Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crimes, desastres e o jornalismo-folhetim

O que o assassinato do turista Grégor Erwan Landouar e a queda do vôo TAM 3054 têm em comum? A tragédia? A morte prematura? A impotência ante a dor que poderia ter sido evitada? A desesperança da sociedade? O déjà vu? A certeza de que são fatos que, de um modo ou de outro, vão se repetir? A busca de culpados, reais e imaginários? A crua admissão de que agora é tarde? A desconfiança, a convicção de que tudo sempre converge para a impunidade ou para a indulgência criminosa?

O francês Landouar foi assassinado em 10 de junho, na saída de um bar dos Jardins, região nobre (ou seja, próspera) de São Paulo. Como supostamente havia assistido à Parada Gay e estava em companhia de homossexuais, a hipótese mais aventada, na época, foi a de uma bestialidade motivada pela intolerância (ver ‘Crime de Primeiro Mundo?‘). Nesses últimos dias, contudo, divulgou-se uma nova possibilidade. De acordo com a polícia, não há indício de que tudo tenha acontecido por razões (?) homofóbicas. Em entrevista coletiva, o delegado Antônio Carlos Cândido de Araújo afirmou ter um suspeito na manga. Assim reporta o portal G1:

‘Segundo o delegado, o crime foi uma forma de `extravasar o ódio´ que o grupo que agrediu o francês sentia. Na noite de 10 de junho, um jovem de 23 anos detido nesta quarta-feira (1º) e outros dois amigos teriam brigado com uma gangue rival próximo ao Bar Bocage, na Consolação. Eles teriam `levado a pior´ no confronto e desceram até a Alameda Franca `com muita raiva´, de acordo com a polícia. `Eles queriam extravasar a situação de terem se dado mal anteriormente com um grupo rival´, afirmou o delegado. Ao encontrar um grupo de aparência física mais fraca, os três deram início às agressões’.

O que o assassinato do turista Grégor Erwan Landouar e a queda do vôo 3054 teriam em comum? Não se arrisque e crave apenas uma resposta. Na falta das certezas do pré, fique com apenas uma do pós: em ambos os casos, a cobertura deveria ter sido jornalística, mas, por pressa, imprudência, apego ao oficialismo e desapreço pela investigação, tornou-se folhetinesca.

São páginas romanescas que, a cada capítulo, capturam as emoções ao sabor de uma hipótese que se afirma, e, a seguir, de uma afirmação que se materializa no próprio fato. Que acaba se desmentindo por uma nova hipótese fadada a andar em círculos, como a anterior.

Por que dois aviões devem cair?

Não por acaso, tivemos e ainda temos uma miríade de ‘infoversões’ para as causas do acidente em Congonhas. Antes mesmo, na pressa, chegou-se, na GloboNews, a divulgar o número errado do vôo fatal, poucos instantes após o desastre. A emissora teve de corrigir a notícia, minutos depois, não sem ter matado muita gente do coração. Coloque-se na pele dos amigos e familiares daqueles que estavam no outro avião, aquele que não caiu…

No curso das investigações que se sucederam, fomos todos colhidos por ‘certezas’ que nos foram sopradas pelas mais diversas fontes. Soubemos que o avião caiu porque a pista estava molhada; que caiu porque a pista não tinha ranhuras; que caiu porque a pista fora entregue com obras pela metade; que caiu porque a pista era, e ainda é, curta demais; que caiu porque havia um caos aéreo no país; que caiu porque a culpa era do governo federal; que caiu porque a culpa era de todos os governos: do município, do estado e do Brasil, por terem permitido um aeroporto como aquele: pista curta, muito movimento e um sem-número de prédios e avenidas no entorno; que caiu porque um reverso estava inoperante; que caiu porque não se poderia voar assim; que caiu porque essa mesma aeronave já apresentara defeitos, dias antes; que caiu porque os pilotos erraram na hora de posicionar os manetes; que caiu porque, talvez, os pilotos tenham acertado, mas o computador, falhado…

Poderíamos, também, relacionar as hipóteses das causas do acidente do vôo Gol 1907, aquele que nos remete a fragmentos-chave como Legacy, controle aéreo e pilotos americanos sobre a selva. Teríamos aqui um efeito semelhante, decorrente das ‘infoversões’ que se revezaram, não muito tempo atrás, até serem ofuscadas pelas outras, mais recentes.

Por que dois homens devem morrer?

Não se sabe ao certo por que o turista francês morreu. Cada hora se diz uma coisa.

Landouar era homossexual? Landouar não era, diz a voz corrente. Landouar estava apenas se divertindo em um país exótico que sempre sonhara conhecer. Landouar não seria apenas turista. Teria vindo ao Brasil a trabalho. Landouar fora vítima de carecas fissurados em acabar com gays; ou com os que andam com gays… Ou, ainda, com qualquer pessoa que apareça pela frente. O G1 faz bem em ressalvar:

‘Apesar de o delegado negar qualquer relação com homofobia, foram encontradas várias páginas de um site de relacionamento na internet em que o preso afirma ter aversão a homossexuais’.

Isso pode explicar? Pode, mas não é tudo. Carecas neonazistas, punks desgovernados ou, simplesmente, débeis mentais inspirados no filme Laranja Mecânica, clássico de Stanley Kubrick, não costumam gostar de homossexuais. Como, de resto, não costumam gostar de nada que respire.

Haveria um garçom no meio do caminho? Na noite do dia 22 de junho, portanto 12 dias depois da morte do francês, John Clayton Moreira Batista bebia em um bar, também nos Jardins, quando, em meio a uma pancadaria gratuita e geral, foi agredido por punks. Esfaqueado por um deles, Batista, jovem garçom que apenas se divertia com os amigos, acabou morrendo no hospital.

A ‘infoversão’ do momento é esta: o suspeito preso pode estar envolvido nessas duas mortes.

Trata-se de mais uma ‘infoversão oficial’, como muitas outras que, em conseqüência da repetição e da falta de uma investigação jornalística à altura dessa expressão, deverá preponderar na mente e no coração do público. Amanhã poderemos ter outra. Até o capítulo final do folhetim, que, uma vez lido, dará lugar a um outro qualquer.

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Jornalista