Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Daime, ignorância e preconceito

Duas das mais lidas revistas semanais de informação, Veja e Época, trazem em suas capas reportagens vinculando o assassinato do cartunista Glauco e seu filho Raoni ao uso da ayahuasca, a beberagem utilizada por indígenas e caboclos da Amazônia Ocidental e que faz parte dos rituais do Santo Daime e outras seitas originadas na região.


Mas há uma diferença fundamental entre os títulos nas capas das duas revistas e também entre suas reportagens internas.


Época abre com a pergunta: ‘O daime provocou o crime?’ – e observa que ‘a morte do cartunista Glauco reacende o debate sobre o uso da droga indígena ayahuasca em rituais religiosos’.


Veja parece não ter dúvidas: sob o título ‘O psicótico e o Daime’, questiona ‘até que ponto se justifica a tolerância com uma droga alucinógena usada em rituais de uma seita’.


Para a revista da Editora Abril, não há o que discutir: foi a ingestão da beberagem que levou o jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, a matar o cartunista da Folha de S.Paulo e seu filho de 25 anos, a tiros de pistola.


Época destaca que Cadu vinha apresentando sinais de distúrbios psíquicos nos últimos três anos, aponta indícios de que a família não atuou com o rigor necessário para levá-lo a tratamento e pondera fortemente que ele era usuário de drogas pesadas.


Além disso, a revista do grupo Globo ouviu representantes do Santo Daime no Acre, onde o uso ritualístico da ayahuasca nunca produziu episódios de violência e não costuma ser vinculado a atos antissociais.


Para Veja, porém, trata-se de uma droga poderosa que precisa ser proscrita, ou no mínimo fiscalizada pelo governo.


Tema polêmico


Entre as duas reportagens, nota-se o cuidado maior de Época em também verificar a responsabilidade de uma das vítimas.


Glauco, o cartunista da Folha, se considerava e era considerado pelos adeptos de seu culto como uma espécie de guru do Santo Daime.


Um dos responsáveis pela expansão do uso da ayahuasca para fora de seu ambiente nativo, ele mantinha e dirigia uma comunidade religiosa na região metropolitana de São Paulo, onde ministrava a bebida a fiéis e visitantes.


Sua tolerância com relação à maconha era conhecida. Sua posição com relação às drogas pode ser observada em alguns de seus personagens, mas esse é tema proibido.


Afinal, no Brasil, não se pode fazer observações sobre atitudes, preferências ou comportamentos de artistas e jornalistas, sob pena de cair apedrejado sob a acusação de ataque à liberdade de expressão.


Diante do tema polêmico, pouco conhecido, como é a bebida usada por comunidades amazônicas, Época procura distribuir responsabilidades. Veja embarca no preconceito e condena aquilo que desconhece.