Em apenas três semanas, duas admissões de erro solenemente consignadas na capa do jornal. Mantido o ritmo, em 2016 a “Folha de S. Paulo” poderá arrebatar com facilidade o troféu de campeã nacional de equívocos.
O novo tropeço, registrado na primeira página do domingo, 29/11, foi contestado pela própria vítima, o presidente do BNDES, o economista e professor da Unicamp Luciano Coutinho, em texto acolhido na página A-3 com lacônica estocada — “A Folha Errou”.
A partir do dia 1/11 em reportagens seguidas o jornal vinha acusando o banco de suavizar as exigências para concessão de crédito ao pecuarista José Carlos Bumlai por conta da sua suposta relação com o ex-presidente Lula. Trocando em miúdos: estaria praticando o abominável tráfico de influência.
As gestões para a publicação da reparação duraram exatos 25 dias durante os quais o jornal recusou-se teimosamente a reconhecer o erro. A vítima ameaçou recorrer à recém-aprovada Lei de Direito da Resposta (que as entidades representativas da mídia querem anular por inconstitucional), levando a “Folha” a fazer uma concessão – ao invés da retratação exigida o jornal ofereceria o espaço para uma resposta do acusado, devidamente destacada.
Negócio fechado. Pergunta-se: e se o prejudicado pela falsa informação fosse um cidadão, empresa ou entidade sem o poder de fogo do BNDES, o resultado seria idêntico? Evidentemente, não.
Jornais, rádios e TV martelaram nos últimos dias de Novembro a informação vazada pelos investigadores da Lava Jato de que a empresa de Luís Cláudio, filho do ex-presidente Lula, serviu-se de textos copiados da Wikipédia para enriquecer o projeto pelo qual recebeu dois milhões e meio de reais de um conhecido lobista. Problema deles. Mas o que tem a Wikipédia a ver com isso?
Se nossos jornalistas e opinionistas tivessem competência e discernimento para utilizar ferramentas de busca da Internet nosso jornalismo talvez fosse menos precário e mais denso. Os jornais compartilharam irresponsavelmente uma ilação capciosa e subjetiva fornecida por fontes oficiais interessadas apenas em achincalhar um suspeito sem se importar com os estilhaços que atingiram a imagem de uma fundação sem fins lucrativos que desenvolve um espetacular projeto de produção de conhecimento tão importante como o foi a Enciclopédia de Diderot no fim do XVIII.
Os jornalões pediram desculpas à Wikipédia pela perversa utilização da sua marca? Não pediram nem pedirão. A Wikipedia não tem força política, não exigirá retratações, nem reparações. Embora às vezes acolha asneiras, calúnias e canalhices é uma parceria universal, voluntária, em busca da informação correta.
A chamada da primeira página da “Folha” para o artigo de Luciano Coutinho em defesa dos procedimentos do BNDES foi enterrada no canto inferior, sepultada por transcendentais assuntos como o novo visual da belíssima e dulcíssima Maju, também Coutinho, a moça do tempo transformada em estrela.
Como todas as modas & modismos produzidos por uma mídia infantilóide & provinciana, esta de bater no peito e proclamar o erro, logo estará obsoleta. Falta-lhe candura e sinceridade para transformar-se em instinto e natureza.
Leia mais em “O mea culpa e o direito de resposta”
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Alberto Dines é jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa