Greves policiais, descaso do governo, imprensa comprada e chefe bem pago – eis os quatro principais ingredientes para transformar em caos público qualquer estado do Brasil.
Todos sabem o quanto é importante manter um policial bem preparado para realizar segurança pública com qualidade. Exige-se treinamento e perfeição, mas todos esquecem que seu baixo salário lhe traz o câncer da desmotivação; em alguns casos, tira-lhe a dignidade maior de um ser humano: prover sua família de condições de vida razoável. No Brasil, policiais e bombeiros trabalham exaustivamente, mostram resultados e passam pelo atual crivo das corregedorias – que expulsam os maus profissionais e nunca – nunca – os bons profissionais são valorizados.
Os policiais, então, iniciam uma negociação por melhores condições de trabalho. Primeiro em nível nacional, com a chamada PEC 300 (Proposta de Emenda Constitucional), que prevê isonomia salarial para policiais militares, bombeiros militares e policiais civis de todo o país. Após intensas promessas, discussões e votações em volta da PEC 300, que começou há quatro anos com tramitação especial, os governos Lula e Dilma, com a ajuda da maioria dos políticos do Congresso Nacional, engavetaram o projeto e enrolaram os profissionais de segurança.
Em conjunto aos fatos resumidamente narrados, começam os movimentos reivindicatórios estaduais. Os governos começam uma política de valorização das altas patentes. Oficiais do alto escalão e delegados de polícia têm seus salários aumentados para utilizar de seu poder de persuasão e segurar a tropa. Um dos maiores exemplo é o Rio de Janeiro, onde um delegado chega ao topo salarial do estado, em torno de R$18.000, e os policiais civis recebem o mais baixo salário pago a um profissional de terceiro grau do estado, em torno de R$2.300. Os “chefes” não seguram a tropa e a indignação aumenta, pois os policiais e bombeiros que trabalham pelos “chefes” se sentem desprestigiados. Em 2009, começam os principais movimentos policiais por melhorias.
Uma única voz no silêncio jornalístico
O menosprezo aos profissionais de segurança pública continua ao longo dos anos de 2010 e 2011. Alguns poucos estados dão o exemplo: Piauí, Ceará, Paraíba e Sergipe, onde o policial civil inicia com um salário justo de R$4.900, conseguem resolver internamente seus problemas com a segurança. Porém, a grande maioria dos estados brasileiros enrola, finge que negocia, utiliza-se do poder público para eliminar qualquer foco de revolta e conta com o apoio da imprensa para não publicar qualquer esboço de reivindicação salarial.
O maior exemplo foi a revolta dos bombeiros do Rio de Janeiro, no ano passado, a qual fez uma “maré vermelha” tomar conta do Brasil e do mundo. Mas não sensibilizou o governo do estado, que preferiu minar o movimento em vez de negociar, contando mais uma vez com a imprensa local. A indignação dos policiais e bombeiros aumenta ainda mais.
Atualmente, o poder dos governos sobre a imprensa chegou ao ápice: o repórter Valdeck Filho, do programa Na Mira, da TV Aratu, filiada ao SBT, recebeu um anúncio de demissão das mãos de um diretor da emissora na Bahia por ter feito a cobertura da greve dos policiais militares. Já no Rio de Janeiro, uma grande marcha conjunta da segurança pública teve matérias publicadas nos principais jornais internacionais, como o New York Times e o Financial Times, e a imprensa local não publicou quase nada. Nesse ponto, uma ressalva se faz por justiça. No Brasil, apenas a TV Record (Rio), pro meio do apresentador Wagner Montes, teve a audácia de realizar matéria sobre a marcha histórica e traçar comentários diários sobre o movimento em seu programa televisivo. Uma única voz no silêncio jornalístico. A indignação dos profissionais de segurança volta a aumentar.
O caos é eminente
Hoje, vemos o apogeu dessa história. Soma-se e acumula-se a falta de diálogo dos governos e a forte indignação dos policiais e bombeiros. Em vez de chamar à responsabilidade e resolver o problema, o poder público prefere jogar a sociedade contra os movimentos, com a ajuda da imprensa. O caos que aconteceu na Bahia é exemplo do descaso. Não resolvem o problema e preferem culpar alguns policiais pela onda de violência. O governo contou com a falta de razão do movimento, mas esquece que apostar nisso aumenta o problema e marca com ferro e fogo a trajetória política do próprio governo. Isentar-se de culpa, mesmo diante do caos, não será possível, pois o passado faz atormentar o presente com sua lembrança de descaso e menosprezo aos policiais e bombeiros.
O Rio de Janeiro promete ser o maior exemplo de todos e espera-se um movimento nacional após a decretação da greve carioca. Os mesmos ingredientes estão na mesa. Policiais civis, militares e bombeiros estão unidos e indignados como nunca se viu na história. A imprensa não divulga nada sobre o movimento. O governo anuncia um aumento negociado em 2010, diz que negocia apenas em 2014 e o secretário da Segurança diz que não acredita no sucesso do movimento. Mais uma vez o descaso e menosprezo. Os “chefes”, com seus altos salários, são pressionados pelo governo e fazem pressão para segurar a tropa. Com isso, o movimento ganha força e o caos é eminente.
A história se faz: a luta dos profissionais de segurança pública do Brasil por condições dignas de trabalho está na mão do poder público. Que a mão divina seja a autora dos próximos capítulos dessa história.
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[Marcio Bastos é policial civil do Rio de Janeiro e diretor jurídico adjunto do Sindpol RJ – Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro]