Aconteceu na quarta-feira (15/12) o Ato-Debate ‘Wikileaks, o que está em jogo?’, organizado por 17 entidades da organização civil, em sua maioria ligadas à comunicação. Natália Viana, jornalista parceira do Wikileaks no Brasil, esteve presente para comentar o caso e responder perguntas da platéia sobre os fatos relacionados aos documentos que pautaram a mídia nos últimos 20 dias. Natália apontou que os jornais estão dando notícias, mas as pessoas, inclusive repórteres, não estão lendo os documentos que estão sendo disponibilizados pelo Wikileaks sobre o Brasil, não chegam a acessar o documento além da matéria jornalística. ‘A Folha está dando, todo mundo seguindo, e pouca gente está fazendo reportagens. Saiu muito mais coisa, tem coisa muito interessante, e ninguém está lendo’.
O apontamento de Natália dizia respeito também à mídia independente, que foi lembrada durante o debate. O grupo Wikileaks fez parceria com cinco jornais do mundo para dar visibilidade aos documentos diplomáticos e, no Brasil, para dar visibilidade aos 2.855 documentos, o grupo internacional fez parceria com a Folha de S.Paulo e O Globo, dois jornais de grande circulação, de dois estados diferentes. Esses dois grupos, mais a jornalista, tem exclusividade de todos os documentos brasileiros e vão soltar aos poucos. A ideia é dar grande visibilidade a cada documento, no critério de cada veículo. A escolha deste veículos por parte do Wikileaks para ajudar a noticiar os documentos foi intensamente criticada pela platéia e militantes a favor da democratização da comunicação.
Natália afirma que o objetivo do Wikileaks é dar a maior amplitude aos documentos que ‘contam a história de um império em decadência’, afirmou, citando Julian Assange. ‘Os documentos não foram liberados porque o Julian Assange achou que era fofoca. É porque eles trazem indícios de má conduta dos EUA para com o resto do mundo’, disse a jornalista. Ela também garantiu que não houve critérios políticos para a escolha dos jornais em questão, apenas critério de alcance. ‘Fiquei enlouquecida com os documentos’, empolga-se. ‘Contam a história do governo Lula inteirinha visto pela diplomacia americana’.
Para tocar o trabalho jornalístico de transformar os arquivos em notícia, Natália está trabalhando solitariamente de forma voluntária, dando visibilidade aos documentos por meio do seu blog na CartaCapital , e pelas equipes dos dois jornais brasileiros. Tudo será publicado, mas com o critério de importância editorial de cada publicador. ‘Cabe aos jornais decidirem o que eles vão lançar’, explicou.
Nos EUA existe direito à informação pública, e todos os documentos podem ser revelados mediante solicitação da sociedade civil. Mas os pedidos têm um tempo para serem divulgados, e quanto mais secreto, mais tempo leva para serem acessados, mas são.
Natália acredita que o Wikileaks apareceu em um momento peculiar da comunicação brasileira: ‘esse ano foi muito interessante pra quem discute democratização da comunicação no Brasil. Na Confecom isso apareceu muitas vezes. Todos os jornais apoiaram quando teve a coisa dos humoristas que não poderiam tirar sarros de políticos, a demissão da Maria Rita Khel, a Falha de S. Paulo, a crítica do presidente aos jornais’.
Segundo Natália, há 2.855 documentos sobre o Brasil para serem liberados, riquíssimos. Desses, 1.947 são da embaixada americana em Brasília, 12 do Consulado em Recife, 119 no Rio de Janeiro e 777 em São Paulo. No total, a organização internacional possui 250 mil documentos. Em todos eles, há o trabalho de retirar nomes de pessoas para não prejudicá-las.
O debate pretendia discutir o acesso à informações públicas a partir do caso Wikileaks, mas acabou servindo também de local de protesto por transparência, contra a criminalização da internet, pela liberdade de expressão – pautada também por Lino Bocchini, criador da Falha de S. Paulo, que está sendo processado. Ele compos a mesa juntamente com Natália.
Em resposta às críticas quanto à escolha de jornais da grande imprensa para terem um acesso inicial aos documentos, a jornalista afirmou que O Wikileaks não é a favor da concentração da mídia, ‘tanto que o principio é tudo estar no site para todos receberem. A organização trabalha baseada no princípio de espalhar seus documentos’. Ela foi questionada quanto ao tratamento editorial dado por esses grupos no caso dos documentos tratarem de questões da comunicação no país, como a projeto de lei de cybercrimes do senador Eduardo Azeredo, intensamente citada ao longo do debate. Pessoalmente, Natália prometeu para os militantes pesquisar documentos específicos sobre essa questão.
Pedro Ekman, membro do Intervozes, discutiu o critério político da escolha dos jornais. ‘Acho a estratégia válida, se fosse o Wikileaks sozinho já tinha ido. Mas no Brasil porque não [veículos como] a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e a Carta Capital?’, perguntou. Ele citou que apesar desses veículos não terem a mesma penetração do grupo Globo, essa exclusividade provavelmente está trazendo retorno financeiro, e seria uma possibilidade de fortalecer a emissora pública, por exemplo.
Platéia
O Ato-Debate feito no Sindicato dos Engenheiros, em São Paulo, contou com a participação de 150 pessoas. Pelo Twittcam, chegaram a acompanhar 600 pessoas, que fizeram a hashtag #atowikileaks ficar entre as mais repetidas do Brasil.
A jornalista e representante do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli, ficou impressionada com o número de pessoas presentes no debate. Ela acredita que todos têm claro que o que está em jogo é que todos tem que ter acesso à informação pública disponibilizada pelos seus próprios países. ‘Coisas do governo não são segredo de estado’, opinou.
Rachel Moreno, do Observatório da Mulher e Campanha pela Ética na TV, acredita que a criminalização de Assange é um ataque a toda a informação que não é conservadora. Ela compartilhou que uma rede de jornalistas britânicas e suecas com visão de gênero, que contataram feministas da respectivos países, relatou que a opinião geral é que todas estão estupefatas com a rigidez do crime pelo qual ele está sendo acusado. ‘As jornalistas femininas declararam que as bandeiras das mulheres estão sendo usadas com finalidades políticas que não tem a ver com a liberdade das mulheres’.