Na quinta-feira da semana passada, o New York Times deu com exclusividade que, diante da megamanifestação pró-Síria preparada pelo Hezbollah, que levou 500 mil pessoas ao centro de Beirute, os Estados Unidos, na linha da França, estariam propensos a suspender as pressões pelo desarmamento da organização que consideram terrorista (mas a França não).
O recuo tático teria duas intenções: considerando que haverá eleições no Líbano em maio, não dar munição ao Partido de Deus, fazendo aumentar ainda mais as simpatias que desperta na crescente população xiita libanesa; trazer o Hezbollah para um pacto nacional que facilitaria a saída das tropas sírias do país e incentivá-lo a se ‘civilizar’, mais ou menos como o IRA/Sinn Fein na Irlanda do Norte.
Se isso não funcionasse, Washington voltaria a subir o tom de suas exigências pelo desarmamento do Hezbollah, com base numa resolução do Conselho de Segurança da ONU de setembro passado.
Enésima vez
Certa ou errada no mérito, a matéria era clara como água. Mas, no dia seguinte, a imprensa brasileira, citando-a como fonte, deu que os Estados Unidos deixariam de fustigar o Hezbollah ‘se ele se desarmar’. Enganaram-se os jornais por quê?
Porque, em vez de buscar a reportagem do NYT na internet, os redatores brasileiros usaram os despachos das agências noticiosas que a mencionavam – e o repórter ou copy de uma delas pôs de ponta-cabeça o que leu sobre a atitude americana em face do dado crítico da política libanesa: o papel do Hezbollah.
Para o leitor comum brasileiro, tanto faz. Mas fica o registro porque é mais um exemplo de como, parafraseando Bismarck pela enésima vez, são feitas ‘as leis e as salsichas’ nas nossas redações.
[Texto fechado às 15h30 de 13/3/05]