James Watson pediu desculpas. O geneticista americano, co-descobridor da estrutura do DNA, declarou numa entrevista ao Sunday Times que a inteligência dos africanos ‘não é igual à nossa’ [dele].
Imediatamente retratou-se diante da reação mundial, através de outro jornal britânico, o Independent, desta vez em artigo assinado. Explicou que não pretendia dizer que a África, enquanto continente, é geneticamente inferior, porém insistiu na tese de que questionar as bases genéticas da inteligência não é ceder ao racismo.
Seu interesse pela genética decorre do drama pessoal: o filho é esquizofrênico, queria entender a origem desta ‘diminuição da vida’. O assunto evidentemente não está encerrado, a genética está apenas engatinhando e cientistas, justamente porque são cientistas, não se contentam com opiniões, querem fatos e pesquisas, comprovadas e comprováveis.
Desconhece-se, por enquanto, o ânimo do cientista ao conceder a entrevista, mas a animosidade mundial foi intensa. O episódio transcende à genética, está mais perto da antropologia, da filosofia, da psicologia coletiva e dos estudiosos do fenômeno do linchamento.
Hidrofobia veiculada pelo homem
A celeuma instantânea serviu para identificar um surto mundial de fúria: a aldeia global está tomada por uma hidrofobia que, diferentemente da outra (transmitida por cães, gatos, lobos e morcegos), é veiculada apenas pelo homem.
Cônscio da sua racionalidade, o ser humano moderno age como um irracional. Há um delírio verbal no ar. As palavras, teoricamente destinadas a elevar e promover aproximações, converteram-se em instrumento da baixaria, armas de destruição. O conhecimento, ao invés de estimular a tolerância, está sendo usado apenas para acirrar as intransigências. Inclusive no campo da genética e da cosmologia.
Tempos de cólera, dias de ira: o fenômeno não é casual, místico, abstrato, tem raízes na realidade, está fincado numa tradição de rancor que remonta à antiguidade. Nem a filosofia nem a religião conseguiram descontaminar a diversidade e o dissenso, ao contrário, só acirraram a exaltação e a intolerância.
Os mais intoxicados são justamente os ‘iluminados’, os messiânicos, os parceiros dos deuses. A besta se solta justamente naqueles que se acreditam donos da verdade. Sabem que não o são, por isso usam o tacape, por isso recorrem ao canibalismo.
O mundo não está em guerra, mas a humanidade está em processo de degradação porque polarizou-se em torno das simplificações e aberrações. A politização barata e a partidarização têm sua quota de responsabilidade nesta hostilidade generalizada onde primatas como Bush e Chávez converteram-se em paradigmas absolutos.
Briga dá Ibope
Como mercenários contratados para matar, hoje estão disponíveis a preços módicos os homens-bomba a serviço do radicalismo e do desentendimento. Esquecida da sua função mediadora, a mídia resolveu explorar o grande circo sadomasoquista onde impera a desinteligência e falta de inteligência. Briga vende, aumenta a audiência, dá Ibope.
Os modernos cães de guarda, watchdogs, lembram os medievos dominicanos (Domini canis, cães do Senhor) que acabaram donos da Inquisição, a multissecular entidade religiosa encarregada de assassinar idéias com o pretexto de liquidar heresias.
Com pit-bulls babando ódio e sangue é impossível estabelecer um clima de diálogo ou, pelo menos, negociação. A perenização dos conflitos só interessa aos donos dos canis ou àqueles que abominam a convivência e apostam em rupturas.