Seca no Sul e chuva no Sudeste foram temas centrais do noticiário no começo do ano, com mais um desfile de tragédias e a costumeira comprovação do descaso e da inépcia das autoridades – desta vez com o detalhe escabroso do uso político das verbas do Ministério da Integração. As editorias de Economia demoraram a entrar na cobertura, mas acabaram forçadas a se envolver no assunto, quando o próprio governo divulgou com reservas a nova estimativa de safra e a Vale anunciou problemas na produção de minério de ferro.
O governo apresentou a nova previsão de safra de grãos e oleaginosas na terça-feira, dia 10/1. O levantamento, encerrado em dezembro, estava provavelmente desatualizado, por causa da longa estiagem nos Estados do Sul, principalmente no Rio Grande. Ao comentar os números, o diretor de Comercialização e Abastecimento do Ministério da Agricultura, Edilson Guimarães, chamou a atenção para perdas prováveis nas lavouras de milho, soja, arroz e feijão – principalmente milho.
Carlos Bestetti, gerente de levantamento de safras da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), acrescentou um detalhe sinistro: os efeitos da seca ainda continuariam por algum tempo, talvez por três meses, e as perdas poderiam superar qualquer estimativa atual. Todos os grandes jornais noticiaram, até com destaque, mas só O Estado de S. Paulo publicou chamada na primeira página de quarta-feira, dia 11.
O assunto era da maior importância tanto por causa dos preços internos quanto pelo peso da agropecuária no comércio exterior. Em 2011, o agronegócio faturou US$ 94,6 bilhões com a exportação e o superávit comercial do setor chegou a US$ 77,5 bilhões. Faltou realçar esse detalhe, só explorado com algum destaque pelo Valor, na edição de quarta-feira.
Na mesma edição, o Valor destacou na primeira página as dificuldades de produção de minério nas áreas atingidas pelas chuvas, e nisso se adiantou aos outros jornais. A maior parte só apresentou o assunto dois dias mais tarde, quando a Vale já havia divulgado uma informação oficial sobre os efeitos da chuva na atividade em Minas Gerais.
Até aqui, a imprensa parece ter cumprido a tarefa de coletar e transmitir informações. Pelo menos até sexta-feira (13/1), no entanto, ninguém tinha publicado um bom – e até óbvio – material consolidado sobre os prováveis efeitos econômicos da combinação da estiagem com a chuvarada.
Presente para as ONGs
Outra boa história com implicações econômicas e políticas, um novo e caro presente às organizações “sem fins lucrativos”, só foi explorada pelo Estado de S. Paulo. A notícia foi manchete na quarta-feira (11/1): “Congresso ignora escândalo e dá mais R$ 1 bi para as ONGs”. Por meio de emendas à proposta orçamentária, parlamentares acrescentaram quase R$ 1 bi (R$ 967,3 milhões) às verbas destinadas àquelas entidades, elevando o total a R$ 3,4 bilhões. Bandalheiras em convênios com ONGs comprometeram a maioria dos ministros demitidos em 2011 pela presidente Dilma Rousseff, mas senadores e deputados parecem ter esquecido ou menosprezado esses dados. Convênios com organizações “sem fins lucrativos” têm sido, por muitos anos, uma forma frequente de assalto ao Tesouro. Desde outubro, a Presidência da República vem tentando, por meio de decretos, impor maior disciplina a esses contratos. No caso das emendas ao orçamento, a maior parte da imprensa perdeu uma chance de dar uma boa seqüência a esse tema.
Países rebaixados
A semana terminou com um grande evento no exterior, o rebaixamento de 9 dos 17 países da zona do euro pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s, incluída a segunda maior economia da união monetária, a França. A principal função dos jornais, nesse caso, seria explicar por que essas notas são importantes e as consequências mais amplas do rebaixamento para o bloco e para o mercado financeiro. Além de afetar os 9 países, a redução da nota pode afetar um dos mecanismos mais importantes de combate à crise, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, dificultando suas operações de captação de recursos. Todos os grandes jornais cumpriram de alguma forma essa tarefa e O Estado de S. Paulo foi especialmente bem sucedido, com uma exposição clara do assunto.
Para terminar, a repetição de um lembrete: o imposto sobre transações financeiras defendido por alguns governos europeus não tem nenhuma semelhança com a CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Alguns jornalistas têm insistido nessa comparação. Para entender o erro, basta lembrar um detalhe: a CPMF sempre foi um tributo sobre transferências financeiras, isto é, sobre pagamentos baseados na movimentação de contas bancárias. Por isso mesmo foi apelidado de “imposto do cheque”. O fato gerador era a transferência do dinheiro, não a transação financeira. A CPMF era cobrada, por exemplo, quando se pagava um quilo de batatas com cheque ou com um cartão de débito. A taxa em discussão na Europa é análoga ao IOF, Imposto sobre Operações Financeiras, algo muito diferente do extinto “imposto do cheque”.
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[Rolf Kuntz é jornalista]