Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crítica interna

15/12/06

O escândalo do aumento salarial que os congressistas se concederam é a manchete de todos os grandes jornais, com exceção dos de economia. Alguns evitaram editorializar a decisão e apenas a registraram:

Folha – ‘Salário de parlamentar sobe 91%’.

‘Estado’ – ‘Parlamentares dobram salário’.

‘Globo’ – ‘Parlamentares dobram salário para R$ 24.600’.

Os jornais de banca trouxeram a notícia para o bolso dos seus leitores:

‘O Dia’ (RJ) – ‘Seu aumento é de R$ 25 e o de deputado, de R$ 12 mil’.

O ‘Extra’ ilustra a manchete – ‘Deputados dobram os próprios salários’ – com as fotos do presidente do Senado, Renan Calheiros – ‘Máximo – Ele ganha R$ 12 mil e agora vai para R$ 24 mil’ –, e de um garçom – ‘Mínimo – Ele ganha R$ 350. E não sabe se passará a R$ 375’.

E o ‘Correio Braziliense’ não teve meias palavras: ‘Os caras-de-pau’.

‘Estado’ e ‘Globo’ mantêm o caso Pimenta Neves na Primeira Página, e com razão: ‘Polícia considera Pimenta foragido’ (‘Estado’) e ‘Pimenta Neves quer privilégio para se entregar’ (‘Globo’). É outro escândalo que merece a atenção do jornal.

O jornal avança o sinal quando informa, na Primeira Página, que Oscar Niemeyer ‘se diz decepcionado com Lula’. O que o arquiteto disse para a Folha é que ficou surpreso, daí o titulo da reportagem interna – ‘Niemeyer se diz surpreso com restrição de Lula à esquerda’ (A12). O termo ‘decepção’ foi usado pelo jornal sem aspas e segundo relatos de amigos do arquiteto. É até possível que ele tenha ficado decepcionado, mas o título correto do jornal deveria ser ‘surpreso’.

O ‘Estado’ se preparou e saiu com um caderno especial sobre a nova lei das micro e pequenas empresas.

Salários

Achei bem feita a cobertura do aumento salarial dos deputados e senadores (A4 a A7), sem histeria ou sensacionalismo, mas com todas as informações que demonstram o que o editorial do jornal definiu como ‘escárnio’.

Mais uma vez, no entanto, a Folha esquece a sua própria base geográfica. Segundo o ‘Estado’, o efeito cascata da decisão do Congresso já começa pela Assembléia Legislativa de São Paulo. Os salários dos deputados estaduais paulistas subirão de R$ 9.635 para R$ 18.375.

O jornal traz, na sua Edição SP, na página A5, a relação dos congressistas que participaram da reunião com os presidentes da Câmara e do Senado que aumentou os seus salários (‘Presentes na sessão’). O correto teria sido indicar, na relação, os deputados que foram a favor e os que foram contra. O registro é importante para a imagem pública de cada um daqueles políticos.

Quem?

A nota ‘Força Sindical faz críticas à Lei do Esporte’ (A12) é tão curta que sequer informa quem é Régis Frati, que fala em nome da central de trabalhadores. O jornal supõe que todos saibam.

‘Esporte’

São muito mais fortes as declarações do técnico do Internacional, Abel Braga, à Rádio Gaúcha (reproduzidas pelo ‘Globo’) do que as que a Folha registra na retranca ‘Abel reclama de inércia mexicana e provoca rival’ (D1). Segundo o ‘Globo’, Abel teria dito: ‘O Barcelona jogou sozinho. (…) Contra o Inter vai ter duelo. Tem que fazer falta dura, os caras têm que sentir o ferro’.



14/12/06

A Folha tem informações, recolhidas de fontes não identificadas, que indicam que o Planalto trabalha ‘reservadamente’ com uma previsão de crescimento econômico menor do que o presidente anunciara após a reeleição: ‘Lula já admite que país crescerá menos que 5% em 2007’. No relato que faz da reunião do conselho político (página A8), o jornal colheu impressão que confirmaria a informação da manchete: ‘Num tom que já admite que dificilmente alcançará os 5% de crescimento do PIB que prometeu, Lula falou que as medidas que pretende implementar precisariam contar com apoio dos aliados’. O jornal deveria ter reproduzido alguma frase do presidente que ilustrasse o ‘tom’ percebido pela reportagem. As reclamações do presidente em relação ao que ele considera entraves para o crescimento já não são novidades para que sejam entendidas como este ‘tom’, que é a novidade.

O ‘Estado’ destaca que ‘Empresas aéreas querem FAB fora da aviação civil’ e o ‘Globo’ que ‘Cidades médias do país concentram a riqueza’.

Conselho e movimentos

Estão incompletos os relatos feitos pelo jornal dos dois encontros de ontem do presidente Lula com os presidentes dos partidos aliados (o conselho político) e com os líderes dos principais movimentos sociais. A cobertura do jornal (A8) se preocupa com a reconstituição dos encontros, mas omite as reivindicações que foram encaminhadas ao presidente. Embora muitas vezes estas reivindicações sejam para inglês ver, o jornal deveria levá-las a sério e publicá-las para que o leitor tenha noção dos temas, propostas e exigências que estão em jogo e que de alguma forma balizarão a relação do governo com os dois setores (político e social).

Segundo a coluna ‘Toda Mídia’, na mesma página A8 da Edição Nacional, os movimentos sociais encaminharam ao presidente um documento (ao qual também o ‘Painel’ faz referência nas notas ‘Censura prévia’, A4) com oito prioridades. Quais são estas prioridades?

A reportagem ‘Lula sinaliza reformas de trabalho e Previdência’, em ‘Dinheiro’ (B4), também faz referência ao documento da CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais), mas apenas do trecho que trata das reformas trabalhista e previdenciária.

E o resto? A reprodução, mesmo que resumida, dos principais pontos do documento era importante para que o leitor pudesse se informar e tirar as suas conclusões.

A mesma coluna ‘Toda Mídia’ informa, adiante, que os presidentes dos partidos que participaram do conselho levaram uma lista extensa de exigências. Quais?

Como o leitor pode avaliar estas reuniões e acompanhar a partir de agora o relacionamento do governo com os partidos aliados e com os movimentos sociais se não sabe o conteúdo dos documentos (formais ou informais) que foram encaminhados ou apresentados ao presidente?

Ministério

Segundo o ‘Globo’, ‘Futuro incerto faz Furlan chorar em público’.

Caso de polícia

A Folha publica hoje, na página C6 da Edição Nacional, a história do radialista de Pernambuco acusado de abuso sexual (‘Apresentador de TV é acusado de abuso sexual’). Até agora não há provas. Uma suposta vítima confirmou que sofreu violência e outra negou. O acusado nega. A polícia abriu inquérito. Pode ser que ele seja culpado, pode ser que não. A história não parece conhecida? Por que a Folha se sente segura em identificar o acusado ainda sem prova definitiva?

Periferia

Muito boa a discussão aberta sobre os filmes e programas de TV que retratam a periferia – ‘Estudos analisam inclusão ‘na marra’ de periféricos’ (‘Ilustrada’, E6 e E7). Faltou, no entanto, a palavra da própria televisão – formalmente ou através de diretores e artistas envolvidos com os programas que retratam a periferia. É estranho, por exemplo, não ouvir a própria Regina Casé, que deve ter também um ponto de vista sobre a discussão



13/12/06

A Folha começou a rodar com o destaque da manchete para o Tribunal de Contas da União – ‘TCU culpa governo pelo apagão aéreo’ – e mudou, na Edição SP, para o Tribunal Superior Eleitoral – ‘TSE rejeita contas do comitê de Lula’. O ‘Globo’ também dá mais destaque para o problema da prestação de contas: ‘TSE não aprova as contas mas garante diplomação de Lula’.

No ‘Estado’, o resultado de um levantamento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras): ‘PCC movimentou R$ 36 milhões em 11 meses’.

A Folha explorou bem, na capa, as repercussões às declarações feitas por Lula anteontem à noite.

Esquerda e direita

A Folha informa que o trecho do discurso de Lula sobre esquerdistas e direitistas, feito anteontem à noite, foi inspirado em frase falsamente atribuída a Wiston Churchill – ‘Frase é uma variação de uma declaração atribuída a Churchill’ (A6). A leitora Heloísa Fernandes (‘Painel do Leitor’, ‘Lula e a esquerda’, A3) atribui, diferentemente, a Jorge Luis Borges.

Apenas um reparo na repercussão: o jornal poderia ter registrado mais reações críticas ao discurso do presidente vindas de dentro do próprio PT.

Discriminação

Por que somente os atletas para-olímpicos não foram identificados na legenda da foto da página A8 (‘Cultura versus Esporte’, Edição Nacional) em que aparecem artistas e esportistas?

Idade

Embora o jornal já não considere obrigatório o registro da idade dos personagens de suas reportagens, algumas delas pedem a informação. É o caso hoje, por exemplo, do noticiário sobre o funeral do general Augusto Pinochet (‘Ministra anuncia sanção a neto de Pinochet’, na Edição SP). Transformado em principal personagem do texto, o neto do ditador que enfrentou a ministra da Defesa, representante do governo chileno, deveria ter tido sua idade revelada. Pelo menos ele.

A mesma observação vale para a nota ‘Argentino ‘cativou’ filha de Bush’ (Edição SP), que informa a idade do tal argentino que teria cativado a filha de Bush (25 anos), mas não informa a idade da moça.

Banqueiro

Ao registrar que a TV Globo acompanhou a prisão do banqueiro Edemar Cid Ferreira (‘Condenados, Edemar e filho são presos’, capa de ‘Dinheiro’), o jornal informa que ‘na imagem da TV, o paletó de Edemar cobre as algemas’. Pode ter sido uma dedução da Folha. Segundo a coluna ‘Ancelmo Gois’, no ‘Globo’, o banqueiro teria feito um acordo com os policiais para não ser algemado. Em troca, teria concordado em usar o paletó para fazer parecer que estava com as algemas. O detalhe, se confirmado, tem importância porque mostra o modo de agir da Polícia Federal. A conferir.



11/12/06

Todos os grandes jornais tentaram dar um tratamento histórico à morte de Augusto Pinochet, ontem, no Chile. A Folha publicou três fotos (o general e cenas dos que comemoraram e dos que choraram a morte do ditador): ‘Morre o ditador chileno Pinochet – General de 91 anos era acusado pela morte de mais de 3.000 pessoas durante seu regime, de 1973 a 1990’. O jornal trouxe extratos dos comentários de Clóvis Rossi (‘Morto na política, o pinochetismo vive na economia’) e de Janio de Freitas (‘Espírito de ditadura militar sobreviverá’).

O ‘Estado’ foi menos explícito na manchete – ‘Morre Pinochet – ¤ 25/11/1915 ? 10/12/2006’ –, mas deu destaque gráfico à edição com o texto principal sobreposto à foto do ditador. No ‘Globo’, ‘Pinochet morre sem ser julgado e não terá honras’. De acordo com o ‘JB’, ‘Já vai tarde’.

Pinochet

Faltou, na Edição Nacional, o noticiário sobre a repercussão da morte de Pinochet nas ruas de Santiago. O texto principal (A8) tem apenas dois parágrafos sobre as manifestações. Com isso, a cobertura acabou com pouca cor local.

O ‘Globo’ trouxe um relato interessante sobre o dilema vivido pela imprensa chilena. Mostra como os meios evitaram usar termos como ditador ou ex-ditador, uma indicação da divisão da sociedade chilena.

Ciência

Há dois trechos da reportagem ‘Censo revela a vida das profundezas dos oceanos’ (A15) que parecem conter erros. O texto informa que o projeto Censo da Vida Marinha identificou em 2006 500 novas espécies. Informa em seguida que apenas do grupo de anfípodes foram descobertas 500 novas espécies. Ou seja, as 500 novas espécies descobertas pelo programa em 2006 são exclusivamente de anfípodes? É isso?

Em seguida, o texto informa que das ‘500 novas espécies descobertas’, os cientistas acreditam que ‘12 delas são totalmente novas’. Como assim? Ou são novas ou não são novas. Também não entendi.

O texto deveria ter explicado o que são anfípodes.

Nova economia

O ‘Estado’ anuncia a criação do ZAP, novo portal de classificados e negócios on line criado pela associação do grupo Estado e a Infoglobo, que edita o ‘Globo’ e outros jornais.

Fundeb

Se um dos objetivos do Fundeb é exatamente o de ‘injetar recursos em toda a educação básica pública, principalmente nas regiões mais pobres’, é mais do que natural que os Estados do Nordeste e do Norte sejam os mais contemplados com os recursos do fundo. Por isso, me pareceu exageradamente político o enfoque dado pelo jornal para a reportagem de capa de ‘Cotidiano’: ‘Fundeb segue a rota do Bolsa Família – Estados do Nordeste e do Norte que já são mais beneficiados pelo programa serão também os mais privilegiados pelo fundo’. Parece lógico que isto aconteça, não? O próprio jornal vem defendendo investimentos em educação pública como caminho para tirar o país do atraso. Seria estranho se a maior parte dos recursos fosse para São Paulo, por exemplo.

As críticas de Célio da Cunha (‘Fundeb falha ao não definir metas, afirma especialista’, C3 na Ed. Nac. e C4 na Ed. SP) têm mais consistência do que os receios levantados pelos políticos de oposição ouvidos pelo jornal e do que as defesas óbvias colhidas no governo.

Aviso

Participo amanhã, em São Paulo, da comissão julgadora do Prêmio Folha. Por esta razão não haverá a Crítica Interna.’