Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Dilúvios, modo de cobrir

A TV Globo estava no ar havia nove meses sem conseguir liderar a audiência como prometera. Diante da catástrofe que se abateu sobre o Rio, Roberto Marinho deu o sinal verde: as câmeras foram para a rua, a emissora ficou no ar enquanto durou o dilúvio – três dias ininterruptos – cobriu a vida da população atarantada, o resgate das vítimas, coordenou a ajuda aos desabrigados. Quando acabou a tormenta, a Globo estava relançada. E consagrada.


A chuva torrencial começou em 11 de janeiro de 1966, a maior precipitação pluviométrica ocorrida na cidade desde 1883, quando começaram as medições. Só no primeiro dia morreram 117 pessoas vitimadas por deslizamentos de encostas e desabamentos. Um edifício nas Laranjeiras estatelou-se no chão (ali morreu um dos irmãos do jornalista Nelson Rodrigues). No interior do estado do Rio, romperam-se as represas da Light, interrompeu-se o fornecimento de energia e, em seguida, foi decretado um rigoroso racionamento.


Eleito em outubro do ano anterior, diante da resistência da linha dura militar o governador Negrão de Lima só conseguira tomar posse no início de dezembro de 1965, graças ao aval do presidente-general Humberto Castelo Branco. Nas primeiras horas da tragédia, o governo federal abriu uma linha de crédito de 2 bilhões de cruzeiros. Um verão para não esquecer.


Jornalismo é serviço público. A história da imprensa mundial tem inúmeras façanhas como a do batismo da TV Globo; no Brasil, mínguam – esta aconteceu 43 anos atrás, há mais de uma geração.


Era dos cataclismos


Os portais de notícias brasileiros perderam uma excelente oportunidade de exibir o potencial da internet. Na cobertura dos estragos causados pelas últimas chuvas, não souberam tirar partido do clima de recesso das redações de jornais – sobretudo na estressada Paulicéia – e contentaram-se em aproveitar as sobras da intensa movimentação das rádios. Já na sexta-feira (1/1) à tarde, doze horas antes dos jornais de sábado, poderiam ter mostrado os estragos na Ilha Grande, em Angra dos Reis e no outro lado da montanha, no vale do Paraíba (Cunha e São Luiz de Paraitinga).


Os portais noticiosos da internet assumem-se como os exterminadores da mídia impressa, mas não se dispõem a investir em jornalismo. Falam em ‘conteúdo exclusivo’, mas até agora não se viu um portal de notícias fretar um helicóptero para cobrir uma emergência ou destacar uma equipe para investigar uma denúncia. Não querem ser testados nem comparados.


As redes ‘sociais’ da web aparentemente funcionaram na localização de sobreviventes, identificação de vítimas, distribuição de imagens e a blogosfera – como sempre – encheu-se de indignação. Na melhor das hipóteses isto é comunicação, não é jornalismo.


Também não é jornalismo forçar lágrimas dos telespectadores com depoimentos chorosos. Estas lágrimas secam depressa. Estamos ingressando na era dos cataclismos, convém preparar-se para desafios mais difíceis.