Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

E o outro lado, não é para ser ouvido?

Na tarde da quarta-feira (29/3), o relator Osmar Serraglio leu o relatório
final da CPI dos Correios. A sessão foi exibida na integra pela TV Senado e
Globonews, partes essenciais foram transmitidas pelas principais redes de rádio,
as conclusões mais candentes encheram os telejornais da noite e animaram as
manchetes dos jornais do dia seguinte. Com menções nominais, fotos e
acusações.


Na quinta (30), os principais jornais reproduziram breves contestações de
José Dirceu e Luiz Gushiken, os ex-ministros citados pelo relatório. Sem o mesmo
destaque das acusações, evidentemente. Do advogado de José Dirceu pescou-se a
frase ‘o relatório é obra de ficção’, e da defesa de Gushiken o argumento de que
‘o relator capitulou à lógica do espetáculo sem olhar para os fatos’.


A íntegra do relatório com todas as acusações esteve disponível nos portais
dos três jornais de referência nacional (Estado de S.Paulo, Folha de
S.Paulo
e Globo). A nenhum deles ocorreu a idéia
de reproduzir o dossiê preparado pelo ex-ministro Gushiken e entregue a todas as
redações e principais colunistas no mesmo dia da leitura do
relatório.


A defesa de Gushiken encontrou guarida apenas no blog do jornalista Fernando
Rodrigues
(postada na retranca ‘Documentos’ dois dias depois,
sexta-feira, 31/3, às 18h57), que também reproduziu a defesa preparada pela
bancada do PT e pelo fundo de pensão da Funcef (Caixa Econômica Federal).


Seis dias depois


Note-se que a área de atuação do ex-ministro Gushiken era a comunicação do
governo, que envolve toda a mídia brasileira. A imprensa não poderia ignorá-la,
porque envolve a sua atividade na condição de veículos de publicidade. Ignorou:
e não porque temia ser acusada de defender quem supostamente teria distribuído
verbas de publicidade; ignorou porque, para a imprensa, a imprensa não é
notícia.


O mais importante de um episódio que certamente entrará para os anais do
jornalismo político é o contraste gritante e simultâneo entre dois
comportamentos – de um lado, o entusiasmo na exposição das acusações, no outro,
completa fleuma na divulgação dos argumentos dos acusados.


A disparidade ficou gritante demais. Talvez inevitável no dia seguinte pela
quantidade de pessoas acusadas (124), mas perfeitamente contornável nas edições
posteriores se houvesse real disposição de buscar ou, pelo menos, aparentar
equilíbrio.


Nesta terça-feira (4/4), seis dias depois das acusações, o artigo de Luiz
Gushiken na Folha (‘Guerra irresponsável’, pág. 3, reproduzido abaixo),
não repara a disparidade de tratamento. Só a evidencia.


***


Guerra irresponsável


Luiz Gushiken / copyright Folha de S.Paulo, 4/4/2006


Na história recente da política brasileira, raramente ações políticas foram
tão dramatizadas e tensas como as ocorridas no âmbito da CPMI dos Correios,
instalada em 15 de junho de 2005.


A referida CPMI teve méritos inegáveis. De sua vigorosa ação investigadora,
haverá de resultar maiores vigilância e controle da máquina pública e, espero, a
retomada mais corajosa em torno da urgência de uma profunda reforma política no
Brasil. Mas teve também sua imagem nublada quando, na voragem das denúncias,
permitiu a proliferação de comportamentos abusivos, danosos à imagem pública de
instituições e pessoas inocentes.


Na Antigüidade, cunhou-se a frase, hoje clássica: ‘À mulher de César não
basta ser honesta, mas, também, parecer honesta’. Da sabedoria política dos
mineiros, cravou-se outro ensinamento: ‘Em política, o mais importante não é o
fato, mas a versão sobre o fato’.


Mas foi no palco da CPMI, com ampla repercussão na mídia, que se adicionou e
se impôs uma outra regra, inquisitorial em seus métodos e perigosa em seus
efeitos, que se firma na idéia de que ‘a suspeição equivale à prova’.


Essas armas foram exploradas à exaustão, e poucas vezes se viu tamanho
estímulo para a prática de denúncias vazias e tamanha condescendência com o
exercício da calúnia.


‘Estou encantado, porque vamos nos ver livres dessa raça pelos próximos 30
anos’, bradou o senador Jorge Bornhausen em uma reunião com empresários, em
27/9/05, se referindo ao Partido dos Trabalhadores, revelando inequivocamente a
fúria oposicionista contra o governo Lula.


‘O sr. organizou uma quadrilha no governo Lula’, foi o que disse, de dedo em
riste, o deputado Onyx Lorenzoni, no dia 14 de setembro passado, no plenário da
CPMI, sem a mínima prova que pudesse amparar tão contundente acusação contra a
minha pessoa.


Comportamentos semelhantes se repetiram ao longo da CPMI, que se transformou
em terreno fértil para disseminar o veneno do desrespeito, da mentira e da
difamação. Os adversários se armaram para deflagrar tempos de guerra na
política.


Quando a política se resume ao horizonte da luta pela conquista do poder, a
esfera pública se torna campo fértil para uma guerra aberta, na qual aniquilar o
outro é a primeira e única regra do jogo. Arruinar reputações e destruir o
estoque de credibilidade são os primeiros passos.


Mas a destruição de reputações só tem eficácia quando a comunicação atinge a
opinião pública. Em meio a essa batalha -que ocorre desde maio de 2005-,
informações centrais para a opinião pública praticamente desapareceram ou
passaram despercebidas.


Quando compareci ao plenário da CPMI dos Correios, por cerca de 12 horas,
dentro do mais elevado respeito político ao Parlamento, sem uso de nenhum
instrumento prévio de defesa jurídica, debati exaustivamente as questões
levantadas pelos membros da CPMI. Rebati ponto por ponto e desfiz uma série de
interpretações incorretas e ilações.


De lá para cá, sempre que surgiram questionamentos ou interpretações
equivocadas, enviei prontamente esclarecimentos integrais, baseados em
documentação e fatos.


Em que pesem a consistência e a clareza das informações que ofereci, o texto
apresentado pelo relator, no entanto, preferiu adotar o juízo precipitado e sem
fundamentação. Faltou o devido ‘controle de qualidade’ para afastar teses e
acusações categoricamente desmascaradas.


Se tudo foi feito em nome da opinião pública, como alardeiam alguns, é
imperativo reconhecer que, ao invocar o sagrado nome da opinião pública, não se
pode cometer injustiças e prejulgamentos e jamais se pode culpar aqueles que são
inocentes.


A execração pública é de difícil reparação ‘a posteriori’, o que exigiria do
relator redobrada prudência e a postura equilibrada de um magistrado. Emitir
sentenças com poder de abalar e destruir reputações é um mal que correções
tardias não conseguem atenuar. [Luiz Gushiken, 55, formado em administração de
empresas pela FGV, é chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Foi ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão
Estratégica, deputado federal (1987 a 1998), presidente nacional do PT
(1989-1990) e coordenador das campanhas de Lula à Presidência em 1989 e
1998.]