Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Corrupção como religião

Assistir aos telejornais tornou-se sinônimo de perplexidade. Há os que criticam o sensacionalismo de alguns programas de veio policial, julgando ver nos apresentadores apenas reafirmações de um país desesperançado, assentado no limítrofe entre as próprias angústias e efêmeros prazeres. Daí o estado atônito de desconsolo, que nasce no olhar ressabiado que encara o aparelho televisor como um algoz: “Boa noite. Corrupção no governo: mais três indiciados por corrupção na Máquina Pública…” E por aí vai. É impossível pinçar um fragmento que seja das notícias que se avolumam sem que haja pelo menos uma matéria dedicada à corrupção. Já dizia Émile Durkheim (1858-1917) que “a religião é coisa eminentemente social”. [Nesse caso, o sociólogo francês não se referia à política, e sim, aos atos religiosos propriamente ditos.] É razoável o questionamento sobre a plausibilidade ou não dessa minha remitência, já que o assunto é “outro”. E explico.

Parece bem claro que a sociedade brasileira adotou um “segmento religioso” marginal, paralelo às religiões tradicionais, como as conhecemos. Os “rituais” de sonegação, improbidade administrativa, desvio de verbas, despotismos e nepotismos, entre tantos outros ilícitos “celebrados” como ritos nas sessões ordinárias e extraordinárias dos bastidores legislativos, executivos e judiciários, realizam-se sob a “bênção” de líderes carismáticos de vários partidos políticos que, sob o “manto sagrado” da im[p]unidade, protagonizam verdadeiros “milagres”, fantasticamente articulados com vistas a endinheirar ainda mais os templos de Mammon – aliás, os “templos pessoais” de cada beneficiado.

Os lares brasileiros tornam-se filiais da “nova religião”, a “corrupção”. Através dos cultos realizados no horário nobre das TVs, a nação testemunha, dia-a-dia, os pequenos desvãos descobertos pelas investigações policiais, verdadeiros paraísos fiscais e minas de ouro, sob o resvalo do consentimento público. Tornou-se comum compartilhar opiniões sobre as atrocidades morais dos representantes populares. O cidadão comum experimenta a cada dia o desgosto de “presenciar” as cifras bizarras subtraídas ao erário, subtraídas do próprio cidadão. No entanto, vai-se mais um dia, e outro e outro, e a fantasia “mítica” da justiça cede espaço ao “sagrado” consentimento coletivo às ações de corruptos e corruptores. E a fé no amanhã reina uma vez mais. Termina mais uma edição do telejornal. Mais uma enxurrada de “demônios” é varrida para debaixo dos tapetes. Enquanto isso, a indignação omissa alimenta o mito alienante da “justiça divina” que há de ser feita sobre “todos” os homens. Enquanto isso, diviniza-se a corruptela, glamourizam-se os “deuses do peculato e das fraudes”. A corrupção sagra-se comum. E o pior, a corrupção “sagra-se”.

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[Valdevino Albuquerque Júnior é mestrando em Ciência da Religião, Juiz de Fora, MG]