ARTE
A Bienal do Vazio, 30/11
‘Achei corajosa e necessária a iniciativa de Ivo Mesquita curador da próxima
Bienal em São Paulo de colocar em xeque a própria instituição, pretendendo
deixar todo um andar vazio, outro andar para um arquivo histórico do evento e
outro para performances e exibição de vídeos.
Há vários anos que muitos artistas deixaram de ir à Bienal, porque consideram
uma perda de tempo. Há vários anos que a imprensa está dizendo que o modelo
desse tipo de exposição já se esgotou. Há vários anos que milhares de pessoas
que vão lá movidas por grande publicidade perambulam como zumbis entre as obras
sem entender o que os instrutores decoraram e lhes repetem.
Já está passando da hora de repensar a arte do século XX. A psicanálise que
aflorou naquele século, está se repensando desde os anos 60; o marxismo que,
também naquele século, teve sua prova real, está sendo repensado. Por que não se
quer repensar a arte do século XX? Um século que teve acertos tão grandes e tão
trágicos equívocos tem que ser reexaminado em todos os ângulos.
Um crítico alegou que seria absurdo fazer ‘ uma bienal sem arte’. Contudo,
Isto já ocorre há muito. Dentro e fora do Brasil. Há até um livro, de 1994,
tratando exaustivamente disto- ‘Artistas sem arte?’ de Jean -Phillipe Domecq.
Como diz Jean Clair, que dirigiu o Museu Picasso e foi o responsável pela
primeira retrospectiva de Duchamp em 1977, no Beaubourg, ‘ Poucas épocas como a
nossa terão conhecido um tal divórcio entre a pobreza das obras que produz e a
inflação de comentários que a menor delas suscita. Mais a obra é minguada, mais
sábia a sua exegese’.
Há mais de 20 anos a França discutiu as aporias da arte de nosso tempo como
está no volume que sintetiza as polêmicas ‘(Toda)arte contemporãnea é inútil?’
de Patrick Barrer. Em todos os países, até mesmo na recém reinventada Slovênia,
críticos e historiadores estão desencadeando uma revisão dos conceitos de arte.
Certas pessoas, que não podem ser acusadas de ignorantes, como Levi-Strauss,
Paul Valery, André Gide, Eric Hobsbawn, Mircea Eliade, Pierre Bourdieu, Edward
Wilson, Jean Baudrillard, Rodolf Arheim, Frederic Jameson, Theodor Adorno, entre
muitas, iniciaram um diagnóstico das falácias de certo tipo de arte que virou ‘
arte oficial’. E, no entanto, um determinado ‘sistema’ gerido por interesses que
não têm nada a ver com a arte continua autoritariamente a exercer o seu autismo,
o seu solipsismo.
Se até teóricos de outras áreas estão vendo que o rei está nu, porque
insistem em não rever as falácias dentro dos muitos acertos?
Não é à toa que Thomas S. Khun, no seu célebre livro, de 1962, explicando
como se dá a ‘mudança de paradigmas’ na ciência e nas artes, já havia dito : ‘
Nos nossos dias, as pesquisas desenvolvidas em certos domínios da filosofia, da
psicologia, da linguística e mesmo da história da arte tendem a sugerir que há
qualquer coisa que não vai bem com o paradigma tradicional’. Há mais de 40 anos,
portanto, ‘ qualquer coisa não vai bem’ também no domínio da arte. Historiadores
dizem que a pós-modernidade entrou em declínio nos anos 80,o que complica um
pouco mais certos ‘ contemporâneos’.
Vivemos um paradoxo perfeitamente diagnosticável. São os críticos que não
fazem parte do sistema os que podem ver mais claramente os equívocos e sugerir
caminhos. No entanto, Ivo Mesquita está se dando a si e aos seus companheiros
uma chance histórica única. Quem sabe um país na periferia da pós-modernidade,
pela sua singularidade, acabe desencadeando com criatividade uma revisão que
outras bienais um dia adotarão?
Que se considere, no entanto, a advertência de James Gardner em ‘Arte ou
lixo’: ‘ é provável que os artistas contemporâneos, em vez de incentivar a arte
do futuro, acabem por atrasar seu nascimento, do mesmo modo que os laureados e
medalhados artistas oficiais dos salões de arte do século passado tentaram
impedir o surgimento do Modernismo’.
O vazio já estava há muito dentro da Bienal. Faltava coragem para pensá-lo.’
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