Quase caio das nuvens quando vejo a primeira página do Estado de S.Paulo de quarta-feira (14/3) e leio a chamada: “‘Metrópole’ estreia coluna sobre o interior” [paulista]. Santo Deus!, exclamei. Será que o Estadão se recobra de sua já antiga letargia e passará a dedicar ao interior o espaço que a região faz por merecer?
Lembrei-me, instantaneamente, dos bons tempos do Raul Bastos no comando da rede de sucursais e correspondentes do jornal, nos anos 1960 e 1970. Os fatos relevantes ocorridos no interior marcavam, com destaque, um número muito grande de páginas do jornal e havia uma seção que chegava a circular com três ou quatro páginas inteiramente dedicadas à região. O jornal tinha sucursais em Campinas, em Santos, no ABC Paulista e correspondentes de grande talento em cada um dos principais municípios do interior – Sorocaba, Bauru, Marília, Araçatuba, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos, Taubaté etc. Na grande maioria, esses correspondentes – e os repórteres das sucursais – tinham texto final e incumbiam-se de grandes coberturas dentro e fora de suas regiões. Leitores do jornal em toda essa vasta e próspera região tinham verdadeiro fascínio pelo jornal. O Estadão reinava sobre seus concorrentes.
Um dia, sem maiores explicações, alguém da área administrativa e da circulação, numa só penada, retira o jornal do interior. Grande decisão! Esqueceram-se de mudar o nome: deveria ser chamado, a contar de então, de O Paulistano, pois o jornal se encolheu na cobertura apenas da Região Metropolitana de São Paulo e atirou o interior paulista numa espécie de limbo, situação que perdura até os nossos dias.
A expansão de Viracopos
Corri para o caderno “Metrópole” a fim de observar o tipo de resgate que o jornal ousou fazer de sua antiga cobertura do interior. Quase não consigo localizar a tal coluna, de um quarto de página, quase um rodapé e assinada por um único correspondente, José Maria Tomazela, baseado em Sorocaba. O talento de José Maria Tomazela, o último daqueles grandes correspondentes do interior paulista, é inegável. O jornal é que deveria observar que não se faz uma coluna do interior paulista com um único profissional. A região está descoberta, apesar do rol de grandes assuntos a merecer cobertura de um grande jornal.
Moro hoje em Vinhedo, a 80 quilômetros de São Paulo, município pertencente à Região Metropolitana de Campinas. Os assuntos de interesse do grande público brasileiro desfilam na minha frente todos os dias só para me encher de angústia e de frustração por saber que nunca vão aparecer nas páginas de um grande jornal. Agora mesmo, como exemplo, acompanho as transformações de Viracopos, um dos mais velozes aeroportos do mundo no transporte de cargas. Começam a investir na expansão de Viracopos nada menos de R$ 750 milhões. Haverá desdobramentos importantes no transporte de cargas e também – principalmente – no transporte de passageiros.
O número de pessoas que embarcam e desembarcam ao ano em Viracopos passa hoje de 3 milhões. Até 2014, passarão por ali ao ano cerca de 18 milhões. As obras distribuem impactos para todos os lados. A grande imprensa não presta atenção neles.
Grandes jornais estão paralisados
De outro lado, observo com atenção, até por uma questão de segurança familiar, o fenômeno da febre maculosa. Para quem desconhece o assunto, eu explico: trata-se de uma doença de alta letalidade, transmitida pelo carrapato estrela, hospedeiro das capivaras. Como acabaram com os predadores das capivaras, estas se multiplicam na região de Campinas de um modo espantoso. Invadem condomínios horizontais, são vistas atravessando ruas e avenidas, frequentam parques e praças. Há parques públicos em Campinas que foram interditados porque os zeladores foram contaminados. A incidência da doença cresce, os carrapatos se multiplicam e ninguém faz nada para o efetivo controle da doença, que a mídia paulistana ignora.
Teria de escrever um romance para indicar todos os assuntos que vejo apenas neste pedaço de São Paulo e que por certo mereceriam cobertura nacional. Como disse, os grandes jornais impressos não se movem de si mesmos. Estão paralisados. Se recorressem aos arquivos internos para observar o tratamento que já foi dedicado ao interior, os responsáveis pela redação do Estado certamente ficariam envergonhados do prato que hoje oferecem aos milhões de pessoas que ainda leem jornal na região. Não se faz mesmo jornal como antigamente.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e do jornal Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]