A qualidade do jornalismo em TV melhorou consideravelmente. Digo que, de todas as mídias, a TV foi a que mais evoluiu nos últimos anos; evoluiu na técnica de apresentação da notícia e também em conteúdos. O aprimoramento das tecnologias de informação e sua expansão no Brasil permitiram que as TVs ampliassem o espaço das notícias com a implantação de canais exclusivos de jornalismo. O desenvolvimento da web, por exemplo, tem permitido interação mais intensiva entre as emissoras coligadas e afiliadas com a cabeça da rede. Pode-se dizer, hoje, que a televisão conseguiu relativizar a sua tradicional característica de mídia da superfície e também criar o único jornalismo do qual se pode dizer que é efetivamente nacional. O fenômeno só não é visto pelos jornais impressos. Continuam posicionados na mesmíssima pauta da TV e já não conseguem acrescentar nenhuma novidade ao que a TV noticiou no dia anterior.
Se quiserem sobreviver, os jornais impressos têm de escapar da TV. Interromper esse massacre diário da TV em cima dos assuntos de atualidade. Os jornais tornam-se a cada dia menos necessários a quem vê televisão da noite anterior. É um assombro constatar que nenhum deles parece muito preocupado com essa derrota diária. Os jornais impressos não se movem de si mesmos. Estão paralisados, acuados, acovardados. Vão morrer por inteira inadequação de uso do papel.
A TV resolve inflar a cobertura do julgamento de Lindenberg Alves, o motoboy que matou a namorada Eloá há três anos numa cidade do ABC paulista. Os jornais impressos fecham os olhos e correm atrás do mesmo assunto. Quer dizer, são pautados pela televisão, quando deveria acontecer o contrário – os jornais impressos é que deveriam pautar a TV. É uma briga inglória.
Foram derrotados na primeira batalha: a capacidade da TV em divulgar imagem em movimento, áudios com a possibilidade de leitura paralela, em casos iguais a esse, é imbatível. Só os jornais impressos não o percebem. Antigamente, ainda havia a possibilidade de os jornais circularem no dia seguinte com a última novidade do caso. Hoje, não existe mais: os jornais fecham ao anoitecer. Vão circular com o já característico cheiro de mofo.
Reinventar o processo
Os jornais impressos têm sido derrotados pela TV até nos mais intrincados casos da economia. Na TV aberta vemos, por exemplo, a notícia da operação-socorro à Grécia em todos os seus detalhes – a narração competente do correspondente internacional; imagens da rebelião popular deflagrada em Atenas; números e indicadores muito bem traduzidos em infográficos de grande padrão estético e didático. Termina o jornal e começa a novela.
Se mudarmos o canal e sintonizarmos a TV fechada, muito provavelmente assistiremos a uma mesa-redonda onde os melhores economistas do país analisam e comentam a crise na zona do euro sempre com muita lucidez e propriedade. Ler os jornais do dia seguinte para quê? Talvez para fazer as palavras cruzadas, sendo que também estas, como no caso do Estado de S.Paulo, tiveram forte queda de qualidade.
Seria necessária muita inteligência aplicada ao jornalismo para conseguir tirar os jornais impressos do mesmo espaço da TV. A primeira mudança deveria ser na pauta: deveriam voltar a se preocupar, intensivamente, obsessivamente, com a exclusividade da notícia. Há fatos importantes, relevantes, do interesse do leitor, para além da dimensão que a Rede Globo consegue enxergar. O drama é que os jornais impressos estão impossibilitados de reagir. Foram engessados pelo modelo industrial. Jornal às 5 horas da manhã embaixo da porta da casa do assinante é algo que exige pressa, aceleração de todo o processo de produção e fechamento. Não há mais tempo para se adicionar inteligência à pauta, não há mais tempo de fugir do massacre da TV.
Está mais do que na hora de as empresas dos jornais impressos devolverem o tempo, de cinco a seis horas, que o processo industrial roubou das redações (ver, neste Observatório, “O tempo na produção da notícia“). É a única saída. Ou fazem isso, reinventando o processo de produção da notícia, ou vão morrer à míngua por absoluta falta de leitores.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado, da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]