Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Denuncismo denunciado

Pior do que a impunidade é o linchamento. A justiça sumária é igual à injustiça. A lentidão do Judiciário pode ser preferível à sentença açodada. O que aconteceu com Antonio Carlos Hummel, Diretor de Florestas do Ibama, preso por fazer parte de um esquemão de venda de madeira nobre, é a repetição compactada do triste caso da Escola Base.


Com uma diferença: desta vez, em poucos dias, um jornalista conseguiu reverter o estúpido justiçamento que estava em marcha. Elio Gaspari (Folha de S.Paulo e O Globo, quarta, 22/6) com um apenas um ‘basta!’ mostrou que o Ministério Público, a Polícia Federal, a Justiça e até o Ministério do Meio Ambiente estavam cometendo uma tremenda injustiça com um funcionário qualificado, honesto e zeloso.


As autoridades podem errar, a imprensa não. Uma ordem de prisão pode ser revertida, uma sentença pode ser anulada – um estigma, não. Jornalistas precisam pensar nisso, sobretudo nestas trepidantes temporadas de caça.


Na ânsia de mostrar serviço no início da onda denuncista, a PF foi leviana e apressada. Não se preparou devidamente para executar a tal Operação Curupira. A imprensa, excitada, quase histérica, foi atrás. Em situações normais, poderia aparecer nas redações um editor mais maduro, capaz de impressionar-se com as evidências de uma injustiça. Mas no clima de ‘mata e esfola!’ hoje imperante, as chefias de redação exigem furos, matérias exclusivas, não admitem ser ultrapassados pelos concorrentes, de olho nos prêmios e na glória. A internet, longe de converter-se numa trincheira contra os apedrejamentos, é um depósito de pedras e de ressentimentos.


Paradigma da irresponsabilidade


Elio Gaspari no momento vive nos EUA e mesmo de lá conseguiu tirar um inocente do paredón. Certamente recebeu uma dica, jornalistas trabalham com dicas – do Todo-Poderoso, de secretárias, ex-cônjuges ou gargantas profundas. Com a dica, parou para pensar, investigou. E escreveu um texto simples, direto, sem qualquer malabarismo estilístico ou emocional.


Arrasador. Acabou com o calvário de um inocente e mostrou como a imprensa pode funcionar como carrasco [veja abaixo].


Será que a dica passada a Elio Gaspari conseguiria ser ouvida numa redação do Rio, São Paulo ou Brasília? Ou foi o fato de estar distante que lhe permitiu enxergar as coisas sem paixões? Se esta última hipótese for verdadeira teremos que despachar para o exterior nossos maiores talentos… para cobrir nossa política doméstica.


Nesta desvairada maratona denuncista desvendaram-se muitos farsantes e fraudadores, mas ao lado dos anúncios para buscar repórteres investigativos conviria abrir meia dúzia de vagas para jornalistas capazes de separar-se da manada e proclamar como o poeta José Régio – ‘não vou por aí’. Jornalista sempre foi bicho solitário. Sobretudo quando trabalha em grupo.


A exaltação partidária nunca fez bem ao jornalismo. O atual surto liquidou o que restava de bom senso e isenção. Transformou o Caso Hummel num paradigma de irresponsabilidade coletiva. E padrão de responsabilidade individual.


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Elio Gaspari


‘Ser direito dá cadeia’, copyright Folha de S.Paulo / O Globo, 22/6/05


‘Aconteceu entre Brasília e Cuiabá um episódio que deve levar os procuradores do Ministério Público e a imprensa a refletirem sobre seus papéis na defesa da lei e dos direitos dos cidadãos.


Deu-se o seguinte:


No dia 2 de junho, os esforços do procurador Mário Lúcio Avelar e da Polícia Federal resultaram no desencadeamento da Operação Curupira, destinada a capturar larápios que se haviam associado a quadrilhas de desmatadores de terras indígenas. Em poucos dias encarceraram-se 93 pessoas. O maior peixe da rede, preso a pedido do procurador, chamou-se Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. Depois de ser tratado como foragido, Hummel apresentou-se à Policia Federal, em Brasília. Viajou algemado para Cuiabá. Aos 50 anos, esse engenheiro florestal com 23 de anos de serviço público, dois filhos, um apartamento de três quartos e dois carros Gol, foi transformado no seguinte:


Segundo o procurador, ‘ele autorizou operações ilegais que levaram à comercialização de 10 milhões de metros cúbicos de madeira’. (Feitas as contas, noticiou-se que a quadrilha desmatou área equivalente a 52 mil campos de futebol, tirando madeira suficiente para encher 66 mil caminhões, ao valor de quase R$ 900 milhões.) Faz bem à saúde pública que o Ministério Público corra atrás da ladroeira florestal, mas havia uma questão pendente na cadeia de Cuiabá: e o que é que Hummel teve a ver com isto? A essa altura, guardado numa cela, o engenheiro chorava.


O presidente do Ibama defendeu-o, e a ministra Marina Silva lembrou que não recebera o inquérito que o incriminava. ‘Se ela quiser, eu envio para ela. Já mandei uma cópia para a Polícia Federal, é só ela pedir que vai entender tudo’, respondeu o doutor Avelar.


No dia 7, depois de passar quatro noites na cadeia, o engenheiro soube, pelo procurador, que seria solto. Só então iriam ouvi-lo. Com a palavra o delegado federal Tardelli Boaventura, responsável pelas investigações da Curupira: ‘O procurador acompanhou o interrogatório. A Polícia Federal não tinha nada contra ele. No final, o procurador concluiu que não deveria sequer ter indiciado ele’.


Vai-se a internet e cadê a notícia de que Hummel foi desonerado e solto? Foi publicada aqui e ali, magra como um faquir. Jogou-se fora o trigo e mascou-se o joio. Um diretor de órgão público avançando no patrimônio da Viúva não chega a ser novidade. Sensacional é o servidor honesto ir para a cadeia e vir a saber, antes de ser ouvido, que será solto sem mais nem menos. Isso é que é notícia, como diz Hummel: ‘Ser direito dá cadeia’.


O sujeito trabalha a vida toda naquilo que gosta, servindo ao Estado na defesa do meio ambiente. Constrói uma reputação internacional e, de uma hora para outra, está em cana, com a vida triturada. Desde a prisão de Edmond Dantés sabe-se que coisas desse tipo podem acontecer, até por acidente.


Hummel não pretende ser um Conde de Monte Cristo, mas vai à Justiça para entender o que lhe aconteceu.


O engenheiro estava na cadeia enquanto a ECT do ministro Eunício Oliveira contratava como consultores diretores que demitira. Henrique Meirelles e Romero Jucá continuavam no Banco Central e no Ministério da Previdência. Ambos respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Lula, que não sabia do men$alão, prefere mantê-los no cargos. Já o pobre (pobre mesmo) Hummel foi preventivamente afastado da diretoria de Florestas do Ibama.’