Os principais jornais do país, aqueles que circulam nas capitais e cidades mais importantes, absorveram bem a decisão do Banco Central de reduzir pela segunda vez consecutiva a taxa básica de juros em 0,5%. A medida era tão esperada que não foi manchete unânime, como ocorreu na reunião anterior do Comitê de Política Monetária (Copom).
Também desapareceu dos jornais a versão segundo a qual o atual governo havia imposto ao BC a decisão de reduzir os juros, acabando com a autonomia da instituição. Ou quase desapareceu: o Globo informa que o BC cortou “só” 0,5%, taxa que reflete a expectativa do mercado, resistindo a uma suposta pressão do Palácio do Planalto, que pretendia um corte maior.
Aposta abandonada
Pelo menos houve esse avanço no noticiário de 45 dias atrás, data da reunião anterior do Comitê de Política Monetária: agora a imprensa já acredita que o Copom não se curva automaticamente aos desejos do governo, como foi declarado explicitamente por praticamente todos os jornais genéricos quando a taxa Selic caiu de 12% para 11,5%, no final de agosto passado.
Naquela ocasião, só faltou os jornais promoverem o obituário político do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Ele chegou a ser chamado de burocrata, subserviente e desqualificado para o cargo, e acusado explicitamente de haver entregue de mão-beijada ao Executivo a autonomia do BC.
Desta vez, porém, confirmado o agravamento da crise financeira internacional, conforme foi previsto pelo Copom, os comentários são até elogiosos. De qualquer modo, fica registrado que os jornais se movem quase exclusivamente pelo que os editores chamam de “a expectativa do mercado”. Seja lá o que isso signifique.
Se o senhor “mercado” entendia, há um mês e meio, que o eventual aumento de alguns preços significava a volta da inflação, e que por isso não era recomendável baixar os juros, então a imprensa estava convencida de que os juros deveriam ser mantidos. Como o Comitê de Política Monetária contrariou o mercado, então aquilo só podia ser resultado de pressões do governo.
Mas desta vez a coisa é diferente: segundo os jornais, o “mercado” já tinha uma expectativa diferente, porque, afinal, a inflação não continuou subindo e há sinais de que os preços podem cair até 2 pontos porcentuais até o final do ano. Mais do que isso, porém, o que aconteceu é que os investidores entenderam a estratégia do governo e deixaram de apostar nos juros elevados para os próximos meses.
Quem ganhou, ganhou; quem não ganhou vai buscar o lucro em outras aplicações.
E a imprensa?
A imprensa, de modo geral, coleciona suas patacoadas. Quem gosta de guardar recortes de jornais pode se deliciar com as análises publicadas na primeira semana de setembro.
Atrelados a suas fontes no mercado, os jornalistas do setor e analistas acreditados na mídia se sentiram pessoalmente ofendidos por terem sido surpreendidos pela decisão do Copom em 31 de agosto.
O cenário era o seguinte: a inflação acumulada de doze meses resistia acima da meta de 6,5% e o câmbio dava sinais de descontrole. Para a maioria das opiniões divulgadas pela imprensa, a decisão do BC de baixar os juros em 0,5% naquela ocasião só podia ser resultado de subserviência aos mandamentos do governo, que, segundo muitos comentaristas, estaria desmontando a estratégia macroeconômica que garantiu a estabilidade na última década. Então, diziam os especialistas mais respeitados pela imprensa, o governo estaria relaxando a disciplina fiscal, abandonando as metas de inflação e amarrando o câmbio.
Chegou-se a dizer que tudo isso estava sendo feito em nome do crescimento a qualquer custo e, claro, com interesse eleitoreiro. O capítulo seguinte seria o Armagedom.
Nesta quinta-feira (20/10), os jornais dizem que o presidente do Banco Central se equilibra entre as críticas do mercado financeiro e as pressões do Executivo, personificadas no ministro da Fazenda Guido Mantega e na própria presidente da República.
De repente, Tombini passa de figura pálida e fragilizada a estadista que busca a administração moderada da política monetária. Pouca ou nenhuma referência ao processo decisório do Comitê de Política Monetária, que inclui modelos matemáticos muito complexos trabalhados por um corpo de especialistas aos quais a imprensa não tem acesso. Mesmo que tivesse, são raros os jornalistas capacitados a entender essas equações e é difícil destrinchar na Redação todas as variáveis que são postas na mesa para análise do Copom.
Além disso, se há pressões do governo sobre o Banco Central, trata-se de movimento legítimo, assim como cada setor da economia tem seus meios de defender o que considera mais conveniente.
O que não pode é a imprensa, quase em unanimidade, funcionar como despachante do “mercado”.