‘Façamos a hipótese de que certas redações caiam sob a tutela de investidores financeiros que só buscam os lucros rápidos. Se as mudanças organizacionais e econômicas praticadas nesse domínio, ao mesmo tempo sensível e central, colocam em perigo os critérios do jornalismo em uso, é a esfera pública política que é atingida em seu cerne.’ (Jürgen Habermas, em artigo publicado no Monde de 22 de maio de 2007).
Se considerarmos a assertiva de Habermas, o futuro de Le Monde não deve interessar apenas ao leitor do jornal, mas a todos os franceses preocupados com o futuro da imprensa independente. Principalmente porque Le Monde é o jornal de referência na imprensa francesa. Mas também porque o estatuto do jornal, adotado em dezembro de 1994, proclama a sua independência total de ‘todos os poderes’.
Le Monde é hoje não apenas o jornal francês de maior prestígio e que vende 350 mil exemplares por dia (o terceiro mais vendido). É também o poderoso grupo, verdadeiro império de comunicação, que possui publicações semanais como Télérama, ou mensais como Courrier International, Le Monde des Religions, Les Cahiers du Cinéma, além de mais de uma dezena de diários e rádios regionais.
A dinâmica de crescimento e transformações do grupo foi obra do jornalista Jean-Marie Colombani, o poderoso diretor do jornal e presidente do diretório do ‘Conseil de Surveillance’ [conselho de supervisão], que dirige o grupo midiático. Colombani é o diretor mais emblemático do vespertino depois de seu fundador Hubert Beuve-Méry, que criou a Société des Rédacteurs em 1951, sete anos após a fundação do jornal.
Direito de veto
Se Le Monde não fosse ‘o’ jornal de referência que é, Libération, o concorrente natural, não daria uma primeira página em 23 de maio com a principal matéria dedicada à crise que vive no momento o grupo, envolvido nas peripécias da eleição do presidente do diretório que governa o império de comunicação.
O voto dos jornalistas reunidos na Société des Rédacteurs (que detém 21,8% do capital do grupo) foi decisivo para decretar o afastamento de Colombani da direção do jornal e da presidência do diretório, depois de mais de 13 anos de gestão forte mas, pelo visto, longe de fazer unanimidade. Para ser reeleito para mais um mandato de seis anos nos dois cargos, Jean-Marie Colombani precisava, segundo os estatutos, obter 60% dos votos da Société des rédacteurs du Monde (SRM). Mas, na assembléia-geral de 22 de maio, a SRM lhe deu apenas 48,5% dos votos. Sem 60% da confiança dos jornalistas, ele não pode continuar à frente do jornal e do grupo, mesmo se 90,4% dos executivos e 67,6% dos empregados do grupo se manifestaram a favor da renovação de seu mandato.
Os jornalistas do Monde devem ter esquecido que Colombani sempre lutou para preservar as prerrogativas da Société des Rédacteurs du Monde, inclusive aquela que lhes dá o direito de vetar ou aprovar o nome que vai dirigir a redação por um mandato de seis anos.
Reforma em junho
Libération explica essa percentagem abaixo dos 60% necessários como uma crise de confiança da redação num diretor acusado de ‘governar sozinho, como um monarca absoluto’. As dívidas do jornal, que alcançam 100 milhões de euros, também contam nessa crise e estão na origem da busca de capitais externos que incluem o grupo Lagardère, o grupo Prisa (El País), o Crédit Mutuel e o semanário Nouvel Observateur, entre outros, que já controlam 47% do capital do grupo.
A edição de sexta-feira (1/6) do Monde dedicou duas páginas ao tema para explicar aos leitores como o jornal é dirigido e quem é quem nesse complexo grupo de comunicação. A partir de agora, o financista Alain Minc, presidente do ‘Conseil de Surveillance’, examinará as candidaturas para escolher o candidato com mais chances de ter a maioria dos votos de acionistas e jornalistas. O grupo vive uma situação delicada que perdurará até fim de junho, quando o novo nome apresentado por Minc será ou não aprovado pela sociedade de redatores do Monde e pelas outras instâncias com direito a voto.
Mas o jornal discute neste mês de junho uma reforma para separar os dois cargos até agora concentrados nas mãos de Colombani. Se aprovada, as funções de presidente do grupo e diretor do jornal serão ocupadas por pessoas diferentes.
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Jornalista