Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Dilma e a mídia, a primeira vitória



‘Homens e mulheres podem ser competentes ou não. Sensíveis ou não. Honestos ou não. Mas da primeira brasileira que chega à Presidência da República o eleitorado espera, além da eficiência, um novo jeito de fazer política, diferente daquele que o mundo masculino produziu até aqui. E que deixe no governo a marca da mulher. Esse é o maior desafio de Dilma Rousseff.’


Este é o texto de abertura da revista Claudia de janeiro, comemorando a posse de Dilma Rousseff. O texto está certíssimo, só tem um erro de data. O desafio começou antes da posse. Decidida a ter um terço do ministério composto por mulheres, Dilma só conseguiu emplacar nove, a maioria para ministérios das áreas sociais. O PT foi quem mais indicou mulheres. Os partidos aliados alegaram não ter nomes representativos para indicar.


Para justificar a nomeação, essas mulheres vão ter que trabalhar muito mais do que os colegas porque partem de uma desvantagem: seus erros serão atribuídos, antes de mais nada, ao fato de serem mulheres. E os partidos que relutaram em fazer a indicação vão ficar cheios de argumentos para fazer a substituição por homens. Para fazer sucesso, como aconteceu com Dilma Rousseff, elas vão ter que ir além da competência, abrindo espaço no governo e impondo sua vontade sem se preocupar com simpatia ou feminilidade. Correm o risco de serem chamadas de ‘dama de ferro’ ou coisa pior.


Como disse Hillary Clinton, a secretária de Estado americana, ao saber que durante a campanha chegou-se a questionar a sexualidade de Dilma:




‘É o mais baixo nível a que se pode chegar em uma campanha. Não importa a sexualidade da presidente, o país precisa que ela faça um bom governo. A ideia de uma mulher na presidência realmente me agrada muito. Fico feliz não só pelo país de vocês, mas pela mensagem que passa ao resto do mundo. O Brasil é um dos maiores países a ter uma mulher no comando’ (O Estado de S.Paulo, 3/1/2011).


Desigualdade entre homens e mulheres


Com um time feminino aquém do desejado, Dilma, no entanto, já conseguiu uma primeira vitória: a imprensa está – como deveria – mais preocupada com o que a presidente faz do que com seu visual. À exceção de um artigo da Folha de S.Paulo (9/1) sobre o fato de ela ter escolhido uma costureira para fazer seu vestido de posse – o que, segundo o texto, é ruim para a indústria da moda brasileira, pois demonstra que as grifes não fazem roupas para mulheres comuns – nada mais se falou sobre o tema. O que é um bom sinal.


Sinal de que as futilidades (exceto a discussão sobre o cabelo e maquilagem da primeira mulher presidente do Brasil) não combinam com a imagem que a imprensa faz da presidente. Para alegria da mídia, a área do charme, beleza etc. etc. está sendo preenchida pela jovem esposa do vice-presidente, destinada a satisfazer a necessidade das revistas de fofoca e celebridades. Melhor para Dilma, melhor para as mulheres, melhor para o país.


Dilma é a primeira mulher presidente, mas o que é notícia, no momento, é a composição do segundo escalão, a disputa pelo valor do salário mínimo e o estilo empresarial que Dilma está – segundo a imprensa – impondo à sua recém-iniciada gestão.


Ao que tudo indica, a imprensa está madura para conviver com uma mulher presidente, preocupada com seus atos e não com seu sexo ou seu visual. Vamos esperar que a presidente não esqueça seu compromisso de ‘honrar as mulheres’ e que os partidos políticos descubram que está na hora de valorizar seus quadros femininos, e não apenas dar lugar às mulheres para preencher a cota de 30% de candidatas imposta por lei.


Dilma é presidente, mas, como mostrou a Folha de S.Paulo (9/1), ‘o Brasil situa-se no 81º lugar no ranking de desigualdade entre homens e mulheres de 134 países, tendo como indicadores o acesso à educação e à saúde e a participação econômica e política das mulheres (relatório Global Gender Gap)’.

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Jornalista