Na caminhada em direção ao futuro, os meios impressos penetraram num terreno minado e ainda é prematuro prever quem chegará do outro lado ileso e quem será abatido ou drasticamente mutilado por eventual explosão. O produto jornal é o que faz a travessia mais perigosa. Os riscos são ainda maiores para os jornais de interesse geral, os não segmentados, também chamados de “jornal para todos”, e dos quais os professores da Universidade de Navarra, na Espanha, diziam, isto há 20 anos, que um dia seriam jornais de ninguém.
Uma parte da publicidade, o grande pilar de sustentação dos impressos, já migrou para a internet. Pode-se dizer que no Brasil a intensidade dessa migração passa a depender da expansão e acessibilidade da banda larga, do mesmo modo que parece óbvio que os impressos ainda são beneficiários da precariedade de nossos canais digitais. A previsão de que nos países em desenvolvimento os impressos ainda têm espaço para crescer e que, portanto, estariam por um período de seis a 10 anos infensos à crise decretada pelos meios digitais, lembra uma dose de otimismo feita para evitar o desespero. O mundo digital é, ao mesmo tempo, fortemente ameaçador e imprevisível. Ninguém sabe o que realmente vai acontecer.
Concorra com você mesmo antes que os outros o façam – diz o velho preceito de marketing que estaria a aconselhar os jornais impressos a introduzir seus conteúdos nos meios digitais e ali recuperar pelo menos uma parte da publicidade perdida em papel e obter receitas com a venda de versões digitais das versões impressas. O New York Times – um jornal de interesse geral – segue esse caminho e, pelo que se informa, já obtém sucesso com a venda de 500 mil assinaturas de sua versão digital. Mesmo assim, não parece ser uma fórmula mágica: não devemos nos esquecer que o New York Times tem tradição no investimento em qualidade de informação. Nos últimos 20 anos, enquanto o New York Times mantinha-se determinado em captar mais informações com mais qualidade, as atenções no Brasil se voltavam para a indústria gráfica e a impressão em cores. Vários dos grandes impressos brasileiros reduziram drasticamente seus investimentos em qualidade de informação.
Reinventar procedimentos
O que fazer, então? Como caminhar pelo terreno minado com aquela margem mínima de segurança necessária para fazer incólume a travessia? Algumas trilhas mais seguras são descobertas aqui e ali e é preciso apenas prestar mais atenção em certos cenários. Jornais segmentados, especialmente aqueles de economia e negócios, no mundo inteiro têm obtido resultados animadores com a venda de seus conteúdos nos meios digitais. A previsão é de que isso ocorra também em relação aos jornais segmentados do Brasil, desde que invistam com mais vigor na qualidade e na abrangência de seus conteúdos e que definam com mais clareza e competência suas estratégias de participação no mundo digital. Outros, regionais, mantêm-se infensos à crise graças a apostas antigas nos chamados conteúdos locais.
Os jornais de interesse geral deveriam pensar melhor em suas próprias incoerências¸ que se tornaram gritantes diante da dinâmica da nova economia brasileira. Um exemplo: existem pesquisas que mostram que o interior paulista lidera o consumo no estado de São Paulo. Faz muitos anos que os jornalões paulistas abandonaram o interior do estado. Torna-se incompreensível, portanto, que os jornais não circulem mais – ou circulem residualmente – na região com uma das economias mais dinâmicas do país. Nesta nova ordem econômica, os fatos não acontecem mais nos lugares onde sempre aconteceram. Acontecem em outros lugares e seria imprescindível que os jornais monitorassem a pujança dos novos mercados. Precisariam, portanto, reinventar sua estrutura jornalística: ter menos jornalistas nos eixos tradicionais e mais deles nos novos eixos, que passam por várias localidades do interior paulista, por várias subregiões do Sul, do Centro Oeste, do Norte e Nordeste. Se tivessem por hábito ouvir seus leitores com assiduidade, os impressos talvez descobrissem que deveriam voltar para os lugares onde há muito tempo não estão mais.
Agora mesmo, a seca registrada nos Estados Unidos, ao lado da enchente registrada na China, nos levam a prever que o agronegócio no Brasil viverá um novo ciclo de prosperidade. O agronegócio seria, como sempre foi, uma fonte exponencial de conteúdos do interesse de leitores e internautas. Como fazer a travessia com segurança, de costas viradas, por exemplo, para a magnitude do agronegócio no Brasil? Evitar a explosão da mina é também recuperar as noções de hierarquia da informação e reinventar os procedimentos jornalísticos de acordo com os novos interesses de seus leitores.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]