Reportagem, como quase tudo o mais, tem seus modismos – e um deles, nos anos 80, consistia em submeter o entrevistado, não importando qual fosse o seu ramo de atividade, a uma sabatina sobre temas em voga. As drogas. A liberdade sexual. O declínio da fé religiosa. E nessa picada seguíamos. Nem o poeta Carlos Drummond de Andrade, a dois anos de morrer (de outra causa, felizmente), escapou de semelhante interrogatório, promovido por este cronista. Entre outros itens, perguntei o que achava do homossexualismo. Tudo o que parece antinatural é natural, respondeu Drummond, que num poema falara dessa ‘outra forma de amar no acerbo amor’. Mas lhe parecia haver um certo ‘folclore meio desagradável’ em torno do assunto. Como assim? O cultivo da experiência como se fosse uma fonte de conhecimento vital, explicou. De resto, nada como a relação homem-mulher, para a qual não via ‘substitutivo’. E arrematou, recitando um slogan de água mineral de seu tempo de moço: ‘Basta de experiência, beba Caxambu’.
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Parêntese. Fernando Sabino me contou que em duas ocasiões Drummond lhe puxou as orelhas por haver terminado casamentos. Isso não se faz, ralhou o poeta, que, como se sabe, manteve até a morte seu casamento sessentenário com Dolores – sem prejuízo do notório casamento paralelo, sem casa montada mas igualmente vitalício, que desde o início da idade madura (‘na curva perigosa dos 50 derrapei neste amor’) o ligou a Lígia Fernandes.
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Ainda a propósito dos modismos jornalísticos. Na ânsia de surpreender o leitor, houve também a voga de colher opiniões de figuras públicas sobre assuntos que fugiam às suas especialidades. Botar o cirurgião, por exemplo, para falar de arte cinematográfica, ou o jogador de futebol para comentar uma portaria do Banco Central. Quem vamos ouvir sobre este assunto? – perguntava-se nas redações, em sôfrega procura pelo enfoque ‘original’. Logo se destacaram, no picadeiro midiático, umas tantas figuras sempre prontas a deitar falação sobre o que quer que fosse. A tal ponto que um dia, na IstoÉ, imaginamos juntar os falastrões mais salientes em matéria que, se pudesse ter seu título mais exato, se chamaria ‘Os caga-regras’. Assim fizemos – com uma nota de perversidade: publicamos também um quadro em que o leitor, caneta na mão, era convidado a estabelecer a relação entre umas tantas declarações, recolhidas nas revistas e jornais, e, em outra coluna, os autores delas. O que se viu foi o economista – digamos – a palpitar sobre balé, e o bailarino a discretear a respeito de finanças. Deu o maior bafafá, naturalmente. Mais de um caga-regras protestou em carta à redação. Nomes deles? Não direi nem sob tortura – vá procurar você nos arquivos da revista.
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No auge da ditadura, não era incomum o caso de jornais que tinham, entre seus articulistas, algum opiniático militar de pijama. Embora longe da ativa, o ex-homem de armas não abria mão de meter sua colher ideológica nos destinos da Pátria. A qual, tendo sido salva do comunismo, precisava ficar livre também dos costumes dissolutos que grassavam entre a juventude. Foi este o assunto, certa vez, de um dos oficiais da pena, autor de uma diatribe contra a imoralidade que a seu ver campeava entre moços e moças. Aonde vamos parar, senhores?! Não faltou, claro, a lambida retórica com língua morta, o tempora, o mores! Título da catilinária: ‘Moral em ocaso’. Por maldade ou simples erro, saiu assim: ‘Moral em Osasco’. Perplexos, moradores desse município da Grande São Paulo só faltaram ir em passeata à redação para cobrar: mas por que Osasco? Por que não Carapicuíba?
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Nos muitos anos que passei em redações, raramente vi uma vaga ser preenchida após consulta aos currículos que não paravam de chegar. Em vez disso, em geral recorria à indicação de alguém da própria equipe. Até porque nos currículos se podiam ler às vezes pérolas como a que pesquei num aspirante à crítica de arte: ‘Conhece, de perto, Elizabeth Taylor’.
Às vezes penso que deveríamos ter contratado aquele camarada.
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Jornalista