Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Decadência e apatia

Quando comecei no jornalismo, o Rio de Janeiro havia deixado pouco antes de ser capital da República, mas como Brasília fora apenas inaugurada, a cidade tinha ainda toda a aura de mais importante do país. Existiam bons jornais. Contudo, o desejo da maioria dos repórteres era trabalhar no Jornal do Brasil. Jamais consegui esse objetivo por motivos que não cabem aqui, mas todas as vezes que passava pela sede na Avenida Rio Branco o fazia com uma certa reverência. Depois, um amigo meu conseguiu lá seu lugar de repórter e ia encontrá-lo com freqüência. De uma feita, na entrada do prédio, quase esbarro em sua proprietária, a mítica condessa Pereira Carneiro, Fiquei emocionado pelo resto do dia, e aquele foi meu assunto por toda a semana.

O jornal saiu da Rio Branco e foi para sua nova sede na Avenida Brasil. Lá estive somente uma vez, e me impressionei com a grandeza e o luxo.

Por alguns anos vivi fora do Rio e em diversas cidades do interior do Brasil, sempre lendo o JB quando possível, mas não sentia em suas páginas sinais de decadência: continuava com os melhores articulistas, formadores de opinião em todos os setores. Quando voltei para a Itália (1996), senti falta do ‘meu jornal’, mas logo o consegui por meio da Internet, e por esse meio pude ter contato com seus colunistas – com alguns, até amizade estreita. Cito como exemplos Armando Nogueira, Belisa Ribeiro, Dora Kramer, Fritz Utzeri, José Inácio Werneck. Vejo agora que todos já não estão mais lá, alguns o deixaram e outros foram deixados.

De Fritz Utzeri fiquei sabendo o motivo por manter com ele correspondência regular, como também de José Inácio Werneck: além da troca de cartas, temos amizade pessoal. Os outros simplesmente sumiram. Da saída de Dora Kramer para outro jornal fiquei sabendo pela coluna de Ancelmo Góis, em O Globo; da de Alberto Dines, por uma nota de Luiz Egypto. Dos outros, nada.

Passou em branco

Belisa Ribeiro, que sempre teve a elegância de responder a minhas cartas, sumiu outro dia sem mais nem menos. Fiquei intrigado. Como tenho ainda um amigo que escreve no jornal, não pude conter a curiosidade de perguntar-lhe o que tinha acontecido. Ai vai sua resposta:

‘A Belisa de fato, rodou. Mais uma execução a sangue frio, rotina quase que diária no JB… Espero minha hora em paz. O jornal foi tomado por uma apatia generalizada’.

O Jornal do Brasil foi fundado em 1891 por Rodolfo Dantas e Joaquim Nabuco; depois, comprado por Ruy Barbosa, foi usado para combater o governo autoritário do marechal Floriano Peixoto. Fechado, só foi reaberto em novembro de 1894, quando o governo da República passou ao civil Prudente de Morais.

A apatia do jornal de fato é enorme depois de vendido ao empresário Nelson Tanure. O fato histórico dos 110 anos da reabertura do jornal, fechado pelas armas, passou em branco. É lamentável ver a decadência do periódico que foi emblemático para todos da minha geração.

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Jornalista