Se comparado à crise que desencadeou o impeachment do ex-presidente Collor, o atual problema político do governo Lula inquestionavelmente ganha em indícios, provas e, por que não, em informação. Independentemente do envolvimento pessoal, ou não, do presidente, o certo é que mesmo diante do tamanho da onda de corrupção e sua notoriedade pública nos jornais, na internet, no rádio, na TV, nada tem tirado o cidadão de sua rotina e o levado às ruas, como era de se esperar diante de tanta má notícia vinda de Brasília. Considerando essa aparente blindagem na qual se encontra o indivíduo, é possível dizer que o fenômeno da cidadania dá mostras de ares novos, seja no trato da relação entre economia e política, seja no grau de interesse do individuo pelas questões da cidadania e da participação política.
Um dos argumentos mais veiculados nas últimas semanas é o de que se a economia vai bem, logo não há muito o que temer. A constatação de que a economia está parcialmente neutralizada contra a crise, sem dúvida, pode ser resultado do fato de ela estar realmente seguindo seu curso quase inexorável, independente, devido ao seu desligamento progressivo – e neoliberal – das questões políticas. Mas o significado disso compromete, por sua vez, a importância que a política deveria ter para uma parcela significativa da sociedade, principalmente a parte apta a fazer essa avaliação. É como se parcela considerável da população pudesse prescindir dos mandos políticos para a realização de seus interesses: plano de saúde particular, plano de previdência privado, escola particular, segurança pessoal etc. Ora, se a inércia do cidadão diante da crise política se deve exclusivamente ao fato de a economia ter oscilado pouco, isso é ruim. Mas apenas isso, sozinho, basta para explicar a postura atual do cidadão e sua aparente inércia.
Um segundo problema é: se o cidadão, com tanta informação, não tem dado mostras de decepção diante do que está acontecendo, a causa pode ser para alguns a constatação de que a geração da informação ou é a geração da desinformação – aquela que vive de manchetes e não de notícias – ou chegou à atitude do ‘não estou nem aí’ para os outros, segundo a regra do ‘cada um pra si’, que dita a órbita do próprio umbigo.
Em estado terminal
Admitir que a economia vai bem (e, portanto, não há o que temer) e reduzir o impacto da informação a uma indignação que não suscita conseqüências coletivas implica uma forma que sugere, pelo menos por hora, que o cidadão – em face da internet, da TV por assinatura e de outros meios de comunicação –, em vez de fazer uso político da informação a que tem acesso, apenas a reduz ao entretenimento e à privacidade do lar. É como se a informação, para uma grande maioria de pessoas, fosse apenas uma opção para a mente, além de outras, como filmes, desenhos, videogames… É como se a TV Câmara ou a TV Senado fosse apenas mais um canal de ‘entretenimento’ disponível, ao alcance do controle da TV.
A avaliação possível de ser feita sobre a crise, até o presente momento, insinua que ou o clamor público é algo a ser acionado por dispositivos diferentes daqueles acessados pelos cidadãos, via informação – aí os novos caras-pintadas não passariam de uma massa inerte e manipulável –, ou o aspecto neoliberal (que separa política e economia) foi incorporado pela imensa maioria das pessoas, entendendo assim, mais do que nunca, que a busca de soluções de problemas coletivos está sendo encarada preferencialmente pelo viés privado e particular.
Essa avaliação dá mostras de que a democracia pode estar na UTI, visitando o cidadão em estado terminal. O agravante maior pode surgir na demora dos integrantes das CPIs em apresentar objetividade nos trabalhos realizados – em vez disso, ficam disputando audiência, acreditando que a aparição na TV garante a cada um resultados eleitorais. Isso faz com que as informações de Brasília acabem anestesiando definitivamente o cidadão: ele olha, mas não vê; respira, mas não se mexe; se informa, mas não reage. E assim surgem, lamentavelmente, os(as) viúvos(as): representantes sem representados, economia sem política, país sem governo e democracia sem cidadãos.
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Mestre em Filosofia Política pela UFG, professor de Ética e Filosofia na Universidade Católica de Goiás e na Unip