Afinal tornou-se pública a opinião da ombudsman/ouvidora da Folha de S. Paulo, Vera Guimarães, sobre as demissões dos colunistas políticos Eliane Cantanhêde e Fernando Rodrigues que se revezavam na Página Dois há décadas.
A brava defensora do leitor escreveu o que se esperava dela há quase dez dias: repudiou com rigor a dupla decapitação e a forma de anunciá-la (ver “Razão e insensibilidade”). E ainda fez mais: reproduziu veementes reclamações de leitores que o jornal havia embargado provando assim que a seleção das cartas publicadas na seção “Painel do Leitor” segue critérios autônomos, nem sempre coincidentes com a relevância e a excelência do que é oferecido.
Poucas linhas antes do ponto final, a ouvidora faz uma afirmação singela e estrondosa: “Jornais & jornalistas sabem que não há história contada pela metade, a parte que falta será preenchida por versões de toda sorte”.
Falta mais do que a metade desta história: falta quase tudo. A começar pelas razões do surpreendente corte. Não foi economia, nem ajuste de gastos ou enxugamento de gorduras. Não sabemos quem são os outros 12 demitidos, mas os salários somados de todos os 14 não farão muita diferença nos balancetes, nem serão capazes de tirar a empresa do vermelho. Se é que ali esteve nas últimas décadas.
Pacto empresarial
Fonte bem situada informou que o jornal foi mais do que magnânimo nas compensações materiais oferecidas às duas estrelas demitidas. Qual a razão desta largueza se o FGTS e a CLT são, por natureza, inclinados a proteger o trabalhador privado do trabalho?
E qual a moeda de troca – o silêncio? Dois profissionais experientes e conscientes como Cantanhêde e Rodrigues permitirão as perversas reticências enfiadas a contragosto em suas goelas e respectivos currículos? Em algum momento terão que falar. Engasgarão se não o fizerem.
Jornalistas deste porte e com esta folha de serviços não podem esquecer os compromissos com o seu público, ainda mais nas dramáticas circunstâncias atuais e com a corrente de solidariedade armada a seu favor.
A imprensa que exige transparência não pode ser opaca, espessa, dúbia. Diz o povão – quem cala, consente. E, quem consente, se compromete. Esta história vai render, deve render. Precisa render. Não pode se autoengavetar ou fraudar-se.
Mesmo sabendo que o pacto empresarial vigente em nossa mídia estigmatiza os profissionais que abrem o bico quando prejudicados ou agredidos, a autoestima e o amor à profissão acabarão impondo-se ao obsequioso silêncio.