Certamente, mais uma vez, assistiremos ao modo como, não apenas a imprensa, mas a sociedade em geral, constrói a figura do ‘doente mental assassino’. Num suspiro aliviado, as pessoas dormem melhor e em paz ao terem a certeza que aquilo não passa de um ‘distúrbio psicológico’ ou ‘mental’. Algo como uma anormalidade que cresceria e estaria ‘dentro’ de um indivíduo ‘desajustado’. Os elementos que sustentam essa idéia estão aí. Procuraram dizer que ele ‘importunava colegas do sexo feminino’ que tinha ‘ideações suicidas’, que ‘escrevia textos violentos’ que assustavam colegas de sala etc.
Toda a construção de um ‘enredo da patologia’ que culminará, como bem sabemos, com a figura do psicólogo ou psicanalista, com a barba grande bem telhada e de fala mansa, diante de todos nos noticiários, ‘traçando o perfil’ do assassino.
Ao leitor destas palavras já deve estar pairando a suspeita de um apologista da violência. Infelizmente não se trata disso.
O que penso é que as respostas não devem ser procuradas ‘dentro’ de ninguém, para dizer de maneira clara, mas antes no conjunto total das relações sociais em que aquele garoto se encontrava, no tipo e no padrão das relações sociais que se apresentam numa comunidade universitária típica do EUA.
Fabricar ‘o mesmo’
A discordância entre os especialistas entrevistados é um sintoma que deveríamos centrar nossa atenção, pois ele vai revelar o ‘recalcado’ fundamental da vida social: as pessoas insistentemente procuram negar e apartar para longe de si o fato de que trabalham vigorosamente, todos os dias, para a manutenção de um determinado tipo de realidade social.
A dona de casa, calma e pacata, que prepara deliciosos quitutes e torce a boca na frente dos filhos quando vê algum latino nas ruas falando um inglês ‘diferente’ e pedindo informação, não compreende a cadeia efeitual que será produzida por este simples e descompromissado ato. Dei um pequeno exemplo que vocês devem ampliar para outros contextos. Englobando não apenas questões de diferenças étnicas, mas também de classe, de orientação sexual etc. Enfim, como sempre repetiu o sociólogo Jean Baudrillard, falecido recentemente, é preciso atentar para os efeitos perniciosos de uma sociedade que busca cada vez mais fabricar ‘o mesmo’: pessoas iguais, costumes iguais, leis iguais e universais; neste momento, onde o óbvio do ‘mesmo’ se torna cada vez mais imperativo, a possibilidade de afirmar a diferença (ou o Mal, como ele denomina) só poderia vir sob a forma da explosão, da crueldade e sobretudo, da violência.
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Químico, psicólogo e mestre em Sociologia, Salvador, BA