Jornais e revistas oferecem uma reflexão por escrito sobre as impressões e humores da sociedade. Nos tempos modernos veiculam uma profusão de más notícias, escândalos e fracassos que dão a tônica das edições. Tão forte é o viés do pessimismo generalizado na imprensa que ela deixa passar batidos fatos reveladores de enormes progressos sociais. De maneira semelhante faz o cidadão comum em casa ou no trabalho tragado em suas pequenas dificuldades cotidianas.
A observação aplica-se ao ruidoso aprofundamento da crise da Varig. Por mais delicado seja o tratamento de uma questão em que estão em risco alguns milhares de empregos, e ainda que soem cruéis certas receitas, podem-se constatar duas linhas diferentes de jornalismo. Há em curso duas matrizes de cobertura do caso, uma que joga para o grande público e outra que escapa da emotividade e analisa com objetividade. Qual das duas convence, qual delas vingará?
A vertente emoções estampou-se em fotos nas primeiras páginas dos grandes jornais durante a semana que passou. Aeroviários desembarcaram em Brasília e deram-se as mãos para criar um colar em torno de um Jumbo com a bandeira da empresa. Mais pungente foi o flagrante publicado na capa da Folha de S.Paulo, o drama de uma empresa glamurosa vivendo dias de inferno corresponde à bela jovem aeromoça de olhos marejados de dor, vistosa num lindo lenço verde e amarelo a dar-lhe a volta no pescoço [ver remissão abaixo]. Numa outra chapa, tirada no dia da volta à Terra do astronauta brasileiro, um cartaz exclamava algo como ‘Um no espaço, 11.000 no chão’, numa tentativa de pegar carona na confusa idéia de que a verba brasileira empregada no programa espacial melhor estaria na agonizante aerovia gaúcha. Todas essas apresentações da questão parecem omitir o custo para a sociedade da solução do problema.
Bem-intencionado, mas inócuo
Essas apelações não sobravam nas últimas matérias publicadas sobre o tema. Até uma das falácias dos diagnósticos de botequim no caso Varig, aquela que joga a culpa do caso no governo federal e nos seus planos econômicos, caiu por terra. Vai se impondo via imprensa, como a Veja na matéria ‘Razões para não ajudar a Varig’ (edição 1.952, 19/4/06), uma aritmética simples: para R$ 10 bilhões do rombo não seriam os R$ 3 bilhões de que a Fundação Rubem Berta acusa o Estado de dever à Varig por conta de congelamentos de tarifa, o grande vilão.
E não fosse a campanha anti-PT da Veja sua reportagem teria reconhecido ao governo Lula o mérito de peitar a pressão da classe média nacional, de não ceder à tentação populista, de não tomar o argumento roto ‘bandeira brasileira’ como fatal. Pois assim como artistas de audiência farta e políticos que pegam carona nos aviões da Varig, e diplomatas paparicados por escritórios da empresa no exterior, não terão faltado no entourage do presidente opiniões do tipo da assinada por Ricardo Kotscho, reproduzida na rubrica ‘Entre Aspas’ de edição recente deste OI. Kotscho, como se sabe, tem direito a freqüentar as cocheiras do Alvorada, ele que é um dos pioneiros do Partido dos Trabalhadores. Pois Kotscho, altruísta que é, sofre com a notícia de UTI de uma empresa que afinal está presente nas memórias mais caras dos viajantes como ele; doem-lhe também as aflições dos aeronautas e aeroviários atingidos. Mas Kotscho não aborda a realidade econômica do caso de modo que seu apelo não convence.
Pois Mario Amato e quejandos diriam não haver no PT senão esse tipo de avaliação, a do companheirismo bem-intencionado, mas inócuo. O país amadureceu e os fundamentos de mercado é que estão dando as cartas no caso da Varig. Comemore-se o racional econômico prevalecendo no Estado brasileiro independente da ideologia do partido no governo.
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Dirigente de ONG, Bahia