Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Denúncias e ‘esquecimentos’ de Veja

‘Renan é sócio oculto de empresa de comunicação em Alagoas, diz revista.’ Essa era a manchete da FolhaOnline no sábado, dia 4 de agosto. A notícia repica a capa da revista Veja (‘Os negócios secretos de Renan’). O semanário dá conta de que laranjas do presidente do Senado seriam os proprietários da Rádio Correio e da JR Radiodifusão. Até aí, os veículos não noticiam nenhuma ilegalidade.

A denúncia das reportagens especula sobre a origem do dinheiro para a compra dessas empresas. As matérias nada falam do coronelismo eletrônico. É sintomático que não critiquem parlamentares que não deveriam ser donos de concessão de rádio e TV. Donde se conclui que, com dinheiro limpo, é possível comprar uma ilegalidade ou, na melhor das hipóteses, uma imoralidade flagrante.

Essa histórica imundície já recebeu até justificativa oficial. Antonio Carlos Magalhães, ex-ministro das Comunicações de José Sarney, foi quem anunciou a política do ‘é dando [concessões] que se recebe [cinco anos de mandato]’. Após a Constituição de 1988, a outorga de concessões deixou de ser feita pela Presidência da República. Hoje, é votada pelo Congresso Nacional – incluindo os próprios donos da mídia.

Sanguessugas reeleitos

Recentemente, no dia 26 de julho, a FolhaOnline repercutiu o falecimento de ACM. Antonio Carlos Júnior é o suplente que deverá assumir a vaga do pai. Lá pelas tantas, sem qualquer crítica, a matéria informa que o futuro senador ‘é presidente da Rede Bahia, grupo de empresas que inclui o jornal Correio da Bahia, a TV Bahia, afiliada à Rede Globo de Televisão, e emissoras de rádio’. Pode?

Conforme informa a revista Veja desta semana, além de Renan, a família de outro parlamentar alagoano, Fernando Collor, é também dona da mídia, incluindo a afiliada da TV Globo. A família Sarney, aliada de Renan (e do governo Lula), é dona da TV Globo no Maranhão. Esses casos são bastante conhecidos no país, embora nunca tenham sido denunciados no Jornal Nacional.

Existem outros exemplos menos conhecidos, mas que expõem o poder de ter a imprensa nas mãos. Dois deputados federais indiciados no escândalo dos sanguessugas são donos de emissoras de TV em Mato Grosso. Welinton Fagundes (PR) é dono de RTVs em Rondonópolis, Jaciara e Barra do Garças. Pedro Henry (PP) controla uma RTV em Cáceres. Entre os mais de 70 envolvidos nesse escândalo, eles são exceções: são os únicos que conseguiram se reeleger.

Omissão promíscua

Cinco ex-deputados, donos de concessões, entraram na mira do Ministério Público Federal no dia 23 de julho. A denúncia informa que eles participaram de votações que os beneficiaram. Entre os denunciados está Nelson Proença (PPS/RS), atual secretário de governo de Yeda Crusius (PSDB). Essa notícia foi destaque neste Observatório até porque a denúncia inicial partiu do Projor. Saiu na Folha, no Correio Braziliense, na Consultor Jurídico, mas… nada de notinha na imprensa gaúcha (se saiu, confesso que não vi).

Nelson Proença admite ser dono de emissora de rádio, mas garante estar afastado da direção. Na condição de parlamentar e dono da mídia, ele também foi o escolhido para ser relator do projeto de Conselho Federal de Jornalismo. Eticamente, aceitou. Tecnicamente, determinou seu arquivamento.

Longe de ser uma unanimidade, a proposta do CFJ tinha jornalistas graduados entre seus mais ferozes críticos. Nenhum desses críticos acusou a promiscuidade de ser um dono da mídia que, a rigor, abatia a proposta sem qualquer debate em plenário. É verdade que o governo Lula não quis comprar briga com esse projeto e lavou as mãos, mas isso não atenua a omissão de observadores contrários à proposta.

Honrosas exceções

Por que Veja não denunciou a ilegalidade? Por que Veja se ocupa com a origem do dinheiro, mas não trisca no fato de Renan Calheiros ser dono de uma rádio? Alberto Dines deu a resposta, em artigo publicado em agosto de 2005.

‘Os grandes veículos não ousam denunciá-la porque não querem quebrar o acordo de cavalheiros que reina no mundo da mídia (…) A mãe de todas as ilicitudes, a inconstitucionalidade que macula de 20% a 30% dos parlamentares e que os demais fingem não existir – por interesse corporativo ou desinteresse cívico-moral – é a autoconcessão de canais de rádio e TV.’

Existem algumas honrosas exceções em passado distante. O Correio Braziliense já noticiou dados pesquisados pelo professor Venício Lima. Em 2001, a repórter Elvira Lobato, da Folha de S. Paulo, constatou que políticos controlam 24% das TVs do país. Sua matéria cita nomes como Garibaldi Alves, Tasso Jereissati, Albano Franco, Gilvam Borges, Edison Lobão e José Agripino Maia, entre outras vestais.

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Jornalista, Porto Alegre, RS