Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Dois olhares sobre o crime

O repórter Bruno Paes Manso, entre numerosas reportagens relevantes, assinou com Marcelo Godoy, no Estado de S. Paulo, em fevereiro, matéria que mostrava intrigante aumento do número de homicídios em bairros do centro de São Paulo, num quadro de acentuado declínio desse tipo de crime na cidade, em especial na periferia. Bruno acompanha esse assunto como repórter e como pós-graduando da USP, matriculado no departamento de Ciência Política. Tem participação frequente quando se trata de contextualizar e qualificar o noticiário sobre segurança pública. Ele escreve uma tese de doutorado sobre ‘Os Homicídios em São Paulo – Crescimento e Queda entre 1960 e 2000’. Em 2005, publicou o livro O Homem X – Uma reportagem sobre a alma do assassino em São Paulo.


Nesta entrevista para o Observatório da Imprensa, Bruno compara as atividades acadêmica e jornalística. No primeiro caso, ‘é preciso se respaldar em teorias que já trataram do assunto, participar do debate feito décadas antes de você escrever a respeito’. No jornalismo, ‘o fato e os personagens são senhores absolutos da narrativa’.


A seguir, a entrevista.


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O que o moveu a fazer doutorado e a escolher o assunto de sua tese? Qual foi sua formação universitária?


Bruno Paes Manso − Eu me formei em economia na USP em 1994. No meio do curso de economia, quis fazer jornalismo e estudei na PUC junto com a FEA. Os assuntos do caderno de economia nunca me atraíram em especial, mas sempre achei interessantes algumas ferramentas da econometria para enxergar e analisar os fatos. Enfim, depois de formado, fui trabalhar em jornal. Passei pela Folha de S.Paulo, Estadão e Veja. Na revista, em 1998, fiz entrevistas com matadores que me contaram a respeito das chacinas que praticaram. Essas conversas me despertaram a curiosidade sobre o assunto. Principalmente porque nas entrevistas os matadores se mostravam convictos dos crimes, justificavam, explicavam o que os motivou etc. Quis entender como uma cidade produz pessoas que acreditavam naquilo, como esse pensamento se dissemina, essas coisas. Era preciso me aprofundar e decidi tentar a ciência política. Ingressei no mestrado da USP em 2002 e no doutorado em 2005. Tive alguns problemas no doutorado e retomei em 2008. Já fiz todos os créditos e falta finalizar a tese. Devo acabar o curso em 2012.


Uma mistura de dissertação e apuração jornalística


O senhor já havia, portanto, publicado o livro O Homem X – Uma reportagem sobre a alma do assassino em São Paulo (Record) quando começou a fazer os créditos na USP.


B.P.M. − Eu escrevi o livro depois do mestrado. Foi uma mistura da dissertação e do que eu vinha apurando no jornal. Acabei tendo um pouco de dificuldade em resolver que linguagem usar. Acho que ficou uma mistura de linguagem acadêmica e jornalística, algo mal resolvido. Mas o livro tem seus méritos, ganhou o prêmio Vladimir Herzog e ficou em quarto no Jabuti (não que os méritos venham dos prêmios). O que pretendo em breve é botar no papel o processo de crescimento e queda dos assassinatos em São Paulo.


Recebeu algum tipo de apoio ou encorajamento da chefia, no jornal, para fazer o doutorado?


B.P.M. − O doutorado e meu emprego no ‘Metrópole’ do Estadão são atividades paralelas. Mas tento conciliá-las. Como estudo assuntos semelhantes àqueles com que lido no trabalho, sem dúvida o doutorado acaba me ajudando a enxergar os fatos de outra forma. Mas existem conflitos, claro. O cotidiano em um caderno diário é um pega-pra-capar e o importante é virar a manchete do dia seguinte. O compromisso da reportagem é com o curto prazo. O tempo da academia é outro. A busca é para explicar os fatos. Não que um seja melhor do que o outro. Creio que são atividades complementares. Eu tento escapar, na medida do possível, do olhar imediatista dos diários. Mas nem sempre consigo.


Encontrar respostas para dúvidas antigas


Que vantagem traz para o jornalista, de modo geral, a continuação dos estudos numa pós-graduação? E no seu caso específico?


B.P.M. − As vantagens, ao que me parece, são acima de tudo imateriais. Estudar evita o tédio diante da vida e da profissão. Há sempre muito o que aprender e descobrir e por isso a gente nunca se enjoa. Agora, isso não traz necessariamente status ou dinheiro. Não acho que seja um caminho para alguém que queira ficar rico ou famoso. Continuo depois de dez anos porque quero encontrar respostas para as dúvidas que tinha quando ingressei no curso. Já que ajoelhei, agora vou ter que rezar. Não que eu vá encontrar essas respostas, mas acho que pelo menos vou poder escrever com bastante embasamento sobre uma fase da cidade que poucos conhecem. Acho que esse foi meu ganho.


Que dificuldade específica tem o jornalista para se enquadrar no molde universitário? E que vantagem?


B.P.M. − As dificuldades são grandes. Porque o jornalismo é descritivo, narra histórias, acontecimentos, e não busca se aprofundar nas causas por trás do ocorrido. Na ciência política, creio que o principal objetivo é explicar as forças invisíveis por trás dos fatos visíveis. É preciso se respaldar em teorias que já trataram do assunto, participar do debate feito décadas antes de você escrever a respeito. Em um trabalho acadêmico, a demonstração da hipótese, a teoria que respalda essa demonstração, são tão importantes quanto a descrição dos fatos. No jornalismo, o fato e os personagens são senhores absolutos da narrativa. A vantagem, por outro lado, é que o jornalista aprende a ser submisso aos fatos. Isso significa que de nada adianta uma bela teoria se ela não corresponde àquilo que está ocorrendo.


Homicídios se multiplicavam. Parecia não haver solução


Se o senhor começou há dez anos, não tinha havido a queda do índice de homicídios dolosos, constatada em série histórica, que chamou a atenção do público e dos especialistas. Qual era o objeto de investigação naquele momento?


B.P.M. − Quando comecei a mergulhar no tema, os homicídios cresciam ininterruptamente há mais de 20 anos em São Paulo. As vinganças, em lugares onde se mata demais, são quase regra, e durante os dois ou três primeiros anos a minha impressão era de que não havia solução para estancar esse crescimento − essa era a impressão também de muitos policiais e estudiosos. Acontece que, ao longo da década, esse ciclo cessou e depois se inverteu. Como jornalista e interessado no assunto, acho um enorme privilégio poder enfrentar perguntas sobre fatos tão impressionantes.


Qual é a maior dificuldade para trabalhar com o assunto criminalidade?


B.P.M. − A criminalidade é um assunto desagradável, que muita gente prefere evitar. Fica sempre a um passo do sensacionalismo e por isso deve-se ter muito cuidado para não errar a mão. Mexe com medos e preconceitos e nessas horas muitos acabam escorregando. É um cotidiano muito difícil, já que demanda inúmeras fontes policiais e entrevistas com pessoas que acabaram de passar por tragédias. Isso tudo é muito complicado. No dia a dia do jornal, não cubro crimes. Mas aqueles que conseguem tratar o assunto com dignidade são os profissionais que eu mais respeito no jornalismo. 


Em que estágio se encontra a elaboração de sua tese?


B.P.M. − Estou no meio da tese. Ainda preciso ler alguns livros, entrevistar outras pessoas. Devo defendê-la em 2012.