundamental, é maravilhoso que existam. Mas a gente vive essencialmente em um país que tem uma concentração imensa de mídia na mão de uma mesma empresa. Então, com toda a questão das redes sociais, a questão agora do golpe mostrou isso mais do que nunca. E a gente tem que ter muita clareza com relação a isso. O Ricardo Teixeira, talvez a única coisa boa que ele tenha falado na vida, é a célebre frase: “Se não saiu no Jornal Nacional, caguei”. E é verdade. No Brasil, dramaticamente, a gente ainda tem essa realidade por causa dessa concentração do monopólio das empresas. Você coloca na internet, vai ter 500 mil pessoas nesse momento lutando contra o golpe, mas zero pessoa na rua, no momento. Isso é outra reflexão. Ao passo que, no momento em que eles colocam a gravação do Lula no Jornal Nacional, o cara vai imediatamente para a rua.
A onça e a tocha
Vinicius Konchinski: As redes sociais no jornalismo investigativo são uma coisa natural. Tem assunto que repercute, tem assunto que não rende. Mas estou vendo a repercussão aumentar. Em jornalismo investigativo, por exemplo, agora mataram a onça lá na tocha. O assunto surgiu nas redes sociais. E está desse tamanho por causa das redes sociais. Teve um assunto agora mais recente ainda que foi a questão da religião afro dentro da Vila Olímpica. Também é um assunto que não foi noticiado em nenhum grande veículo. O assunto cresceu e o comitê organizador resolveu se pronunciar. Eu acho que para medir esse efeito vamos ter que esperar mais um pouco. Não dá para cravar, mas acho que está crescendo.
Natalia Viana: Quanto custou o Maracanã e por que agora a concessionária abandonou o Maracanã?
Vinicius Konchinski: É absurdo todo esse processo do Maracanã. Quanto custou o estádio ainda é uma incógnita. Hoje está em R$ 1,2 bilhão. Começou custando R$ 700 milhões na licitação. O plano que eles tinham de transformar o Maracanã em um templo do futebol estilo shopping center não deu certo. Eu não sou carioca, mas lá do Paraná eu falo: “Poxa, é o maior estádio do mundo, todo mundo quer ir no Maracanã”. Ele não é mais o mesmo estádio. O brasileiro tinha uma certa tradição que era ir ao Maracanã, ir na geral, se encontrar lá, confraternizar com todo mundo. Isso foi rompido com essa reforma e essa tentativa de transformar ele num shopping center.
Inês Estrada: Eu queria saber dessa história da violência no futebol. A que vocês atribuem isso? Quer dizer, será que é um reflexo da violência geral da sociedade?
Vinicius Konchinski: Sou da opinião que a violência é da sociedade. Eu gosto de ir ao estádio, vou ao estádio com a minha esposa, a gente gosta de ir na torcida. A grande maioria das pessoas que vai ao estádio não quer violência, mas o Brasil é um país extremamente violento. Tem gente com arma na rua, tem gente morando em lugar que é dominado por facção criminosa, enfim… É um problema social que acaba extrapolando para o estádio de futebol. É legal a gente analisar até os últimos acontecimentos. As brigas entre torcidas organizadas continuam, mas as brigas estão acontecendo hoje fora dos estádios. Eu não posso acreditar que isso tenha uma relação com o futebol estritamente. É uma relação que eu nem sei explicar.
A elitização dos estádios de futebol
Lúcio de Castro: Acho assim: a gente também tem problema nessa área na cobertura de jornalismo por realmente pouco preparo para entender como fenômeno social tudo isso. No Brasil, a gente tem umas pessoas muito sérias tratando do assunto. Eu destaco o trabalho do Maurício Murad e, acima de tudo, o trabalho – que esse é um trabalho de estiva e também intelectual brilhante – do Bernardo Buarque de Hollanda, que trabalha muito sobre esse tema e mergulhou nesse assunto a vida inteira. E a gente tem essa falha enquanto imprensa para entender tudo isso e para cobrir de uma forma correta e honesta o que acontece. Tem várias questões, entre elas: qual foi a solução que encontraram no Brasil? Um processo brutal de elitização dos estádios que tem como um dos seus principais argumentos resolver o problema da violência criminalizando a pobreza.
Luísa de Andrade: Sobre junho de 2013 e as manifestações, vocês acham que deixaram um legado para o jornalismo esportivo?
Lúcio de Castro: Talvez tenha sido um dos grandes momentos da mídia alternativa. Acho que nesse sentido, sim. Quanto a algum legado, não sou otimista. Acho que a gente não aprendeu porra nenhuma.
Ciro Barros: Para fechar a conversa, tanto na Copa quanto na Olimpíada, o governo e as pessoas interessadas na realização dos megaeventos conseguiram vender facilmente a ideia. A gente não comprou muito facilmente essa ideia? Será que a nossa imprensa está cumprindo esse papel de desconfiar mais?
Lúcio de Castro: Com certeza. Da mesma forma que faço hoje milhões de críticas à imprensa, do outro lado fiz ao governo que passou nessa questão. Vendeu-se um discurso inacreditável, que foi questionado até na imprensa porque no fundo era tudo para legitimar a sacanagem, legitimar o roubo, a roubalheira, a escrotidão, enfim. A gente viveu naquele momento, tanto de Copa do Mundo como hoje, um discurso de que aqueles grandes eventos iriam reforçar ao mundo a imagem que, na verdade, se você pega todo o discurso, toda literatura, toda a imprensa da Copa de 1950, era o mesmo discurso. É surreal que 60 anos depois o Brasil, tendo uma outra posição estratégica no mundo, uma outra inserção até na geopolítica do mundo, que o país estivesse com o mesmo discurso de 50. Se o João Havelange inventou a corrupção, vou exagerar aqui, a imprensa brasileira, se não inventou, aperfeiçoou ao extremo uma coisa que é a pluralidade à brasileira. Isso hoje em dia é um fenômeno social, mas no Brasil é extremo como nunca. Você tem hoje a pluralidade de opinião. A opinião, acho do cacete. Dei opinião dez anos seguidos, acho bom, adoro um canal de expressão, todo mundo gosta. Mas o que muda essa porra é jornalismo. O que muda essa porra é reportagem. O que faz a diferença é reportagem.
Vinicius Konchinski: Nessa questão de valeu a pena ou não, fomos enganados. Se vendeu um discurso de que iria mudar tudo, de que a Copa valeria a pena, que entraria mais dinheiro do que sairia e tal. É triste a gente chegar a essa conclusão a essa altura como sociedade. Não dá pra gente, apesar de a gente saber claramente que todos os benefícios não virão, que pelo menos venha um mínimo de benefícios. Cabe à gente cobrar até o final.