Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cúmplice em nome da liberdade

O poder dos blogs está cada vez mais se acentuando no mundo informatizado. Em especial os blogs informativos, aqueles que trazem textos e imagens – fotos, vídeos etc. Não fosse essa nova ferramenta na web, provavelmente a informação estaria mais controlada do que já é. E esse dado é fundamental para se entender o sucesso dos blogs.

Nos países desenvolvidos e na maioria dos países em desenvolvimento, em maior ou menor grau, a mídia está deixando de ser um meio – divulgação de informações – para assumir de vez uma característica bem capitalista. Antes de qualquer coisa, está se transformando rapidamente numa empresa como outra qualquer, uma plataforma de propaganda e marketing, cuja mercadoria principal são as informações divulgadas pelos veículos de imprensa.

Só que, para manter seu produto em evidência, é fundamental a credibilidade de consumidores/leitores/ouvintes/telespectadores. É necessário que haja confiança na informação, que ela represente a realidade da forma mais verídica possível, seja apenas mostrando ou explicando os fatos. Sem isso, não existe mídia. Quando a credibilidade de um veículo de informação diminui, é comum usar-se a propaganda para tentar recuperar o prestígio.

Às vezes dá certo, por um tempo determinado, mas só isso é insuficiente. É preciso mais que propaganda – uma mentira, de tanto ser martelada na cabeça das pessoas, acaba se tornando verdade até que ela se esgote historicamente – para manter qualquer veículo no ‘ponto mais alto do mercado’. Normalmente, face às dificuldades, é comum promover mudanças no formato, na aparência, no conteúdo, às vezes mudanças profundas, estruturais ou então superficiais, o suficiente para recuperar a credibilidade e assim continuar uma plataforma de propaganda e marketing. Em suma, tudo se resume a isso: saúde financeira da empresa. Até aí, normal em se tratando de sociedades capitalistas.

Atitude estranha

O grande paradoxo é a simbologia existente e largamente aceita em grande parte do globo, de que a imprensa tem de ser necessariamente livre. Que não pode haver censura nem manipulação das informações. Que uma sociedade democrática exige necessariamente uma imprensa livre e que a informação é, antes de tudo, um bem social. Que a responsabilidade social da mídia é fundamental para o funcionamento das sociedades democráticas.

No plano do discurso, perfeito. E nem dá para ser diferente, visto que a informação é fundamental para o exercício pleno da democracia. Na prática, não é bem assim. Como nem sempre interessa essa situação plena de democracia, as informações passam a ser controladas por quem as detém e ou divulga. Pode ser pelas próprias empresas, pelos governos ou por todos juntos. E pode, inclusive, acontecer este controle sob a justificativa de se estar protegendo a democracia de algum tipo de inimigo, seja externo – como o terrorismo – ou interno – como o terrorismo. Exemplos não faltam pelo mundo.

No Brasil, assiste-se a uma das mais violentas campanhas da história do país contra um governo eleito pelo povo. Sob a justificativa de se combater a corrupção na esfera governamental, no parlamento e nos partidos políticos – leia-se, aqui, o Partido dos Trabalhadores, principalmente –, a imprensa brasileira deixou de lado o equilíbrio, o bom senso, a investigação jornalística, a consulta a todas fontes para fazer proselitismo, propaganda partidária, manipulação grosseira das informações, criação de fatos falsos, tudo isso em nome da independência da imprensa, em nome da verdade e para defender a democracia brasileira.

Qualquer denúncia de irregularidades, de corrupção, é divulgada sem quase nenhuma investigação mais profunda da informação. Por princípio, quem acusar o PT e ou o governo federal está correto, chega a ouvidos, páginas, áudio, imagens. A endêmica corrupção existente no Brasil há décadas, para não dizer séculos, na sociedade em geral e na esfera política em particular, sequer é mencionada.

É como se ela, a corrupção, tivesse começado nos últimos dois anos e meio de governo. É como se todos os acusadores fossem exemplos de honestidade e de pureza celestial. A exceção é o deputado Roberto Jefferson, PTB do Rio, este sim reconhecido por quase todos na mídia e fora dela, como um político corrupto em função do seu histórico. Mas, mesmo assim, seus depoimentos, verídicos ou não, foram aceitos e divulgados também sem a necessária investigação jornalística. Coisas da imprensa patropi… E, continuando nesse compasso, não se vê absolutamente nada sobre os corruptores, sobre a origem de toda essa dinheirama, da quantidade absurda de recursos financeiros usado nas compras de votos, nos caixa dois de campanhas, nos enriquecimentos ilícitos de políticos, assessores, consultores, lobistas. Ou melhor, sabe-se do PT, alguma coisa do PTB e mais nada de nenhum partido. Do PSDB, que segundo vários analistas também teve caixa dois nas últimas eleições, pouca coisa foi divulgada. Por quê? É no mínimo estranha essa atitude da grande imprensa, de maneira geral.

Perigosamente próximo

Sabe-se muito sobre quem tirou essa ou aquela grana, quem movimentou esse ou aquele montante de dinheiro, para onde ele foi e no que foi usado, mas onde estão as pessoas, as empresas, as instituições que doaram, que financiaram tudo isso? De onde veio, afinal, todo esse dinheiro? Quem são os donos da grana? Na boca pequena, fala-se de grandes empresas nacionais e multinacionais, de bancos, de empresas de comunicação, de algumas pessoas que teriam dado grandes somas de dinheiro a este ou àquele partido que não só o PT, a esta ou àquela personalidade que não só petistas. Mas, de concreto, nada. É como se esse assunto fosse tabu, proibido, ‘nada a declarar!’, censurado, ‘kaput!’, ‘out of limits’. E o pior é que é mesmo. Totalmente censurado. E jornalistas defendem isso com unhas e dentes!

Com isso, os veículos de informação estão cada vez mais perdendo credibilidade. As pessoas lêem, vêem, ouvem, mas não acreditam mais em nada. Começa a acontecer um descrédito e um ceticismo geral que é muito ruim para a democracia. Quando não se acredita mais em nada, quando tudo é igual, uniforme, padronizado – como o tal padrão global, por exemplo – quem mais perde é a sociedade, são os cidadãos, pois ficam impossibilitados de julgar, de escolher, de usar o bom senso, e aí qualquer coisa pode acontecer, pois qualquer coisa é qualquer coisa mesmo, para que se aborrecer mais? Deixa estar!

É nesse momento, que a imprensa deixa de existir de verdade, que a liberdade para informar e divulgar as informações foi para o brejo e que, realmente, tudo pode acontecer, pois não existe mais ninguém para mostrar a realidade das coisas. O papel social e a responsabilidade social da imprensa acaba de vez e abre-se espaço para qualquer tipo de aventura ou aventureiros, daqueles que só querem surrupiar tudo que for possível e que se dane o resto.

A imprensa brasileira está perigosamente perto deste patamar. E pior. Pode se tornar cúmplice de tudo isso, e em nome da liberdade de empresa, desculpe, de imprensa.

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Jornalista