A imprensa representa a opinião pública? Essa questão, por trás da qual se sustentam outras controvérsias relevantes sobre o futuro da mídia, como a questão da propriedade dos meios, a definição de interesse público e até mesmo o sistema de negócios envolvendo anúncios e comunicação, brotou na semana passada durante encontro do economista Ignacy Sachs com jornalistas na sede do Instituto Ethos, em São Paulo. Ele falava sobre as chances de o Brasil assumir de fato um papel relevante em um novo ciclo da economia mundial e se referiu rapidamente ao tema: ‘A imprensa afirma que é a opinião pública, mas não é’, disse.
Ignacy Sachs, chamado ecossocioeconomista por sua tese de que o desenvolvimento só pode ser considerado como tal se juntar ao sucesso econômico o aumento igualitário do bem-estar social e a preservação ambiental, esteve novamente em São Paulo – uma de suas principais bases de trabalho – na sexta-feira (23/3). Veio discutir a visão de desenvolvimento descrita em seu último livro, Rumo à Ecossocioeconomia, na qual se insere o projeto de ampliação global da produção de etanol.
Nascido há quase 80 anos na Polônia, naturalizado francês, Sachs cresceu no Brasil, tornou-se adulto na Índia e lançou há três décadas alguns dos fundamentos do debate contemporâneo sobre a convergência entre economia, ambientalismo e problemas sociais. Suas idéias são hoje mais claramente compreendidas, no cenário das mudanças climáticas e da crise social e política na qual o mundo parece atolado.
Nada a ver
A afirmação, feita de passagem entre as questões referentes ao tema central do seu trabalho, remete a uma característica que se observa nos debates públicos sobre sustentabilidade – afinal, o grande guarda-chuva temático sob o qual se abrigam as questões socioambientais, econômicas, políticas e de gestão: o flagrante conservadorismo da grande imprensa diante desse assunto.
A matriz da mídia nacional começou a atentar para a questão do estado do mundo há pouquíssimo tempo – especialmente se considerarmos que a chamada imprensa alternativa, feita de iniciativas isoladas de militantes ambientalistas, já discutia o problema nos anos 1980, e que alguns sites temáticos, como a revista digital Envolverde, a agência Repórter Social e outras, têm mais de dez anos.
Até muito recentemente, a chamada grande imprensa apenas se limitava a publicar artigos de jornalistas de boa reputação interessados em discutir a biodiversidade, e muito recentemente foram criadas as seções semanais e os cadernos eventuais dedicados a ‘meio ambiente e responsabilidade social’.
Salvo por uma ou outra entrevista – destaque-se o espaço de oito perguntas concedido a Ignacy Sachs na quarta-feira (14/3) pelo Estado de S.Paulo e outras referências esparsas – o tema ainda não emplacou nas grandes redações. Em geral, os editores ainda não se mostram familiarizados com a terminologia relacionada a essa questão transcendental. Recentemente, identificado na platéia de um evento sobre políticas sociais, o editor-executivo de um importante diário confessou se sentir como ‘um peixe fora d’água’ naquele ambiente.
Idéias subversivas
Ora, trata-se da questão mais relevante que poderia freqüentar hoje as páginas dos jornais. Muito além dos jogos de cena que marcam, por exemplo, a formação do novo ministério do governo Lula, sobrepõe-se entre os interesses nacionais a oportunidade criada pela necessidade planetária de uma nova matriz de combustíveis e a posição extremamente privilegiada que tem o Brasil nessa questão.
Além disso, é agora, quando estão sendo compostas as regras de um grande concerto mundial que tem como plataforma nosso Proálcool, que o Brasil precisa definir que modelo irá adotar para assumir a responsabilidade de suprir as bombas de combustíveis mundo afora.
Ignacy Sachs questiona, por exemplo, se vamos continuar transferindo gente para as bordas dos canaviais, oferecendo como alternativa à miséria nas cidades o emprego precário em condições desumanas no corte da cana queimada. Ou se vamos aproveitar para oferecer à nação um modelo de agrovilas junto aos latifúndios dos canaviais, criando sistemas integrados e sustentáveis que preservem a produção de alimentos junto às fontes de combustíveis.
Se apenas se dedicasse a esse desafio da nossa história, a grande imprensa teria diante de si tarefas para a reinvenção de seus cadernos de economia e negócios. Aliás, ecossocioeconomia é a forma correta de identificar essa temática. Mas parece que ainda tratamos os pensadores de vanguarda como portadores de idéias perigosas e subversivas. Perigosas para quem, afinal?
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Jornalista