Todo o bate boca em torno do fenômeno fake news ( noticia falsa) pode acabar levando a mudança de um dos comportamentos mais arraigados na cultura jornalística, o do imediatismo, ou seja da preocupação em ser o primeiro a publicar uma notícia. Pesquisadores do jornalismo, especialistas em comunicação e estrategistas políticos estão chegando a conclusão de que a correria pelo furo noticioso dificulta a checagem de dados, fatos e eventos tanto nas redações online como entre os editores independentes em blogs jornalísticos.
A solução seria reduzir o ritmo , gastar mais tempo na verificação e contextualização das informações para evitar que o fenômeno das fake news (jargão americano) assuma proporções catastróficas comprometendo ainda mais a credibilidade da imprensa. O imediatismo e o empenha em publicar antes da concorrência sempre foram comportamentos profundamente entranhados na cultura jornalística tradicional. Dar um furo noticioso ainda é, em muitas redações, um atestado de qualidade profissional e um poderoso elemento de marketing publicitário.
Mas a popularização da internet começou a mudar o contexto a partir do momento em que as empresas jornalisticas passaram a ter que concorrer com milhares de amadores responsáveis pela publicação de blogs ou com acesso a redes sociais. Como estão em quase todos os lugares, com smartphones dotados de câmeras, a concorrência se tornou desigual, salvo quando os jornais e TVs competem entre si usando material de amadores.
Mas desde do ano passado, a maratona por um furo jornalístico tornou-se ainda mais complexa com a massificação das redes sociais virtuais, como o Facebook (mais de 1,5 bilhão de usuários em todo o mundo), e o surgimento das notícias falsas, meias verdades ou informações descontextualizadas. A combinação entre leviandade informativa e imediatismo acabou assustando os donos de empresas de comunicação, porque as fake news abalavam a já desgastada confiança do publico em jornais, revistas e telejornais. Os controladores de redes sociais também acabaram contaminados pelo temor de serem acusados de semear a discórdia e a desorientação informativa, enquanto os políticos, os maiores disseminadores de meias verdades pela imprensa, sentiram que podiam acabar dando um tiro no pé, caso a desinformação se generalize.
A situação é realmente preocupante porque o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, já deixou claro que vai governar usando o Facebook e o Twitter. Não é segredo que as redes sociais são mais uma caixa de ressonância do que um centro distribuidor de notícias. Comentários e opiniões predominam sobre informes e análises, o que é natural tendo em vista que a maioria esmagadora dos usuários das redes é formada por indivíduos que desejam dizer o que pensam, pela primeira vez na historia da humanidade. A cacofonia é inevitável, da mesma forma que a desorientação causada pela avalanche de percepções e opiniões individuais.
O fantasma do caos informativo
Os últimos episódios envolvendo Donald Trump levaram empresas jornalísticas de grande porte como Facebook, BBC inglesa e o norte-americano The New York Times intensificar as medidas de controle de veracidade, um esforço para atenuar os efeitos da desinformação. Na Califórnia, os deputados estaduais vão votar uma lei impondo as escolas a ensinar seus alunos como identificar e combater as fake news.
Para a imprensa, a desorientação do publico é uma ameaça porque mina a confiança no que é publicado. Para os donos, passou a ser um mau negócio, num ambiente econômico em que a luta pela sobrevivência corporativa é muito dura e incerta. Para os jornalistas é um desafio porque torna urgente a revisão de rotinas e valores seguidos ao pé da letra por décadas. Num ambiente de boataria permanente ficou perigosíssimo ceder ao impulso do imediatismo na publicação, sabendo-se que já existem sites e softwares especializados em disseminar noticias falsas com todos os requintes de edição jornalística.
Tudo indica que a cautela, indispensável num contexto de incerteza e dúvidas, derrubará as resistências existentes contra a consolidação das slow news, notícias mais pensadas e preocupadas com a credibilidade. O pesquisador australiano Megan Le Masurier foi, em 2016, um dos primeiros a explorar teoricamente o fim do imediatismo e da pressa editorial na imprensa, num artigo acadêmico intitulado What is Slow News? Dois anos antes, o jornalista norte-americano Peter Laufer já tinha publicado um livro no qual combina jornalismo e tendências de consumo para mostrar que o bombardeio de mensagens publicitárias e de reportagens contraditórias só criavam problemas em vez de soluções. Mas o debate sobre a nova tendência informativa não prosperou e só ressurgiu agora quando a perspectiva de um caos informativo ganhou contornos mais nítidos.
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Carlos Castilho é jornalista, pós doutorando em comunicação e editor do site do Observatório da Imprensa.