Um cidadão brasileiro que constrói seus pontos de vista frente à realidade a partir da grande mídia tende, entre outras visões distorcidas e maniqueístas, a acreditar que a corrupção estatal em nosso país começou somente em 2003, que o Brasil atravessa a pior crise econômica de sua história e a associar o termo criminalidade exclusivamente aos indivíduos que pertencem os setores economicamente desfavorecidos na pirâmide social (lembrando as palavras do ativista negro estadunidense Malcolm X, esse cidadão provavelmente odiará o oprimido e, em contrapartida, amará o opressor).
Nesse sentido, algumas coberturas midiáticas realizadas nos últimos dias corroboram cabalmente as colocações feitas acima. Se um membro do Partido dos Trabalhadores, ou da base aliada à presidenta Dilma Rousseff, está em alguma lista de delação premiada, a primeira reação da imprensa hegemônica é “condená-lo”, mesmo sem provas, direito de defesa, investigação ou parecer definitivo por parte do sistema judiciário. Entretanto, ao ver o nome de Aécio Neves citado pelo delator Alberto Youssef como suposto receptor de propinas relacionadas a contratos da hidroelétrica de Furnas (MG), muitos veículos de comunicação se esforçaram para escamotear esse fato ou, no máximo, dedicaram extensos espaços para a defesa do senador tucano. Práticas inconcebíveis, se o acusado fosse um político ligado ao Executivo Federal. Dois pesos, duas medidas.
Não obstante, outra tática da grande mídia para atacar o governo é superdimensionar a atual crise econômica. Evidentemente, qualquer pessoa sabe que passamos por intempéries econômicas: a experiência cotidiana demonstra facilmente essa situação preocupante. Todavia, a mídia brasileira, ao invés de explicar para a sua audiência os reais motivos da crise (que também incluem irresponsabilidades estatais, mas não somente isso), prefere exibir gráficos manipulados, estatísticas distorcidas e dirigir todos os ônus da crise exclusivamente para o governo federal, em uma tentativa desesperada de angariar dividendos eleitorais para os partidos de oposição nas próximas eleições.
Por fim, uma das notícias mais comentadas dos últimos dias, a morte por atropelamento do operário José Fernando Ferreira da Silva, provocada pelo empresário Ivo Nascimento Pitanguy, filho do famoso cirurgião plástico Ivo Pitanguy, demonstrou a indignação seletiva de nossa imprensa frente a crimes praticados por ricos e pobres. Não se trata de “defender bandido” e tampouco relativizar valores de vidas humanas, mas, em maio passado, quando um adolescente morador do subúrbio carioca matou um médico que andava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas, a cobertura midiática foi muito mais incisiva em condenar o ato ilícito. Parafraseando George Orwell, “os brasileiros são todos iguais, mas uns são mais iguais que os outros”. Não obstante, há três anos e meio, Thor Batista, filho do ex-bilionário Eike Batista, atropelou e matou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos e a postura midiática foi bastante semelhante ao caso Ivo Nascimento Pitanguy: nenhum tipo de discurso de repulsa frente ao ocorrido. Lembrando a clássica composição “Construção” de Chico Buarque, José Fernando e Wanderson, assim como muitos outros brasileiros pobres, morreram na contramão e, no máximo, atrapalharam o tráfego.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG