Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Palco armado no Fantástico

O teatro recomeça: mais um “ato” supostamente “real”, pois converte situações ao alterá-las pela presença de cinegrafistas e repórteres e reconfigura a escola em um palco no qual se desdobrará a cena que será exibida para todo o Brasil em um dos mais conhecidos programas do maior canal de TV aberta do nosso país. Assim se caracteriza o quadro “Conselho de classe”, mais um show da vida, dentre os tantos exibidos pelo Fantástico (como seu próprio slogan tradicional nos sugere).

Seguindo o mesmo padrão dos episódios anteriores, o quarto episódio é anunciado pelos apresentadores como “puro rock and roll”, enquanto a sala de aula é assumidamente comparada a um palco. Nele, após serem mostradas algumas estratégias de capitalização da educação e de vigilância e controle dos alunos, é apresentada a festa dos professores sob as câmeras do programa, desde a sua preparação até a sua realização, com todos, “até a diretora, se acabando na festa”. Mais uma ocorrência que, embora certamente esteja presente em momentos descontraídos e restritos de outras categorias profissionais, como a dos médicos, juristas ou parlamentares, talvez não fosse exibida no caso de profissões socialmente mais valorizadas.

O 5º episódio apresenta as condições e estratégias de ensino da Escola da Ponte, de Portugal, para onde são levados os professores que aceitaram participar do programa. Reconhecemos a relevância das propostas e práticas curriculares desenvolvidas nesta escola, porém é perceptível, no fim do episódio, a inviabilidade de sua aplicação direta no contexto de ensino dos professores da escola pública brasileira em que se realiza o programa.

Os percalços da realidade da educação

O desperdício do quadro é visível ao detectarmos a ausência de questionamentos ou problematizações dos aspectos de caráter econômico, social e cultural, principalmente ao tomarmos tais episódios em contraste com, por exemplo, o documentário Pro dia nascer feliz, dirigido por Walter Salles e coproduzido pela própria Globo Filmes, que aborda com seriedade e clareza questões como desigualdade social e violência nas escolas. Outro ponto que podemos destacar é a ausência de uma proposta de alternativas que partisse da nossa própria cultura e realidade e que não aponta, mas separa, mais um “modelo europeu ou estadunidense”que supostamente viria a salvar o nosso país neocolonizado do seu “fracasso original”. Consideramos que deveriam ser apresentadas como alternativas potentes e viáveis as experiências vivas de educação realizadas no Brasil, projetos em pleno curso que promovem, no presente instante, alternativas para a educação brasileira como, por exemplo, a Escola Popular Florestan Fernandes e as escolas do MST.

O sexto e último episódio se inicia com a entrega dos resultados finais. No programa, afirma-se que o ano letivo e o trabalho dos professores foram acompanhados de perto, em sua totalidade, pelas lentes do “Conselho de classe”. Em seguida, alguns trechos com filmagens dos professores em plena atuação são apresentados aos mesmos, ocasião em que novamente é feita uma mixagem em ritmo de funk a partir da fala de um dos professores que durante todas as gravações repetiu setenta e duas vezes a palavra “Senta!”. Em agravo a mais essa subalternização da fala do professor, em nenhum momento são propostas alternativas ou questões à situação atual da educação, ou seja, além de sua atuação profissional ser totalmente descontextualizada, ela ainda é exposta gratuitamente. Tanto este professor quanto uma das professoras do grupo mostram-se incomodados com os cortes e seleções do programa.

Por fim, as férias são anunciadas sem que se promova qualquer problematização sobre questões seríssimas da escola pública, presentes e inclusive agravadas com o quadro, como, por exemplo, o lugar social do professor na sociedade. O último episódio termina de maneira vazia, como se o recesso de verão pudesse, de fato, lavar as dificuldades, os problemas, as inquietudes, as faltas de perspectivas, as omissões, as carências de recursos materiais e humanos, e mesmo os baixos salários da profissão de docente, dentre tantos outros percalços da realidade da educação brasileira.

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[Fabiano de Oliveira Moraes é escritor e professor, Vitória, ES]