O editor do caderno Variedades do jornal cearense Diário do Nordeste, Dalwton Moura, foi demitido no dia 18 de outubro. Seu ‘pecado’ foi publicar, no dia anterior à sua demissão, um caderno especial de seis páginas com artigos e entrevista com o autor de dois livros que tratam do marxismo: o sociólogo e filósofo Michael Löwy. Segundo consta, Dalwton foi pautado pela direção do jornal e o argumento da direção do jornal para demiti-lo é de que foi um caderno ‘panfletário’, ‘subversivo’ e ‘inoportuno ao momento atual’.
Segundo o site Comunique-se, ‘a reportagem foi pautada pelo editor-chefe do jornal, Ildefonso Rodrigues, e sugerida pela historiadora e professora Adelaide Gonçalves, da Universidade Federal do Ceará (UFC)’. Ao comunicar a demissão de Moura, o editor-chefe afirmou que ‘não sabia o conteúdo da reportagem até vê-la publicada’. Segundo o jornalista, que trabalhava há quase nove anos no veículo, o editor informou que o caderno gerou problemas para a direção do jornal. ‘Disseram que gerou problemas, que não teria sido bem recebido pela direção da empresa’, contou Moura. O editor disse que jamais imaginou que poderia ser demitido dessa forma, e que a demissão abre espaço para várias interpretações. ‘Jamais imaginei que poderia gerar isso. O caso é complexo e dá margem para várias leituras.’
De acordo com Moura, nem ele, nem a repórter Síria Mapurunga, que fizeram a entrevista com o filósofo, emitiram opinião. A entrevista destacava no título a declaração de Löwy: ‘O marxismo tem de evoluir para uma maior radicalização’.
O Nota de Rodapé entrou em contato com Michael Löwy, ‘pivô’ involuntário da demissão de Moura. Lowy, nascido na capital paulista e radicado desde 1969 na França, é formado em ciências sociais pela Universidade de São Paulo e é diretor emérito do Centre National Recherche Scientifique, em Paris.
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‘Saudades dos velhos tempos da ditadura’
Demitir um jornalista por publicar uma entrevista que vai contra a opinião do jornal é censura? O que pensar desse episódio?
Michael Löwy – Este episodio ilustra, de forma grotesca, os limites da liberdade de expressão no quadro da imprensa controlada pelo capital. É um exemplo brutal da intolerância das classes dominantes, que controlam os meios de comunicação, em relação a opiniões dissidentes e não conformistas. No caso, eram opiniões minhas, e não do jornalista. Sua demissão é mesmo um ato de absolutismo patronal.
O senhor já viu algo parecido acontecer em algum outro veículo da imprensa francesa ou de outro país?
M.L. – Não me vêm ao espírito exemplos da França ou de outros países, mas sem dúvida existem. No Brasil, tivemos a demissão, igualmente mesquinha e intolerante, de Maria Rita Kehl, por haver manifestado, nas páginas do Estadão uma opinião política diferente da redação do jornal…
Como se sente sendo o ‘pivô’ da demissão do jornalista por conta de suas ideias marxistas?
M.L. – Lamento muito que tenha sido, involuntariamente, o motivo desta demissão. Nunca me aconteceu antes. Por mais que conheçamos o caráter de classe da grande imprensa, ficamos surpresos com manifestações tão grosseiras deste espírito inquisitorial. Só me consola saber que o jornalista conseguiu um outro emprego, graças a um gesto de solidariedade da Prefeitura de Fortaleza.
Se fosse ponderar algo à direção do jornal, o que diria?
M.L. – Diria que a direção deste jornal deve ter saudades dos velhos tempos da ditadura militar, quando o lugar de opiniões marxistas era no xadrez, e não nas páginas da imprensa.
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Jornalista